Consequências econômicas do tarifaço de Trump
Especialistas alertam para
inflação, recessão e guerra comercial global como possíveis efeitos do novo
pacote tarifário imposto por Trump a parceiros comerciais
Luis Antônio Paulino/Vermelho
No último dia
02 de abril, nos jardins da Casa Branca, diante de uma restrita plateia de
apoiadores e da imprensa, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump,
anunciou as tão aguardadas tarifas recíprocas que vinha prometendo colocar em
prática contra todos os países do mundo, depois de haver tomado uma série de
medidas protecionistas visando alguns setores econômicos específicos, como aço,
alumínio e automóveis, e alguns países, inclusive contra o México e o Canadá,
que têm com os EUA um acordo de livre comércio, além da China.
Com uma enorme
tabela na mão na qual constava na primeira coluna a lista de países, na segunda
coluna a tarifa média que, segundo Trump, cada país aplica sobre as exportações
norte-americanas e na terceira coluna a tarifa recíproca que os Estados Unidos
irão aplicar a cada país, a partir de abril, Trump anunciou a maior investida
protecionista dos Estados Unidos dos últimos 100 anos.
Antes de
avaliarmos as possíveis consequências econômicas desse aumento generalizado de
tarifa em relação aos cerca de 180 países que fazem comércio com os Estados
Unidos, é importante destacar que o cálculo da tarifa média aplicada por cada
país às exportações norte-americanas que consta na tabela apresentada por Trump
não tem absolutamente nada a ver com as tarifas realmente aplicadas que sequer
foram utilizadas para o cálculo da tal tarifa recíproca. Na verdade, trata-se
de uma meta de superávit em relação a cada parceiro comercial. A título de
exemplo, tomemos o caso da China: o déficit comercial dos Estados Unidos com a
China em 2024 foi de US$ 295,4 bilhões, e os Estados Unidos importaram US$
439,9 bilhões em produtos chineses. Isso significa que o superávit comercial da
China com os Estados Unidos foi de 67% do valor de suas exportações — um valor
que o governo Trump rotulou como “tarifa cobrada dos EUA”, mas que não tem nada
a ver com as tarifas cobradas pelos parceiros comerciais dos Estados Unidos.
São alíquotas aleatórias, arbitrárias e extorsivas.
Se tomarmos,
por exemplo, os cálculos realizados pelo site “Visual Capitalist”[1] ,
utilizando como base o conceito de tarifa para nação mais-favorecida, que são
as tarifas normais não discriminatórias cobradas sobre as importações de
qualquer país que não faça parte de alguma área de livre comércio, união
aduaneira ou mercado comum (exclui tarifas preferenciais ao abrigo de acordos
de comércio livre e outros regimes ou tarifas cobradas dentro de quotas),
podemos constatar, como se verifica no quadro abaixo, que as tarifas efetivamente
cobradas por esses países às importações norte-americanas são muito inferiores
àquelas mostradas na tabela que Donald Trump exibiu no jardins da Casa Branca.
No caso do
Brasil, por exemplo, a tarifa efetivamente cobrada das importações dos Estados
Unidos é de 6,7%, enquanto na tabela de Trump a tarifa cobrada pelo Brasil dos
Estados Unidos é de 10%. O caso mais gritante é o da China. Enquanto na tabela
de Trump consta que a tarifa cobrada pela China para as exportações
norte-americanas é de 67%, na verdade, a tarifa efetivamente cobrada pela China
das importações que ela realizou de fato dos Estados Unidos é de apenas 3%. Ou
seja, quando se comparam as duas tabelas, não há nenhum país cujas tarifas
cobradas das importações dos Estados Unidos se aproxime remotamente dos valores
apresentados pelo Presidente Donald Trump. Poderia se alegar que essas tarifas
efetivamente cobradas dos Estados Unidos são baixas porque os países não
importam dos Estados Unidos produtos sobre os quais estabelecem tarifas mais ele
vadas. Isso é verdade, mas o fato de certos países não importarem certos
produtos dos Estados Unidos não tem a ver apenas com tarifas. O exemplo usado
por Trump durante a apresentação de que há milhares de Toyota circulando nos
Estados Unidos, mas não se vê as SUVs da GM circulando no Japão não tem nada a
ver com tarifas, mas com preferências dos consumidores japoneses por carros
pequenos em um país onde não há lugar para estacionar. O mesmo acontece na
Europa.
