Bolsonaro é preso por risco de fuga após violação de tornozeleira e Flávio convocar vigília: o que acontece agora?
Giulia Bianchi e Mariana Schreiber/BBC Newss Brasil
Jair Bolsonaro (PL) foi preso preventivamente pela Polícia Federal (PF) em Brasília na manhã deste sábado (22/11) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Moraes decidiu revogar a prisão preventiva em regime domiciliar, na qual ele estava desde o início de agosto, a pedido da PF após ser identificado um risco concreto e iminente de fuga.
Segundo a decisão, esse risco foi identificado após o senador Flávio Bolsonaro convocar uma "vigília" em apoio ao pai nas proximidades da residência do ex-presidente e ser detectada uma tentativa de violação da tornozeleira que ele usava.
O senador reagiu à prisão de afirmando em transmissão ao vivo no YouTube que decisão "criminaliza o livre exercício da crença", manteve a convocação da vigília e acusou Moraes: "Se meu pai morrer, a culpa é sua".
Bolsonaro foi transferido para a Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal, onde deve permanecer em uma Sala de Estado, local de detenção especial reservado para autoridades.
A decisão ainda será submetida ao referendo da Primeira Turma do STF, que deve realizar uma sessão virtual extraordinária na segunda-feira, das 8h às 20h.
Moraes também rejeitou o pedido da defesa de Bolsonaro para que ele fique em prisão domiciliar por motivo humanitário. Seus advogados argumentam que, pelas condições de saúde dele, a cadeia pode representar um "risco à vida" do ex-presidente — que, segundo eles, sofre de "doença grave de natureza múltipla (cardiológica, pulmonar, gastrointestinal, neurológica e oncológica)".
O que diz Moraes na ordem de prisão de Bolsonaro
Alexandre de Moraes pontua na nova ordem de prisão de Bolsonaro que a convocação de vigília por seu filho Flávio poderia gerar aglomerações capazes de dificultar a fiscalização policial e a aplicação de decisões judiciais.
De acordo com a decisão, a convocação da vigília foi interpretada como parte de uma estratégia para "prejudicar o cumprimento de eventuais medidas judiciais" e "dificultar a aplicação da lei penal" nas horas que antecedem o possível trânsito em julgado da condenação
Além disso, ainda segundo a decisão, o sistema de monitoramento registrou, na madrugada deste sábado, uma ocorrência de violação da tornozeleira eletrônica usada por Bolsonaro, o que reforçou o entendimento de que havia risco iminente de evasão.
Para Moraes, o registro "constata a intenção do condenado de romper a tornozeleira eletrônica para garantir êxito em sua fuga", supostamente facilitada pela confusão causada pela manifestação convocada.
Moraes diz também que o ex-presidente poderia se abrigar na embaixada dos EUA para evitar sua prisão. O local fica a cerca de 15 minutos de carro da residência de Bolsonaro, destaca o ministro.
Bolsonaro é um aliado do presidente americano, Donald Trump, e, em 2024, enquanto ainda era investigado, chegou a ir à embaixada da Hungria, país governado por outro aliado, Viktor Orbán, e passou duas noites no local, levantando suspeitas de que poderia pedir asilo para evitar uma prisão preventiva, o que ele negou.
O ministro também afirma no despacho que a mobilização convocada por Flávio Bolsonaro se assemelha a estratégias já utilizadas por apoiadores do ex-presidente em outros momentos, inclusive os acampamentos em frente a quartéis após as eleições de 2022.
Segundo o ministro, haveria tentativa de reeditar esse tipo de mobilização, que culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023.
A decisão descreve em detalhes o vídeo publicado por Flávio Bolsonaro na rede social X, no qual ele convoca apoiadores a se deslocarem para as proximidades da residência do ex-presidente.
Segundo o documento, Flávio afirmou: "Você vai lutar pelo seu país ou assistir tudo do celular aí do sofá da sua casa? Eu te convido para lutar com a gente".
Ainda segundo o despacho, o senador convocou uma "Vigília pela saúde de Bolsonaro e pela liberdade no Brasil", marcada para as 19h deste sábado, no balão do Jardim Botânico, nas imediações do condomínio onde vive o ex-presidente.
A postagem, diz o texto, já acumulava dezenas de milhares de visualizações e milhares de compartilhamentos.
A decisão também menciona o histórico de aliados do ex-presidente que deixaram o país para escapar da Justiça. São citados os casos da deputada Carla Zambelli, que foi para a Itália, e do ex-diretor da Abin e deputado Alexandre Ramagem, que teria saído recentemente do país rumo aos Estados Unidos.
Ambos foram condenados no mesmo processo que levou à condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. O ex-presidente recebeu pena de 27 anos e três meses em regime inicial fechado.
A prisão ocorre em um momento sensível do caso. Bolsonaro havia passado por fases sucessivas de restrições judiciais, que começaram com medidas cautelares como o uso de tornozeleira eletrônica, depois convertidas em prisão preventiva cumprida em regime domiciliar.
