Ao mestre, e amigo, com carinho e saudade
Enio Lins www.eniolins.om.br
Conheci Paulo e Chico Caruso em
1985, quando do I Salão Nacional de Humor de Alagoas, promovido pela
recém-criada Secretaria Estadual de Cultura, cujo titular era o saudoso Noaldo
Dantas. A abertura foi no dia 1º de abril e a logomarca desenhada por Manoel
Viana.
A querida Mirna Porto
Maia foi a produtora do I Salão Nacional de Humor de Alagoas e se desenrolou no
Circo Cultural, cuja lona estava armada na Ponta Verde, perto do hotel
homônimo, num grande terreno vazio – sim, naqueles idos não eram poucas as
glebas desocupadas na região hoje superpovoada.
Aí se vão 38 anos.
Ficamos amigos desde o primeiro dia, e varamos as noites com muito humor,
bebida, bons tira-gostos e bastante conversa, juntamente com Borjalo, Ziraldo,
Ciça e outras tantas celebridades do mundo do humor gráfico que vieram
prestigiar o evento alagoano. Antes e depois do Circo Cultural, diariamente, a
jornada contemplava passagens sob sol a pino nas muitas barracas nas praias,
depois alternavam-se o Bar do Alípio, London London, Macarronada do Edson, mas
sempre finalizava na impagável Trupizupi.
Nos anos 80/90 eu
ia muito à São Paulo por conta das atividades partidárias, jornalísticas e
sindicais, em compromissos diurnos. Às noites vigorava a composição com Paulo.
Chico morava no Rio, lugar que ia quase nunca, mas quando comparecia por lá era
acolhido por ele com a mesma fidalguia do irmão gêmeo.
Paulo e Chico
Caruso são gêmeos univitelinos, e a distinção física
entre ambos era difícil, assim como não é fácil, numa primeira mirada,
distinguir o desenho de um e do outro. Dois gênios do traço, dois artistas
gráficos com estilos semelhantes, traços mais ou menos gêmeos.
As muitas
jornadas pela pauliceia desvairada, quase
religiosamente, tinham como ponto de partida o “Vou Vivendo”, bar localizado
[me corrige o Google, pois errei no primeiro texto*] na Pedroso de Morais 1017,
esquina com Padre Garcia, em Pinheiros. Lugar excepcional, dedicado ao
chorinho, com decoração de Elifas Andreatto, e, de quebra, ali Paulo tinha
desconto na conta por ser o autor dos desenhos no cardápio. Defronte, o
Dancing Avenida, palco de apresentações de uma bela Big Band, estilo Glenn
Miller, com direito à levantadas alternadas naipe por naipe. Infelizmente,
nenhum desses endereços citados nessas linhas, seja em Maceió ou São
Paulo, existem mais nas noites em curso, viraram saudades.
Paulo era exemplo de
gentileza e atenção, procurava ajudar aos colegas viventes fora do eixo
cultural (RJ/SP), como eu: “Não quer vir morar aqui? É onde as coisas acontecem
para nosso trabalho. Ah, não quer vir? Então vou caitituar um extra para você”.
Além brilhante na
charge, no cartum e na caricatura, Paulo mandava bem na
música. Cantava, tocava piano. Junto com Chico fazia dupla fantástica e davam
shows com composições próprias, maravilhosas charges musicadas. Os dois, junto
com Luiz Fernando Veríssimo, Cláudio Paiva e outros cartunistas, formaram em
1985 (logo depois da morte do primeiro presidente civil pós-ditadura) a Muda
Brasil Tancredo Jazz Band.
No campo do humor
gráfico, o legado de Paulo Caruso é imenso. E pode ser
conferido num grande número de publicações, como a série “Bar Brasil” (depois
“Avenida Brasil”), “As origens do Capitão Bandeira”, “Ecos do Ipiranga”, “As
mil e uma noites” (aqui crônica de humor gráfico sobre as noites boêmias
vividas pelo autor). O álbum “São Paulo” é um passeio pela urbe e uma
declaração de amor à maior metrópole brasileira. E, desde 1987, era o
desenhista de plantão no programa Roda Viva, pela TV Cultura, fazendo charges –
em tempo real – com a pessoa entrevistada e com o tema da entrevista.
Fiel às suas
ligações com Alagoas, iniciadas em 1985, além das
muitas vindas para o Estado em atividades ligas ao cartum, fez – em dupla com o
irmão Chico – uma elogiada apresentação das “charges musicais”, a convite da
Sococo, para um encontro organizado pela Nestlé, em São Paulo, para seus
principais fornecedores brasileiros.
Lutou bravamente
pela vida, combatendo um câncer durante sete anos. Se
despediu na manhã de ontem, sábado, 4 de março.
Em 1986, depois de
dias hospedado na casa dele, e usando seu birô de trabalho nas horas vagas,
notei um bom número de caricaturas dele, dedicadas por colegas famosos, todos
craques na arte de caricaturar. Em plena consciência que nesse departamento meu
talento é pouco (minha especialidade é apenas charge), ousei fazer uma
caricatura do Paulo ao piano. Ele elogiou, agradeceu, acho que por educação e
para dar força ao colega bem menos talentoso. Refiz o desenho ontem, no dia da
morte do companheiro, para postar neste comentário de agora – ciente que é
traço fraco, mas vai de coração – como lembrança e homenagem ao grande mestre e
amigo. Viva Paulo Caruso!
(*)
escrevi errado na primeira versão, mas fui ao oráculo e o Google passou o
endereço certo, informando ainda que o Vou Vivendo viveu ali até a noite de 16
de janeiro de 1997
Arte é vida: uma
obra de Egon Schiel bit.ly/3SCsEaw
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