E nem precisou dos comunistas! Trump
está afundando os EUA sozinho
Cláudio Carraly*
Cláudio Carraly*
Em um discurso incisivo que ecoou como um alerta sobre os rumos da política econômica dos Estados Unidos, Jeffrey Sachs, renomado economista liberal e diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia, desmontou as justificativas por trás das tarifas comerciais impostas pelo governo Trump, classificando-as como "falaciosas", "infantis" e potencialmente catastróficas para os padrões de vida dos estadunidenses e para o conjunto da economia global.
Em uma análise detalhada, Sachs argumentou que a narrativa de "roubo" por parte de outros países, repetida com insistência por Donald Trump e sua camarilha, máscara um problema estrutural muito mais profundo: A irresponsabilidade fiscal crônica de Washington. Essa, segundo ele, é alimentada por gastos militares de scontrolados por décadas a fio, a falta de lógica nos contumazes cortes de impostos para os mais ricos e uma cultura política que ele define, sem rodeios, como "gangsterismo corrupto e plutocrático".
Sachs inicia sua crítica desconstruindo o déficit em conta corrente dos EUA, que atingiu valores superiores a 1 trilhão de dólares em 2023. Para ele, a ideia de que esse déficit resulta da explicação simplista de que "países que roubam os EUA", como uma retórica central de Trump, não apenas é falsa, como revela uma incompreensão fundamental dos princípios mais básicos da macroeconomia, outros economistas coadunam essas críticas e ainda falam em falta de conhecimento histórico, dissociação cognitiva, quando não a simples e total idiotice mesmo.
Ter um déficit em conta corrente significa, literalmente, que os EUA gastam mais do que produzem, Isso ocorre porque a taxa de poupança americana é baixíssima, o governo opera com déficits orçamentários monumentais, e o país vive no crédito e na necessidade de um consumo crescente e irrefreado. O econ omista traça um paralelo direto entre os gastos federais insustentáveis e o desequilíbrio comercial, o déficit orçamentário do governo, que ultrapassou US$ 1,7 trilhão em 2023, é financiado por empréstimos internacionais, como a venda de títulos da dívida do país, uma engrenagem que pressiona o valor do dólar, barateia as importações e desequilibra a balança comercial.
Enquanto Washington continuar gastando trilhões na máquina de guerra e sua indústria armamentista, em subsídios a aliados de ocasião, em 800 bases militares ao redor do mundo e em cortes de impostos para os mais ricos em território local, esse buraco do déficit comercial persistirá, pior se ampliará, até a inevitável implosão, Trump culpa a China, México ou Alemanha, mas o problema está no espelho. Essa frase, quando isolada, ganha ainda mais força. Ela simboliza o âmago da crítica: A exportação da culpa para encobrir um desgoverno fiscal interno e crescente.
Sachs não poupa críticas ao que chama de complexo militar-industrial desgovernado, que consome mais de US$ 1 trilhão anualmente. Isso inclui guerras prolongadas no Oriente Médio, manutenção de uma rede de bases militares globais e contratos bilionários com empresas privadas de defesa. “Somos uma naç&at ilde;o que gasta como se estivéssemos em guerra permanente, mas cobrimos esses custos com dívida, não com impostos.” E não é por acaso a beligerância estadunidense, para manter os números absurdos gastos desse complexo militar do país, guerras têm que ser inventadas, promovidas ou apoiadas.
Paralelamente, ele denuncia a erosão da arrecadação provocada pela evasão fiscal dos ultra-ricos, facilitada por uma Receita Federal – IRS, propositalmente enfraquecida por cortes de orçamento, é um sistema projetado para transferir riqueza para o topo, enquanto o resto da população paga a conta desta festa. Um dos exemplos mais simbólicos desse desequilíbrio é o pacote de cortes de impostos de 2017, aprovado sob o primeiro governo Trump, que beneficiava majoritariamente grandes corporações e indivíduos de alta renda, esses cortes têm projeção de aumentar o déficit federal em 4 trilhões de dólares até o final dessa década, segundo o Congressional Budget Office – CBO. “Trump quer tornar esses cortes permanentes, o que só agravará o buraco fiscal, é um ciclo perverso, corta-se impostos para os ricos, gera-se déficits, culpa-se outros países pelo desequilíbrio comercial e, em seguida, impõem-se tarifas que prejudicam justamente os trabalhadores que ele prometeu proteger”.
