Apagão de segurança do DF e do governo federal gera Capitólio
brasileiro
Forças do DF e Exército
deixam correr solta baderna, que gera oportunidade para Lula e Moraes
Igor
Gielow, Folha de S. Paulo
Um apagão claramente intencional de segurança proporcionou o
Capitólio brasileiro, a versão bolsonarista
da invasão do centro de poder emulando o ataque à sede do
Legislativo americano por ativistas ligados ao ídolo do ex-presidente americano
Donald Trump.
A intervenção no Distrito Federal, algo radical embora limitada
à área de segurança e a um mês, foi a resposta possível que sobrou a Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) para o desafio à sua autoridade. Mas escamoteia um
problema maior, que envolve o papel da inteligência militar no monitoramento
dos radicais que subiram rampas neste domingo (8).
O incidente era uma das
bolas mais cantadas da transição presidencial, como os atos do dia 12 de dezembro
mostravam, que resolveu ignorar os manifestantes em frente a
quartéis do Exército em todo o país em nome de uma acomodação e buscando evitar
um desgaste de saída ao desalojar adversários.
Mas a circunstância factual é tão grave quanto o fim em si da
ação. Bolsonaristas, e chamá-los de radicais é ocioso, invadiram as sedes dos
três Poderes do Brasil. E os fizeram de forma quase natural, sem oposição de
ninguém.
Imagens de PMs do Distrito Federal gravando vídeos e fazendo
selfies durante a manifestação prévia à invasão falam por si só. O governador
do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, do MDB que está assentado no governo Lula, está na primeira fila
dos responsáveis a serem interrogados pelo que ocorreu.
O anúncio de exoneração do ultrabolsonarista Anderson Torres,
ex-ministro da Justiça trazido para cuidar da Segurança do DF, obviamente não tira o papel
óbvio do governador reeleito na confusão. A intervenção é
apenas o começo.
Ibaneis sempre foi bolsonarista e sua PM é das
mais ideológicas do país. Mas a inação ante a marcha da horda de acampados à
frente do QG do Exército rumo à praça dos Três Poderes é um exemplo bizarro de
facilitação de crime, que não escapará aos olhos do Judiciário sob a inspiração
de Alexandre de Moraes.
Xerife do Supremo, presidente do Tribunal
Superior Eleitoral e nêmesis do bolsonarismo,
Moraes deverá ocupar protagonismo no processo contra os responsáveis pela
crise.
Apesar de estar na cadeira da vítima, a situação não fica nada
melhor em imagem para o governo Luiz Inácio Lula
da Silva (PT). O Exército, ora sob comando do petista, não mexeu uma
palha para alertar o Ministério da Defesa ou a pasta da Justiça acerca da
movimentação à frente de sua sede principal.
Aqui cabe examinar a rusga entre os
ministros Flávio Dino (Justiça) e José Múcio (Defesa). O
primeiro falou horrores ao longo dos dias acerca dos problemas e, no sábado
(7), acionou a Força Nacional para interditar a Esplanada dos Ministérios. Para
nada.
Ele pode argumentar que sabia sobre o óbvio mas as menos de duas
centenas de homens mobilizados evidentemente não dariam conta da turba descendo
a avenida. Já Múcio, advogado do comedimento necessário para lidar com o
desconforto dos chefes militares com a eleição de Lula, ficou a pé na
discussão. O Exército, que acompanha movimentações muito menos importantes, não
fez nenhum alerta.
A baderna e destruição de patrimônio público são o testemunho
mais vívido do modus operandi dos autoproclamados "homens de bem" do
bolsonarismo, que passaram quatro anos defendendo alguma versão tortuosa do
cristianismo e tal.
Segundo o Datafolha, 25% do eleitorado se diz
bolsonarista. Para chegar aos 49,15% que o ex-presidente
amealhou em 30 de outubro, há chão. Por mais odioso que Lula possa parecer ao
grupo não fanático da seita, é uma questão saber o que esses antipetistas acham
da barbárie brasiliense deste domingo.
Bolsonaro, covardemente curtindo suas
férias na Flórida, sempre poderá dizer que nada teve a ver com o
ímpeto de seus seguidores. Boa sorte com isso, até porque a porta está aberta
agora a uma reação ainda mais dura da Justiça, que poderá ao fim beneficiar
Lula.
Com o vandalismo em Brasília, de resto macaqueado de forma
pálida ante a confusão de dois anos e dois dias atrás em Washington, o
presidente tem todos os elementos para criminalizar a oposição bolsonarista.
Será difícil para deputados reticentes da centro-direita não
ideológica apoiarem as cenas medonhas na capital do país.
A mais recente memória de ataque a símbolos das instituições do
Brasil remontam a 2013, quando vândalos
atearam fogo no Itamaraty e subiram na mesma cobertura do
Congresso hoje atacada por bolsonaristas —em números muito mais vultosos. A
situação é muito diferente hoje: falamos de aderentes golpistas de um perdedor
em eleição.
Não haverá Arthur Lira, para usar um ícone do centrão, a apoiar
o que aconteceu neste domingo em Brasília. Isso poderá ser usado por Lula em
seu favor, mas não muda o essencial: o petista não tem controle pleno da
inteligência de suas Forças Armadas e tem na leniência de governadores um
flanco exposto altamente perigoso.
Importa
fincar os pés na realidade concreta https://bit.ly/3Ye45TD
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