O golpe pela internet
O que fica claro, a partir do relatório da PF, é que havia método. Foi decidido, foi planejado, e foi executado
Pedro Doria/O Globo
A decisão do ministro Alexandre de Moraes que confiscou o passaporte do ex-presidente Jair Bolsonaro e mandou prender preventivamente alguns de seus assessores deveria ser lida por todos os brasileiros. Mostra de forma clara que nada daquilo a que assistimos até o 8 de Janeiro foi acidente ou voluntarismo de gente do terceiro escalão. Houve planejamento de um golpe de Estado no Brasil em 2022. Esse planejamento envolveu o então presidente da República e generais quatro estrelas da ativa e da reserva. A lista inclui Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que havia sido comandante do Exército, e o almirante Almir Garnier Santos, que comandava a Marinha. Parte da estratégia envolveu o uso da internet. Há lições para aprendermos aí.
De acordo com a investigação da Polícia Federal, corroborada plenamente pela Procuradoria-Geral da República, os golpistas se organizaram em seis núcleos com funções distintas. Deles, dois nos interessam mais aqui. O primeiro tinha por objetivo criar um ambiente de desconfiança aguda a respeito do sistema eleitoral. O segundo era mais focado e talvez o mais importante. Pretendia incitar militares ao golpe, e isso incluía a presença de influenciadores e de ataques aos comandantes que não aderiram.
Como boa parte da campanha contra a urna eletrônica foi pública, é fácil intuir que o governo Bolsonaro realmente trabalhou, propositalmente, para criar em parte da sociedade dúvidas sobre o resultado eleitoral. Fica claro, a partir do relatório da Polícia Federal, que havia método. Foi decidido, foi planejado e foi executado.
Novo é o uso nichado das redes sociais e de grupos específicos de WhatsApp para chegar aos militares da ativa. Faziam parte desse núcleo, com a missão de mobilizar as Forças Armadas, o general Walter Braga Netto, que havia sido candidato a vice de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, o coronel Bernardo Romão Corrêa Neto, o capitão Ailton Barros. E estava lá também um não militar — Paulo Figueiredo Filho, neto do último ditador João Figueiredo, comentarista da rádio Joven Pan.
Eles tinham três frentes de ação. Uma era convencer militares, em todo o Brasil, de que o golpe era necessário. Parte desse trabalho se deu mapeando os influenciadores das redes muito lidos por todos. Não é diferente do que agências de publicidade fazem em campanhas nas redes — identificar microinfluenciadores que atingem melhor determinados grupos com que se deseja falar e, afinando o discurso, mexer com suas percepções.
A segunda frente tinha por objetivo juntar os Kids Pretos, aqueles militares com treinamento das Forças Especiais do Exército. Eles teriam a missão de prender o próprio Alexandre de Moraes tão logo Bolsonaro assinasse a ordem de dar o golpe. Aquilo era fundamental para neutralizar rápido o pedaço do Brasil que resistiria com mais força a uma tentativa de ruptura da democracia.
Por fim, tornou-se missão desse núcleo atacar o general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército. “Omissão e indecisão não cabem a um combatente”, escreveu Braga Netto, por WhatsApp, ao capitão Ailton. “A culpa pelo que está acontecendo é do general Freire Gomes.” Ele, assim como o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, comandante da Aeronáutica, resistiram à tentativa de golpe. Não a aceitaram e, pelo que se compreende da decisão do Supremo, assim impediram a tentativa de um novo 1964. Por isso foram violentamente atacados, para tentar que fossem desacreditados.
Não deu. Golpe não houve. Agora, o Brasil começa a descobrir como teria sido.
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