MANIFESTO DA DESARROGÂNCIA
Marcelo Mário de Melo*
1 – Venha de onde vier, a arrogância é uma praga de unilateralidade e uma desgraça na convivência entre as pessoas e as forças sociais, prejudicando os processos de transformação e libertação.
2 – A arrogância dos velhos, imaginando que sabem tudo e que os jovens são uns cabeças ocas. “Matem os velhos que matarão a história.” O velho como o detentor supremo da história. Tudo que disser tendo de ser louvado. Mas como tem velho dizendo besteira e contando história errada!
3 – A arrogância dos jovens, achando que os velhos são múmias superadas e nada têm a ensinar. “Poder jovem.” “Não confie em gente com mais de 30 anos”, como se dizia nos anos 1960.” E como existem jovens divulgando velhas cartas e telegramas mofados, digitalizados em versão neorretrô.
4 - Os velhos carregam um acúmulo de experiências e informações que pode contribuir com os jovens. Numa conversa com um velho, pode-se dispensar a leitura de uma prateleira de livros. E se colher sugestões para a leitura de outra. Com velhos podem-se aprender lições de erros e acertos, decorrentes de mapas, estradas e quilometragens percorridas. Mas os velhos gastam muito tempo cuidando da própria manutenção e estão distanciados das aventuranças onde brotam coisas novas.
5 - Os jovens vivem visceralmente no agora, nas experimentações, nos acréscimos, na construção de roteiros, caminhos e trilhas iniciais e desbravadoras, podendo-se aprender com eles lições de amanhã. Mas os jovens têm raias curtas de anteontem e pouco suprimento para a exploração de abismos, tempestades, cataclismos, cavernas e labirintos.
6 - Passando por jovens e velhos, é preciso entrelaçar clamores, experiências, acúmulos e lacunas, entre os diversos fios da trama social. Econômicos, identitários, étnicos e de conhecimento. Construindo caminhos voltados para enfrentar um sistema opressor e um processo de opressão. Para isso é preciso combater a arrogância e desarrogantar em todos os sentidos. A arrogância é o carro chefe do atraso.
8 - Somos vertentes e agentes da vida, com um patrimônio diferenciado de experiências e óticas positivas e negativas, marcadas por erros e acertos. Sendo necessário superar o olhar narcísico fixado no espelho frontal. Acrescentando o espelho retrovisor, para que todos possam ver a própria cauda.
9 - O desafio é entrelaçar vivências numa ciranda de diálogo e conhecimento em que cada um entra com os seus acúmulos e lacunas, transmitindo o calor das suas mãos e recolhendo o calor das outras mãos.
10 - Vamos desarrogantar. Eliminar a arrogância entre os oprimidos é uma das condições essenciais para se enfrentar a arrogância dos opressores.
11 – A arrogância entranhada joga cheiro de peido na atmosfera e pás de merda nos nossos caminhos e no nosso rosto.
[Ilustração: Tânia Reis]
*Jornalista, poeta
Arte é vida: uma obra de Marc Chagall https://tinyurl.com/4zac96x4
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