Indo agora à
questão das consequências econômicas do tarifaço, é necessário separar o que
poderiam ser as consequências internas das novas tarifas, ou seja, seu impacto
na própria economia norte-americana, e as consequências externas, ou seja, suas
consequências para o resto do mundo.
Começando pelas
consequências internas, é preciso considerar em primeiro lugar que como o
Presidente Trump afirmou, as tarifas funcionam. Se tomarmos como referência a
história econômica de todas as nações hoje apontadas como desenvolvidas, não há
absolutamente nenhuma, incluída a Inglaterra, o berço da Primeira Revolução
Industrial, que não tenham recorrido a práticas protecionistas para promover
sua própria industrialização.
O historiador
econômico da Universidade de Genebra, Paul Bairoch, ao analisar as diversas
fases do desenvolvimento dos Estados Unidos no século XIX afirma que “os
melhores vinte anos de crescimento dos Estados Unidos [1890-1910] foram,
portanto, aqueles do período protecionista, enquanto as principais correntes
econômicas dos Estados Unidos seguiam uma política liberal”[2] .
Bairoch
considera que os Estados Unidos foram “a pátria-mãe e o baluarte do
protecionismo moderno”. Na verdade, naquele período, como constata o
historiador, os EUA foram a economia que mais cresceu no mundo. Há-Joon Chang,
autor do clássico “Chutando a Escada”, no longo capítulo dedicado à história
econômica dos Estados Unidos também enfatiza o fato de exceto curtos
interlúdios liberais (1913/1929) e o período pós-Segunda Guerra, “Os Estados-Unidos
nunca praticaram o livre-comércio no mesmo grau que a Grã-Bretanha em seu
período livre-cambista (de 1860 a 1932). Nunca tiveram um regime de tarifa
zero, como o Reino Unido, e eram muito agressivos no uso de medidas de
protecionismo “oculto”[3].
Para Wolfang
Munchau, diretor da consultoria EuroIntelligence, “Politicamente, essas tarifas
funcionarão para Trump. Fabricantes estrangeiros já estão declarando que
aumentarão os investimentos nos EUA. Os antigos empregos na indústria não
retornarão, mas novos serão criados. Há, no entanto, um sério risco de uma
recessão nos EUA este ano se Trump não conseguir fazer suas políticas fiscais
passarem pelo Congresso. Os republicanos podem perder as eleições de meio de
mandato. Mas se o objetivo é aumentar as receitas externas, reduzir o déficit
orçamentário e repatriar a indústria, essas tarifas funcionarão — desde que se
lembre de que não podem fazer tudo ao mesmo tempo”.
Ou seja, há uma
grande diferença entre os efeitos que as tarifas podem ter no longo prazo – a
reindustrialização do país – e efeitos imediatos. No curto prazo, uma
consequência provável será a elevação interna dos preços, ou seja, inflação, e
a redução no crescimento, ou seja, recessão. Essas consequências imediatas
negativas devem ocorrer por diversas razões. Entre uma empresa anunciar a
intenção de transferir suas operações industriais para os Estados Unidos e o
início efetivo das operações locais há um intervalo que no caso de grandes
instalações industriais certamente não é menor que dois anos. Nesse interim, o
mercado será abastecido por importações que estarão fortemente sobretaxadas e
cujo preço, portanto, estará acr escido das taxas de importação que, com uma ou
outra exceção, será transferido para o consumidor final. O aumento de preços,
por sua vez, provocará, queda no consumo e, consequentemente, redução da
atividade econômica, ou seja, recessão. No Brasil já vimos esse fenômeno: a
estaginflanção.
Se uma das
principais causas de Biden ter perdido a eleição para Trump, em 2024, apesar do
crescimento da economia, foram os aumentos de preços, inflação mais recessão,
que poderiam ser fatais para Trump nas eleições de meio-termo do próximo ano,
correndo o risco de levar à perda da maioria em uma das duas casas
legislativas. Acrescente-se a isso que a verdadeira caçada aos imigrantes que a
administração Trump está realizando já pesa em alguns setores econômicos
importantes como a construção civil, cujos custos estão subindo devido à falta
de mão de obra.
