O cheiro de golpe no México: alerta para regulação das redes sociais
O episódio expõe a necessidade premente das nações regularem o ambiente digital e combaterem os discursos de ódio, que se tornaram as armas prediletas para insuflar o caos político por atores internos e, sobretudo, externos
Thiago Modenesi/Vermelho
Os recentes protestos que eclodiram nas ruas do México contra a presidente Cláudia Sheinbaum, deixaram um rastro que vai muito além do descontentamento político. O cheiro de uma tentativa de desestabilização orquestrada, com claros ecos de golpe de Estado, paira no ar, servindo como um alerta global urgente.
Um mix perigoso se espraia pelas Américas e pelo mundo, com a ameaça, e com a interferência mesmo, dos Estados Unidos, maior potência militar do planeta, contra a Venezuela, Colômbia e agora o México. São claro os sinais de movimentações estimulando e potencializando a guerra de guerrilha pelas redes sociais.
O episódio mexicano expõe, de forma cristalina, a necessidade premente das nações regularem o ambiente digital e combaterem vigorosamente os discursos de ódio, que se tornaram as armas prediletas para insuflar o caos político por atores internos e, sobretudo, externos.
Análises preliminares de especialistas em segurança digital apontam para uma assinatura familiar: a utilização massiva de bots (robôs) e contas inautênticas para amplificar narrativas, disseminar desinformação em escala industrial e inflamar os ânimos da população. O alvo preferencial? A Geração Z, nativa digital, mas muitas vezes despreparada para navegar no mar de manipulação que as plataformas se tornaram.
As manifestações, que rapidamente adotaram um tom violento e destrutivo, não surgiram organicamente de um amplo e espontâneo movimento popular.
A estratégia é sinistra e eficaz. Através de algoritmos que privilegiam o engajamento, frequentemente impulsionado por conteúdo polarizante e de cunho emocional, redes como TikTok, X (antigo Twitter), WhatsApp, Instagram e Facebook tornam-se o palco ideal para a viralização de mentiras e teorias da conspiração. Jovens, que consomem informação predominantemente por essas vias, são bombardeados com narrativas distorcidas que pintam a ordem democrática estabelecida como inimiga, preparando o terreno para a ação nas ruas. Não se convence uma geração com argumentos complexos, mas sim com vídeos editados, memes tóxicos e ondas de ódio coordenadas.
O caso mexicano reserva peculiaridades, primeiro porque a presidente Cláudia Sheinbaum amealha uma aprovação de quase 80% nas pesquisas, inclusive seu governo reduziu a violência do país em mais de 30%. Além disso, o fenômeno do crime organizado é praticamente global, com grande força nas Américas, e tem sido elevado ao status de terrorismo por Trump para legitimar a interferência nos países, desrespeitando fronteiras. O assassinato de um prefeito se tornou o estopim para inflar as redes de dentro para fora do México, amparado também pelo apoio do dono da TV Azteca, Ricardo Salinas, lembrando em certa medida o movimento orquestrado no Brasil em junho de 2013 que levou ao fim a queda da presidenta Dilma.
O México não é um caso isolado. É a manifestação de um modus operandi que foi testado e implementado com sucesso em outras latitudes. A Malásia recentemente tornou-se um estudo de caso, onde campanhas de desinformação, supostamente ligadas a interesses geopolíticos rivais, alimentaram tensões raciais e religiosas para minar a estabilidade do governo. No Nepal, investigações revelaram como redes de bots e influenciadores pagos foram utilizados para desacreditar partidos políticos e incitar protestos violentos, em clara interferência estrangeira nos assuntos internos do país.
O paralelo com a situação mexicana é perturbador. Aparenta ser mais um capítulo do manual de guerra híbrida do século XXI, onde países não são invadidos por tanques, mas sim por bytes. O objetivo é claro, fragilizar a soberania nacional, deslegitimar líderes eleitos democraticamente e criar um cenário de ingovernabilidade que beneficie interesses geopolíticos e econômicos escusos.
Diante dessa ameaça, a resposta não pode ser a inação ou a defesa ingênua de uma suposta liberdade absoluta na internet. Essa liberdade, quando não acompanhada de responsabilidade e leis que a regulamentem, transforma-se em um campo de batalha onde os piores agentes operam impunemente. A regulamentação das redes sociais não é sobre censura; é sobre transparência, responsabilização e defesa da democracia.
É fundamental que os governos, em conjunto com a sociedade civil, avancem em medidas como a responsabilização legal das Big Techs,estabelecendo marcos legais que responsabilizem as empresas por conteúdos patrocinados e amplificados em suas plataformas que violem leis nacionais e incitem a violência.
Os protestos no México, com seu cheiro de golpe fomentado nas redes sociais, são um sinal de alarme que o mundo não pode ignorar. A batalha pela democracia já não se trava apenas nas urnas ou nas praças públicas, mas no fluxo incessante de dados que molda a opinião pública. Ou agimos agora para regular este novo campo de batalha, ou assistiremos, impotentes, à desagregação das nossas instituições, insuflada por interesses estrangeiros e milhões de robôs programados para semear o ódio.
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