Sem aliados, Trump recua diante de retaliação da
China
Presidente
dos EUA vê potência asiática se apresentar como polo da guerra tarifária,
abaixa o topete, e tenta angariar apoio para enfrentá-la
Marcos Augusto
Gonçalves/Folha de S. Paulo
Em sua insana guerra tarifária, Donald Trump conseguiu a façanha de colocar o mundo contra os EUA. A cada dia colheu mais tempestade. Convicto de que o poderio econômico e militar de seu país permitiria usar a intimidação comercial como uma espécie de arsenal nuclear tático, o presidente americano bombardeou o pacto liberal e multilateral do Ocidente, perdeu suas alianças tradicionais na Europa e na Ásia e vê-se agora diante de uma escalada contra a China que, ao que tudo indica, não estava em seus planos iniciais.
Trump
destruiu o mundo do pós-Guerra e não colocou nada no lugar. Os sinais são de
que o lunático populista e seu estafe delirante sabiam que o tarifaço poderia
ser uma arma utilizada em favor dos EUA, mas não exatamente quais seriam seus
efeitos reais e não exatamente como lidariam com situações inesperadas.
Como
não existe um cenário duradouro de "nada no lugar", é possível
imaginar que o caos instaurado pelo governo americano colocasse Xi Jinping
diante da perspectiva de consolidar a inauguração do século chinês, já mais do
que anunciado, na história global.
A
ameaça do secretário do Tesouro Scott Bessent (quem se aliar à China estará "cavando sua própria
cova") pareceu mais um indício de temor do que de segurança. O
presidente americano já havia piscado quando disse que a China "entrou em
pânico" ao responder às primeiras barreiras por ele impostas.
Vendo-se alvo de retaliação,
dobrou a aposta e lançou um ultimato que não funcionou. A superpotência
asiática não recuou e apresentou-se como o polo
de resistência da guerra comercial.
Se
a ideia de poupar a Rússia reduziu o potencial da contraofensiva global, o fato
é que Putin não correrá jamais em auxílio da insensatez americana. Putin e Xi
têm um grande acordo de aliança estratégica, e o inimigo potencial é o
Ocidente, em última instância controlado pela América.
Por
mais que a Europa possa se armar e passar a exercer um novo papel na
geopolítica mundial, isso não vai acontecer de uma hora para outra. Para peitar
a China de maneira mais eficaz, os EUA poderiam contar, numa situação
"normal", com o apoio da UE, Japão e Coreia do Sul. Com o tarifaço,
isso tornou-se impossível. Trump então foi obrigado a recuar nesta quarta sob
pressão da China.
Com
a retirada de tarifas "recíprocas", tenta angariar algum apoio para
se concentrar na polarização com os chineses. Sua estratégia deu errado. Teve
que abaixar o topete. Mostrou fraqueza e falta de rumo. Além das alianças e do
arcabouço institucional que administravam conflitos do mundo globalizado, Trump
jogou no lixo a previsibilidade e credibilidade de seu país como referência
internacional. A fuga de títulos do Tesouro
dos EUA, porto seguro, começou a se insinuar, num quadro de anarquia
nos mercados. O próprio establishment econômico passou a pressionar.
Com
o alívio de 90 dias, ganha-se tempo, mas não se sabe como o furacão poderá
evoluir para a calmaria.
O
quadro de incertezas inspira muita apreensão. Mesmo a possibilidade de que o
caos acabe gerando ameaças militares, embora improvável, não pode ser
descartada. Estamos vivendo um momento histórico crítico, um daqueles que
estarão com destaque nos livros escolares do futuro —esperemos que tenhamos
ambos.
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