09 abril 2025

Abraham Sicsú opina

Mundo em polvorosa
A ordem global desmorona sob choques políticos, tecnológicos e econômicos, revelando um mundo instável, marcado por rupturas e incertezas crescentes.
Abraham B. Sicsú/Vermelho 

Tudo parece explodir. Um mundo em turbilhão, difícil de explicar. Anos atrás, incentivado por um amigo, tentei estudar a Teoria do Caos. Pouco entendi, a matemática era muito avançada, mas a palavra ficou retida em minha mente como algo que destrói a ordem constituída. E os tempos atuais parecem que se dirigem para esse caminho.

Não digam que não foi avisado. Faz tudo que prometeu. As sandices foram prenunciadas, exatamente como ditas são feitas, talvez um pouco mais aceleradas do que o previsto. E as conseqüências hão de vir, não tenham dúvida.

Um “Senhor do Universo” desafia as premissas que formaram seu próprio “Império”, que o levaram à hegemonia mundial. Vê a China como uma sombra que tende a superá-lo. Cai por terra a livre concorrência. Nós em primeiro lugar.

A Globalização tão desejada faz poucos anos, como meio de expansão do Capitalismo Exploratório, perde suas premissas. A volta do nacionalismo exacerbado, de posturas individualistas e xenófobas se faz presente.

Os gigantes da tecnologia acreditaram tirar vantagens. Contratos estratosféricos esperados. A Inteligência Artificial, uma nova era de ricos contratos, de dinheiro público se esparramando para seu lado. O melhor dos mundos como premissa para fazer fortuna. A plutocracia se estabeleceria. Aderem à primeira vista, fazendo todas as concessões possíveis.

Esqueceram os chineses. DeepSeek, o Yuanbao e o Manus AI apareceram. Janeiro de 2025. Com códigos abertos põe em cheque o ChatGPT.  Custos muito mais em conta, pesquisas avançadas e textos condizentes. Os grandes contratos passam a ser problemáticos. Não apareceram até hoje.

A imagem na posse presidencial em vão. O abandono da imagem pública que construíram por anos, um fracasso. Eram empresas que se diziam descoladas, fortes na defesa da igualdade de gêneros e raças, a favor da diversidade sexual, da liberdade individual de escolha. Diziam-se espaços privilegiados de trabalho. Descontração e espontaneidade suas marcas. Nenhum controle, tudo seria natural em seus espaços de convivência. Grande farsa.

Para aderir ao magnata Presidente abandonam tudo. De uma hora para a outra, se tornam rígidos, quase carrascos. Demitem, impedem a diversidade como bandeira, fazem controles descabidos.

A linguagem é controlada. 200 palavras são proibidas em documentos oficiais. Palavras como feminismo, diversidade, crise climática e até, admirem-se, sócio-economia aparecem na lista. Conversar com os Estados Unidos terá que passar por uma reeducação verbal.

Se frases forem feitas nesses léxicos serão consideradas ofensivas e descartadas. Pior, as gigantes da informática nada dizem e aceitam passivamente, inclusive estes controles. A cultura woke, ou seja, termo ofensivo usado para definir as expressões das esquerdas e dos que não comungam com o pensamento retrógrado, terá que ser abandonada por decreto!!!

Imigrantes sendo expulsos. Vistos como um cancro na sociedade americana. Esqueceram que são a base de custos competitivos para a agricultura e serviços não tecnificados. Com eles a redução de custos é concreta, sem eles a competitividade comprometida.

Expulsão da mão de obra barata que ainda dava sustentação às atividades agrícolas e do setor primário americanas alarma os Estados do interior do País. Em menos de dois meses criam-se fortes movimentos contrários. Próceres que apoiaram efusivamente as mudanças de rumo começam protestos. Perda de espaço para países exportadores e elevação dos custos internos, inflação crescente à vista.

Barreiras tarifárias como mecanismo para retorno dos investimentos a um país que vem perdendo a liderança. Custos de produção acrescidos com tarifas estratosféricas, empresas americanas que mundializaram sua produção com grandes dificuldades. A estrutura de produção que se espalhou pelos países na busca de fatores mais eficientes e que dá sustentação às multinacionais é questionada. Por enquanto, não há nenhum sinal que pretendam voltar a se concentrar nos Estados Unidos, ou que tenham interesse de sair de mercados em que auferem margens de lucro supranormais.  A promessa de aumentar emprego exponencialmente parece não ser a direção apontada.

Países começam a se estruturar. Novos acordos surgirão. A união de Blocos como mecanismos para compensar a diminuição de penetração no mercado americano, uma realidade concreta. O mundo procura mostrar que não é unipolar, que não pode ser tratado como apêndice da economia americana.

A China não se curva. E tem instrumentos que lhe dão fôlego. Responde na mesma moeda. A guerra comercial iniciou.

Com duas potências que tem peso para fazer com que ela perdure. Pode ser bom para outros. A queda das exportações agrícolas e de produtos primários dos estadunidenses permite que países dos BRICS aprofundem sua participação no mercado chinês. Não só de alimentos, mas também de matérias primas básicas para a nova indústria. Perspectivas de um rearranjo.

A dependência do dólar como moeda internacional é questionada. Movimentos que começavam, ganham força. Países avançam na concretização de novas formas de alicerçar as relações internacionais. Blocos procuram novas moedas de suporte que permitam que os países continuem com o comércio internacional com menos interferência dos “donos do Mundo”. Um avanço importante para diminuir as formas de opressão engendradas pelos que desprezaram todas as regras que regiam a pactuação no comércio internacional.

Estão todos atônitos. Não se tem confiança em nenhuma iniciativa. As procuras de alternativas concretas se mostram ainda tênues. O mundo que se configura está turvo.

As quedas de braço não garantem caminhos seguros. As Bolsas despencam, o dólar fica mais caro, os países têm suas crises particulares. Nesse caminho em que todos perdem apenas uma certeza. Configura-se um novo modelo em que as premissas da globalização, do livre comércio, da busca de integração dos países são fortemente abaladas. Uma crise será enfrentada, com certeza, na busca de um novo arranjo institucional em nível mundial.

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Editorial do Vermelho: “Tarifaço” de Trump eleva tensões econômicas e geopolíticas https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/editorial-do-vermelho.html 

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