Os aumentos de
tarifas também provocarão retaliação de outros países, desvio de comércio e
queda nas exportações dos Estados Unidos. Embora como grande economia
continental as exportações dos Estados não sejam tão significativas na formação
do PIB como o consumo e o investimento internos, muitos setores da economia,
como a agricultura e o setor de serviços dependem fortemente da demanda
internacional. Ao lado da queda no consumo interno, uma redução das exportações
pode agravar uma eventual recessão econômica. Concluindo: do ponto de vista
interno, no curto, médio e longo prazos, o plano de Trump de reindustrializar o
país lançando mão de tarifas de importação elevadas poderia funcionar, mas o
custo econômico e político imediatos dessa opção poderia ser politicamente in
sustentável. Não por outra razão, Trump mudou seu discurso e agora está dizendo
para os americanos serem firmes, suportarem as consequências negativas
imediatas que a recompensa só virá mais adiante.
É preciso
considerar, contudo, que diferentemente do século 19 ou mesmo grande parte do
século 20, nenhum país produz algum produto totalmente dentro de suas
fronteiras ou nas instalações industriais de uma única empresa. O que existe
hoje são ecossistemas produtivos que têm uma geometria e uma geografia variável
dependendo de cada produto. Mesmo que o processo de globalização produtiva seja
parcialmente interrompido pelo retorno do protecionismo e até por uma guerra
comercial, ainda assim, não há como fazer a roda da história girar para trás. O
exemplo frequentemente citado é o caso do Iphone da Apple. Embora os Estados
Unidos fiquem com a maior parte do valor agregado ao produto nas diversas fases
de produção, não há efetivamente nenhum país no mundo, inclusive os Estados
Unidos, que possam fabricar um Iphone isoladamente .
Nesse sentido,
uma política tarifária agressiva, como a que está se desenhando pode prejudicar
as próprias empresas norte-americanas se não puderem internalizar todas as
fases de produção de seus produtos ou não encontrarem fornecedores locais para
os milhares de insumos que precisam adquirir para montar seus produtos finais.
Uma empresa é um organismo vivo que está o tempo todo realizando trocas com o
ambiente externo, seja nacional ou internacional. Ela pode internalizar certas
fases de seu processo produtivo desde que os custos de transação, aumentados
pelas tarifas, sejam maiores do que os custos de produzir internamente. Mas nem
sempre isso é possível e, sem essas trocas ou com as trocas dificultadas com
seu ambiente externo, elas podem simplesmente morrer. Não foi por outra razão
que o CEO da Ford afirmou que as tarifas de Trump iriam provocar um rombo na
ind&uacut e;stria automobilística norte-americana.
Finalmente,
seria imprudente prever as consequências internas e, principalmente, externas
do tarifaço de Trump sem saber como os outros países irão reagir. Caso haja uma
tendência de acomodação às novas tarifas as consequências seriam umas, mas caso
os países mais atingidos – leia-se principalmente China e União Europeia –
revidem na mesma altura, há um grande risco de ser deflagrada uma guerra
comercial que poderia ter consequências imprevisíveis para a economia mundial.
Aparentemente, a intenção de Trump, ao promover o tarifaço é forçar cada país
afetado a sentar-se com os negociadores norte-americanos em posição defensiva,
oferecendo ganhos líquidos para os Estados Unidos. O problema é que na visão de
Trump não há negociações em que os dois lados ganhem. Para ele é ; sempre um
jogo de soma zero no qual um ganha e o outro perde e o perdedor nunca pode ser
ele. Negociar a partir dessa perspectiva com parceiros comerciais fracos pode
até funcionar. Mas negociar com parceiros comerciais fortes como China e União
Europeia partindo do princípio de que só há um resultado possível, ou seja, os
Estados Unidos ganham e o parceiro perde, pode ser bem mais complicado. O
risco, enfim, desse tarifaço de Trump provocar uma guerra comercial
generalizada no mundo, podendo levar a uma recessão global não é desprezível.
Analistas econômico respeitados e editoriais dos principais jornais e revistas
econômicas do mundo já dão uma recessão global como favas contadas.
[1] https://www.voronoiapp.com/
[2] BAIROCH,
Paul. Mythes et Paradoxes de l’histoire économique. Paris: La Découvert/Poche,
1999. P. 78
[3] CHANG,
Há-Joon. Chutando a Escada. A Estratégia de Desenvolvimento em Perspectiva
Histórica. São Paulo: Editora Unesp, 2003,p. 58
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Leia: Efeito bumerangue faz Trump recuar
com “tarifaço”
https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/tarifas-de-trump-idas-e-vindas.html
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