O clima das cidades,
as cidades para o clima
A COP30 talvez marque uma fase de maturidade ao encaminhar o debate do
“quanto” para o “como” agenciar a transição ecológica global
A COP30 em Belém nasceu sob a bandeira da contradição: uma cúpula dedicada ao futuro do planeta em uma cidade que, à semelhança da maioria das cidades brasileiras, ainda enfrenta desafios relacionados à pobreza e à desigualdade.
Dez
anos após o histórico Acordo de Paris, os mais de 190 signatários são chamados
a realizar um balanço das promessas cumpridas e a traduzir esses compromissos
em ações concretas. Entre ambições não concretizadas e novas oportunidades de
investimento sustentável, a COP30 talvez marque uma fase de maturidade ao
encaminhar o debate do “quanto” para o “como” agenciar a transição ecológica
global.
É
sabido que a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais constitui hoje
uma questão reconhecida e consolidada em diversos contextos institucionais.
Regulamentações e instrumentos de controle e intervenção já estão claramente
definidos, com o objetivo de fortalecer ações voltadas a fomentar os processos
e dinâmicas de uma verdadeira transição ecológica.
Essa
ação, contudo, tornou-se necessária devido à conexão que a modernização
industrial havia estabelecido – e que parecia insolúvel – entre o uso dos
recursos naturais e ambientais e a dinâmica do desenvolvimento econômico,
caracterizado essencialmente pela busca de aumento do valor intermediário e
final do capital investido na transformação, consumo e destruição desses
recursos.
Como
se pode observar, é necessária uma verdadeira mudança de paradigma, com uma
alteração fundamental no significado atribuído à palavra “desenvolvimento”. O
que não deve mais ser entendido apenas como crescimento quantitativo de fatores
derivados dos recursos específicos da produção de bens e serviços, mas como a
subordinação instrumental desses fatores à qualificação do capital histórico,
cultural e social de uma comunidade e de seus membros, ainda que marcada por
práticas e comportamentos distintos dos do passado.
O
desenvolvimento é, portanto, dotado de uma mobilidade e de uma dinâmica de
transformação que não eram contempladas em versões anteriores. Ele abrange
processos de transição que não implicam o consumo e a destruição de bens e
recursos – naturais e ambientais –, mas sua contínua regeneração, como condição
necessária à sustentação e multiplicação das formas de uso na vida social,
cultural e econômica de uma comunidade. A transição ecológica não é alheia à
dinâmica do desenvolvimento integral, mas produz efeitos e resultados que
reproduzem e disseminam a própria dimensão do desenvolvimento.
Hoje, os campos de análise voltados à avaliação de impacto das atividades humanas tornaram-se cada vez mais diversos. As interconexões entre os estilos de vida e seus efeitos sobre o território – ambiental, social e econômico – multiplicam-se e complexificam-se. Portanto, existem diversas maneiras de abordar o tema da sustentabilidade.
Uma tendência
emergente, resultante das transformações demográficas contemporâneas, é o
crescimento da população urbana – fenômeno que evidencia múltiplos aspectos da
sociedade, da vida comunitária e da relação da civilização humana com o meio
ambiente. Essas reflexões emergem quando se compreende que as áreas urbanas
constituem contextos onde a questão da sustentabilidade se torna predominante,
não apenas pelos riscos de insustentabilidade associados à exploração dos
recursos naturais, mas pela necessidade de orientar os assentamentos humanos
para formas mais integradas de desenvolvimento territorial.
As cidades não
são apenas lugares de moradia, mas verdadeiros organismos capazes de criar ou
destruir valor social, ambiental e econômico, dependendo de como o capital
territorial é integrado e utilizado para fins de regeneração. Esse conceito
torna-se ainda mais evidente quando se reconhece que cada assentamento urbano
representa concretamente as inter-relações que unem os atores do território e
seus projetos de sociedade e ambiente.