O economista é categórico ao definir tarifas como "impostos sobre os consumidores". Quando se aumentam os custos de produtos importados, como automóveis e eletrônicos, transfere-se a conta diretamente para o cidadão comum. Ele ilustra: “Suponha que você compre um carro japonês por 30 mil. Com uma tarif a de 25%, o preço salta para 37,5 mil. Se optar por um carro nacional, pagará 35 mil por um modelo similar, que na verdade é muito mais caro que antes da tarifa, pois as montadoras aproveitam a redução da concorrência para elevar preços e aumentar suas margens de lucro.” Um exemplo simples, mas eficaz, se dá na necessidade da indústria americana pelas peças estrangeiras em suas linhas de montagem. Seus custos logicamente vão se elevar, isso prejudica a competitividade externa dos seus veículos, reduzindo obviamente as exportações, resultando em menos opções para o consumidor dentro e fora dos Estados Unidos, e resultando em uma subida geral dos preços do produto “automóvel” no mundo.
O resultado é previsível, o consumidor paga mais, mesmo quando compra produtos nacionais, ao reduzir a concorrência, as tarifas enfraquecem o incentivo à eficiência e à inovação, além disso, o protecionismo tarifário logicamente vai desencadear retaliações. Em 2018, após os E UA imporem tarifas ao aço e alumínio, a China respondeu com barreiras a produtos agrícolas americanos, atingindo em cheio os produtores. O governo teve de intervir, gastando 28 bilhões de dólares em subsídios, recursos oriundos, claro, dos próprios contribuintes, elevando ainda mais a dívida do país. “É um tiro no pé: o estado gasta mais para remediar os danos de uma política que supostamente deveria ajudar a economia e só a piora”.
A promessa de que tarifas vão reduzir o déficit comercial ignora um princípio elementar, o comércio internacional é bilateral, mas os efeitos fiscais são sistêmicos. Se os EUA importam menos da China, também exportarão menos para lá, já que os chineses terão menos dólares, b em como interesse político para comprar os produtos. A estrutura do déficit comercial não muda de país, ela contamina outros, sua causa raiz permanece, assim essa política fiscal expansionista e insustentável cria um desequilíbrio global contínuo, endividando a médio e longo prazo muitos outros países.
Sachs não se limita à crítica econômica, ele também questiona o processo institucional pelo qual as tarifas são impostas. A Constituição dos EUA confere ao Congresso o poder de legislar sobre impostos, no entanto, Trump frequentemente contorna o legislativo, invocando razões de segurança naciona l para impor tarifas unilateralmente, a autoridade fiscal está sendo usurpada por uma figura executiva que se comporta como um monarca absolutista. Essa prática fere os princípios básicos da democracia representativa e escancara a fragilidade institucional diante de lideranças populistas, e demonstra ao mundo que os EUA estão perigosamente na direção e com bastante velocidade de destruir por dentro sua democracia.
Ao desmontar a retórica protecionista de Donald Trump, Sachs nos força a olhar para os desequilíbrios internos que alimentam as vulnerabilidades externas dos Estados Unidos. O déficit comercial não é a causa, ele é o efeito visível de uma política fiscal descontrolada, de uma estrutura tribut&aa cute;ria regressiva e de uma cultura política que prioriza o poder sobre a responsabilidade. Ao culpar países estrangeiros, o discurso populista desvia a atenção dos verdadeiros culpados, que são décadas de decisões fiscais equivocadas, sustentadas por lobbies corporativos e elites econômicas e militares que moldam as regras em benefício próprio.
As tarifas, longe de oferecerem proteção real, funcionam como uma cortina de fumaça, uma forma de projetar culpa e acabam por punir os mais vulneráveis. Elas sacrificam os consumidores, encarecem a vida cotidiana e perpetuam o ciclo vicioso de dívida, desigualdade e ineficiência econômica. No fim das contas, o que o economista Jeffrey Sachs, que nada tem de esquerdista, é a denúncia do espelho quebrado que é a governança estadunidense, onde o reflexo da verdade está distorcido por interesses e ilusões, e onde o custo da negação é pago por todos, mas piorou de uma forma aparentemente simples, a volta ao poder da extrema-direita americana, referendado maciçamente pelo voto popular.
*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco.
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