12 abril 2025

Thiago Modenesi opina

Tinta Vermelha no Caderno Histórico do Brasil
Autores que fizeram da palavra um ato político, escrevendo com sangue e sonho as dores e esperanças de um Brasil ainda em busca de justiça.
Thiago Modenesi/Vermelho

Na História da nossa literatura brasileira, alguns nomes marcaram sua escrita com as letras do protesto. Foram autores que carregavam o comunismo não só como uma bandeira, mas também como sua ferida: uma forma de nomear a dor de um país que mal cabia em si mesmo. Comunistas, artistas, escritores que retrataram um Brasil multifacetado e profundo.

Jorge Amado foi o cronista dos excluídos. Nos becos da Bahia ele ouviu histórias de meninos que roubavam para comer e mulheres que dançavam para sobreviver. Filho do cacau e do PCB (Partido Comunista do Brasil), transformou a literatura em trincheira. Em Suor, descreveu cortiços onde a pobreza escorria pelas paredes. Foi preso, exilado, mas jamais deixou de acreditar que as palavras podiam mudar o rumo de um país. “Escrevo para os que não têm voz”, dizia, enquanto o governo perseguia e rasgava seus livros.

Graciliano Ramos descobriu o comunismo na cela úmida de uma prisão. Ali, entre os ratos e a solidão, entendeu que a maior tragédia não era simplesmente a falta de água no sertão, mas sim a falta de humanidade nos homens. Em São Bernardo, o protagonista Paulo Honório é a caricatura do capitalismo voraz, que devora até o próprio coração. Graciliano não fazia grandes discursos: suas frases eram curtas, como facas, cortavam a hipocrisia de um Brasil que vestia paletó sobre suas feridas abertas.

Oswald de Andrade trouxe o comunismo para a brincadeira séria do Modernismo. Depois de escandalizar a elite com a antropofagia, resolveu mastigar também as injustiças. Em O Rei da Vela, colocou o capitalismo no palco, nu e ridículo. Seus versos eram tiros de festim: divertiam, mas feriam. “A burguesia tem medo de sangue? Então vamos sujar a poesia com ele”, desafiava, enquanto as elites da época torciam o nariz para a novidade.

Carlos Drummond de Andrade nunca se filiou ao Partido Comunista. Mas em A Rosa do Povo, sua poesia vestiu o macacão do operário. Escreveu sobre greves, amores impossíveis e a esperança teimosa que brota no asfalto rachado. “O mundo é grande, mas cabe na janela de um quarto pobre”, sugeriu, recusando-se a ser o trovador de um Brasil que fingia (e segue fingindo?) não ver os seus filhos e filhas famintos.

Esses escritores não queriam santificar o comunismo, queriam sim usá-lo para trazer a nu o Brasil real. Sabiam que a literatura, por si só, não derruba ditaduras ou alimenta os famintos. Mas acreditavam que, também sem ela, a revolução seria um grito no escuro. Por isso, misturavam arte e política como quem mistura café e indignação: resulta em uma bebida amarga, mas que mantém acordado quem precisa lutar.

Hoje, suas obras são livros prestigiados na estante, mas também funcionam como espelhos. Refletem um país que ainda hoje repete velhas opressões com novos nomes. Quando um menino morre na favela, é o grito de Jorge Amado que escutamos nas entrelinhas. Quando um trabalhador é humilhado, Graciliano Ramos cerra seus punhos de papel e tinta. E quando a esperança ainda parece uma miragem, Carlos Drummond de Andrade nos sussurra: “Há uma rosa feita de povo. E ela não murcha.”

Afinal, como dizia Oswald de Andrade, o Brasil ainda é um rascunho. E esses autores nos lembraram (e seguem lembrando) que, nas margens do caderno da história, sempre cabe uma correção. Em tom vermelho, de preferência.

Leia: Aos que aqui estiverem, boa sorte! https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/minha-opiniao_9.html

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