Vale destacar
que não apenas os lugares em que vivemos dependerão do nosso nível de
consciência sobre o vínculo indissolúvel que temos com eles, mas também que as
cidades, como espaços físicos e relacionais, só poderão se tornar centros de
criação de valor no curto, médio e longo prazos se forem reconhecidas como
sistemas vivos integrados, que unem dimensões diversas e complementares.
Esse
processo de evolução e crescente sincronia com os ciclos naturais e sociais
constitui talvez a mais importante transição cultural, ética e biológica, capaz
de sustentar o mundo “feliz” que almejamos.
De
que tipo de transição precisamos, então, em nossas cidades? Para responder a
essa questão, é necessário retomar o conceito de “integração”, que, no contexto
descrito, assume o papel de pilar fundamental de valores, orientando o caminho
rumo à concretização do pensamento sustentável.
No sistema
territorial integrado, aspectos econômicos, relacionais e simbólicos –
tangíveis e intangíveis – assumem papel central. A função da governança, nesse
contexto, é estabelecer um léxico comum e assegurar o curso evolutivo desses
ativos sob uma perspectiva sustentável, equilibrando os fatores que sustentam o
desenvolvimento territorial.
A
transição das cidades baseia-se, assim, em sua capacidade de transcender a
visão de curto prazo, promovendo modelos de vida voltados à posteridade. Tal
processo depende não apenas do bem-estar direto das pessoas, mas também do
cuidado e da harmonia do sistema ambiental e social como um todo. Um sistema
vivo funciona dessa maneira: sua sobrevivência depende do cuidado com todas as
dimensões que o compõem.
A
transição ecológica, contudo, não se resume à adaptação técnica ou institucional,
mas requer uma mudança cultural e social profunda. Ela implica uma passagem de
um contexto desequilibrado para outro, fundado na reconstrução de valores e
práticas voltadas à sustentabilidade coletiva. Assim, ao se buscar um novo
equilíbrio ambiental e social, deve-se reconhecer a inseparável conexão entre
os processos de empobrecimento social e os efeitos da pobreza energética.
O
problema da inadequação dessas ações, entretanto, persiste, em razão da frágil
conexão entre as políticas de limitação do consumo de recursos e os
comportamentos sociais de acesso a esses mesmos recursos. É necessário
compreender que a contemporaneidade testemunha não apenas o empobrecimento
energético, mas também o agravamento das desigualdades econômicas e sociais,
que reforçam a diferenciação nos padrões de consumo e nas práticas sociais.
Pode-se afirmar que o crescimento da pobreza social não favorece a redução da
pobreza energética; pelo contrário, amplifica seus efeitos, diversificando os
comportamentos de grupos e classes sociais no acesso e uso de recursos
energéticos.
A
gestão da transição ecológica, portanto, não depende apenas de novas técnicas
de organização e acesso a recursos, mas de estratégias que considerem as
interdependências emergentes entre as relações sociais e as dinâmicas de
exclusão. É possível, assim, identificar uma dimensão social da pobreza
energética e, simultaneamente, o papel dos fatores energéticos na
intensificação da pobreza social. Contudo, essa conexão raramente é reconhecida
nas políticas econômicas e energéticas, criando uma visão ilusória de que a
transição ecológica, por si só, reduziria as desigualdades sociais.
Se
a pobreza energética for entendida como a incapacidade de indivíduos ou
famílias de garantir uma cesta mínima de bens e serviços energéticos, suas
consequências são amplamente negativas para o bem-estar e a inclusão social.
Trata-se, portanto, de uma dimensão da transição ecológica que a aproxima e a
integra cada vez mais à transição social em curso nas sociedades
contemporâneas.
Adalberto da Silva Retto Jr é
professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), doutor pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e pelo Departamento de
História da Arquitetura e Urbanismo do Instituto Universitário de Arquitetura
de Veneza (2003) e professor-pesquisador visitante da Universitè Panthéon
Sorbonne Paris I (2011-2013).
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