24 novembro 2025

Dilermando Toni:130 anos sem Engels

Engels, um curto registro
Dilermando Toni 

Neste 2025 completam-se 130 anos que o coração de Friedrich Engels parou de bater. Aquele que “a seguir seu amigo Karl Marx, foi o mais notável sábio e mestre do proletariado contemporâneo em todo o mundo civilizado” pelas palavras de Lênin.

Fui relembrado para a efeméride, ainda em tempo para uma singela homenagem, pois a data exata do fato foi 5 de Agosto, manuseando o Resumo de O Capital, agora publicado pela primeira vez em português pela Boitempo. A esse trabalho, dedicado à introdução ao estudo e à difusão do livro I da obra prima de Marx, só se tinha acesso em espanhol, em uma publicação da Grijalbo mexicana, de 1962, como parte da coletânea Escritos Econômicos Varios de Carlos Marx e Federico Engels.

As contribuições de Engels são imensas. Ele foi decisivo para explicar, por exemplo, o caráter socialismo científico, como resultado necessário do desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo. Sua conhecida obra Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, parte do Anti-Düring, publicada há quase 150 anos, navega exatamente neste terreno.

Deveria ser motivo de estudo obrigatório para todas as pessoas empenhadas na superação do capitalismo que, não poucas vezes, desistem frente as primeiras dificuldades impostas  pela luta à qual aderiram pelo impulso da emoção, pelo inconformismo diante do sofrimento dos explorados e não chegaram a entender em profundidade, historicamente, dialeticamente – vale dizer cientificamente – o desenvolvimento da sociedade humana.

Os conhecimentos históricos de Engels esbarrotam chocantemente quando ele manejando com maestria a dialética, com uma didática  excepcional, desvenda os fundamentos histórico-estruturais de categorias sociais, econômicas e políticas tão importantes como em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Trabalho fundamental para a elevação do nível de consciência daqueles que se dedicam à luta pelo socialismo. A leitura deste livro, décadas atrás, transportou-me até o Conto de Canário de Machado de Assis, que fala da satisfação do pássaro quando provou o gosto da liberdade fora da gaiola. Ou seja, da visão crítica que pude adquirir da esmagadora ideologia da burguesia.

Na abalizada opinião de Clara Araújo, “A análise de Engels retirou o gênero da camisa de força da biologia e situou as razões das desigualdades entre homens e mulheres fora dos destinos inscritos nos corpos. Revelou, também, os elos entre a estrutura de classes, a opressão de gênero e o papel do casamento e da autoridade masculina na tessitura dessa teia de subordinação, controle da reprodução biológica, dos bens econômicos e da propriedade privada.” Assim, pode-se concluir que a obra de Engels é uma arma afiada na luta contra o identitarismo que campeia nos meios de esquerda.

Penso que, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra de 1844, um dos primeiros escritos de Engels, ganha uma importância particular na presente situação em que a vanguarda revolucionária vem se afastando gradativamente das bases de trabalhadores, exagerando a importância da atividade institucional, eleitoral-parlamentar, com a ilusão de que ocupar tantos espaços institucionais quantos seja possível vai por si só impulsionar as mudanças revolucionárias.

Aí foi onde Engels disse que “o conhecimento das condições de vida do proletariado é uma necessidade absoluta se quisermos assegurar uma base sólida às teorias socialistas bem como aos juízos sobre a sua legitimidade, acabar com todas as divagações e fábulas pro e contra.” Engels se debruçou com todo o vigor sobre os efeitos que o advento da grande indústria mecanizada trouxe para seu inexorável produto: a classe operária. Escreveu Engels que “a grande indústria só adquiriu importância no dia em que transformou os utensílios em máquinas, as oficinas em fábricas e, desse modo, a classe trabalhadora média em proletariado operário, e os negociantes de outrora em industriais ...”

Para escrever esse livro Engels não se limitou a ficar no escritório da empresa em que era empregado e seu pai um dos donos. Foi a campo, “percorreu os bairros sórdidos em que viviam os operários e viu com os próprios olhos a miséria e os males que os afligiam”. Mas não se limitou a isso, leu tudo o que se havia escrito sobre o tema. Isso permitiu nas palavras de Lênin que “Engels fosse o primeiro a declarar que o proletariado não é só uma classe que sofre, mas que a miserável situação econômica em que se encontra empurra-o irresistivelmente para a frente e obriga-o a lutar pela sua emancipação definitiva ... o movimento político da classe operária levará, inevitavelmente, os operários à consciência de que não há para eles outra saída senão o socialismo. Por seu lado, o socialismo só será uma força quando se tornar o objetivo da luta política da classe operária”.

Muitos poucos sabem que Engels, além de intelectual brilhante foi também um homem de ação. Dedicou-se à organização dos trabalhadores naquela experiência que passou a história como II Internacional. Participou pessoalmente de conflitos armados na Europa. Ele lutou nas fileiras do exército revolucionário durante o Levante de Baden, sua terra natal, e do Palatinado em 1849, parte das Revoluções de 1848. Além dessa experiência prática, Engels foi um proeminente teórico militar, tendo publicado vasto material sobre as táticas, estratégias e história militar, assim como sobre a influência do desenvolvimento da ciência e da tecnologia sobre os armamentos e as guerras. Ele tratou desse tema no Anti-Düring, também. Assunto por demais atual, registro.

Por último, gostaria de destacar que sempre me impressionou muito a profunda amizade, a intensa cooperação, a desinteressada camaradagem existente entre Engels e Marx. Ela teve início em 1844 e durou ininterruptamente até1883, quando Marx faleceu. Quase 40 anos! Ela se expressou inúmeras vezes quando, por exemplo, elaboraram o Manifesto do Partido Comunista ou quando Engels desenvolveu um enorme trabalho para redigir e publicar os tomos II e III de O Capital, após a morte de Marx.

Recorro mais uma vez a Lênin que escreveu sobre esse aspecto tão exemplar: “As lendas da Antiguidade contam exemplos comoventes de amizade. O proletariado da Europa pode dizer que a sua ciência foi criada por dois sábios, dois lutadores, cuja amizade ultrapassa tudo o que de mais comovente oferecem as lendas dos antigos. Engels, em geral com toda a razão, sempre se apagou diante de Marx. ‘Ao lado de Marx, escreveu ele a um velho amigo, fui sempre o segundo violino’. O seu carinho por Marx enquanto ele viveu e sua veneração à memória do amigo morto foram ilimitados. Este militante austero e pensador rigoroso tinha uma alma profundamente afetuosa”.

Lênin escreveu essas palavras no mesmo ano em que Engels faleceu. Mas não seria impróprio se terminássemos essa breve homenagem, 130 anos depois repetíndo com ele: “A memória de Friedrich Engels, grande combatente e mestre do proletariado, viverá eternamente!”

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