Os evangélicos e o apoio ao terrorismo. Serão
responsabilizados?
Há semanas temos visto a movimentação dos “patriotas” nas portas dos quartéi s. O que não tem sido evidenciado com devida
ênfase pelos analistas é a forte tônica religiosa dos seus manifestantes, em
geral composta por evangélicos e, em menor grupo, também por católicos. Muitos
vídeos e relatos comprovam o forte vínculo religioso das manifestações,
frequentemente regadas a momentos de oração, louvores gospel e “atos
proféticos”
Rafael Rodrigues da Costa, Le Monde
Diplomatic
Os atos terroristas que assistimos
ontem (08/01) na Praça dos Três Poderes, em Brasília, compõem mais um trágico
episódio da crise da democracia brasileira. Assim como os governantes, é dever
dos cidadãos denunciar, expor e responsabilizar todos aqueles que participaram,
de forma ou indireta, deste grave ataque às instituições.
Há semanas temos visto a movimentação dos “patriotas” nas portas dos quartéis. O que não tem sido evidenciado com devida
ênfase pelos analistas é a forte tônica religiosa dos seus manifestantes, em
geral composta por evangélicos e, em menor grupo, também por católicos. Muitos
vídeos e relatos comprovam o forte vínculo religioso das manifestações,
frequentemente regadas a momentos de oração, louvores gospel e “atos
proféticos”.
Um exemplo disso foi o hino evangélico entoado
pelos manifestantes durante a invasão no Senado Federal, no qual as palavras de
ordem “Os guerreiros se preparam para a grande luta/ É Jesus o capitão, que
avante os levar&aacut e;/ A milícia dos remidos marcha impoluta/ Certa que
vitória alcançará” revelam não só o caráter belicista do movimento, mas também
o inegável vínculo religioso que anima essas manifestações. Afinal, para muitos
que estão ali, não se trata de um golpe de Estado, mas sim a materialização da
batalha espiritual entre o bem e o mal, uma releitura do conflito apocalíptico
entre Deus e o diabo em termos políticos.
Embora não tenham sido apoiadas publicamente por
nenhuma grande figura evangélica – com exceção do senador eleito Magno Malta
(PL/ES), um dos articulistas dos atos de 8 de janeiro – é fato que alguns
líderes apresentaram desde o início dos acampamentos nos quartéis uma certa
postura de apoio ambíguo, que ora incentiva o sentimento de indignação e
descrédito no sistema democrático, ora se nega a ter qualquer responsabilidade
sobre o movimento.
O maior exemplo dessa postura, sem dúvida, é o
pastor Silas Malafaia. Em 22 de novembro, o pastor da igreja evangélica
Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) afirmou em vídeo: “Eu desafio a
provar que mandei alg uém para a porta de um quartel. Não mandei ninguém para
portas de quartéis. Um vídeo do dia 17/11, eu digo (…) as manifestações estão erradas. Não são nas portas
dos quartéis. Têm que ser em frente ao Congresso Nacional”. Com os eventos do dia 8 de janeiro, o pastor
agora chama os atos terroristas de “manifestação do povo” e que qualquer
punição contra os manifestantes seria uma “vergonha”.
Não é de hoje que boa parte dos evangélicos tenha
embarcado no bolsonarismo. Em 2022, cerca de 7 em cada 10 evangélicos votou em
Bolsonaro no segundo turno, um número bem próximo do que já havia ocorrido nas
e leições quatro anos antes, em 2018. A novidade – talvez nem tão nova assim –
é que muitos pastores e líderes, não satisfeitos com a derrota nas eleições,
resolveram dobrar a aposta na tese da “guerra espiritual”, estimulando os seus
fiéis a participarem dos atos antidemocráticos, procurando assim deslegitimar o
resultado das urnas por meio de uma suposta lente espiritual, mas que na
verdade é pura manipulação ideológica e abuso do poder religioso. As provas
estão por toda a parte. Estarão as autoridades dispostas a responsabilizar
essas lideranças pelos seus abusos?
Rafael Rodrigues da Costa é
sociólogo, mestre em Ciências Sociais pela Unifesp e pesquisador visitante da
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor de Psicologia Social na
Faculdade FECAF.
O multifacetado tempo presente https://bit.ly/3Ye45TD
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