Na semana passada, o STF rejeitou embargos apresentados pela defesa, aproximando o processo de sua fase final.
A condenação de Bolsonaro
Bolsonaro foi considerado pelo STF como líder de uma organização criminosa, com militares, policiais e aliados, que atuou para impedir a transição de poder após as eleições de 2022, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A investigação também levou à imposição de uma série de medidas cautelares ao longo do processo, à medida que o tribunal entendeu haver risco concreto à ordem institucional e à aplicação da lei penal.
O ex-presidente foi declarado culpado de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
As condenações resultaram em um endurecimento progressivo de sua situação jurídica, com restrições cada vez mais severas de liberdade.
Além de Bolsonaro, os outros sete réus na ação penal também foram condenados: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. Ao longo desse período, o STF passou a adotar medidas individuais de controle e monitoramento em relação aos condenados.
Para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, a organização criminosa agiu em várias frentes desde 2021 para tentar executar o plano de ruptura, desde discursos públicos para descreditar o sistema eleitoral até supostas pressões sobre o Alto Comando das Forças Armadas para apoiar um decreto de cunho golpista — a chamada "minuta do golpe".
Segundo o Ministério Público, esse contexto de articulação e mobilização contínua foi considerado pelo Supremo na dosimetria das penas e na análise da necessidade de medidas cautelares.
Gonet citou ainda na denúncia movimentos para tentar atrapalhar o andamento da eleição, citando os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia da eleição em 2022, em especial em regiões com eleitores favoráveis ao adversário Lula. Esse histórico passou a embasar, posteriormente, a decisão de submeter Bolsonaro a monitoramento eletrônico.
A PGR destacou ainda os ataques de 8 de janeiro de 2023 como o ato final da tentativa golpista.
Após esses eventos, o STF determinou o uso de tornozeleira eletrônica por Bolsonaro, além de restrições de circulação e de contato com outros investigados, como forma de evitar novas articulações políticas fora do controle judicial.
Ao fim do julgamento, o STF considerou haver provas suficientes das acusações da PGR e condenou os réus. Mesmo após a condenação, Bolsonaro permaneceu inicialmente em liberdade com medidas cautelares, mas, diante de episódios considerados graves pelo tribunal, a situação foi agravada.
Primeiro, a Justiça converteu as medidas em prisão preventiva em regime domiciliar, com monitoramento integral.
Agora, com a nova decisão do ministro Alexandre de Moraes, houve a revogação da prisão domiciliar e a decretação de nova prisão preventiva, desta vez a ser cumprida em unidade da Polícia Federal, sob o argumento de risco de fuga e necessidade de garantia da ordem pública.
Reação de aliados de Bolsonaro
Michelle Bolsonaro publicou uma mensagem nas redes sociais pouco após a prisão do ex-presidente. Sem mencionar diretamente a decisão judicial, ela afirmou que "não vai desistir da nossa nação" e disse confiar na "Justiça de Deus".
Na publicação, voltou a mencionar o atentado a faca sofrido por Bolsonaro em 2018, disse que ele ainda enfrenta sequelas do episódio e afirmou acreditar que "o Senhor dará o escape". Michelle informou ainda que estava no Ceará e que seguia viagem para Brasília.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) não se manifestou publicamente.
Pouco após a confirmação da prisão preventiva de Jair Bolsonaro (PL) na manhã deste sábado (22/11), o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do Partido Liberal na Câmara, afirmou nas redes sociais que o ex-presidente "sempre será inocente e não roubou ninguém".
"Podem fazer o que quiser, @jairbolsonaro sempre será INOCENTE e não roubou ninguém!!", escreveu no X, antigo Twitter.
Em outros tuítes publicados em seguida, repetiu a ideia compartilhada por muitos dos apoiadores de Bolsonaro, de que o ex-presidente é perseguido pela Justiça brasileira.
"Ele nunca roubou ninguém, diminuiu impostos pra todos os brasileiros e aumentou a arrecadação, entregou o comando do país, mesmo tento um presidente do TSE totalmente tendencioso; a prisão de @jairbolsonaro é a maior perseguição política da história do Brasil!", disse.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), afirmou que o ocorrido é uma "injustiça".
Em publicação nas redes sociais, Zema declarou que o país "viu hoje o que já sabíamos: afastaram Jair Bolsonaro do convívio da família, de forma arbitrária e vergonhosa para nossa história".
Ele acrescentou que "silenciar opositor não é Justiça, é abuso de poder" e que divergências políticas "não podem ser motivo para prisão".
Já o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), afirmou estar junto do ex-presidente "em mais esse desafio".
"Bolsonaro, estaremos juntos em mais esse desafio, sem perder a esperança de viver o ideal de Deus, Pátria, Família e Liberdade! Brasil acima de tudo e Deus acima de todos!", disse no X.
"O país amanheceu triste. A prisão do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, homem honesto, deixa claro o quanto ainda precisamos evoluir como nação e como democracia. Um presidente que sempre viveu o simples, ao lado do povo, mereceria um mínimo de deferência", escreveu também.
O deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) esteve em frente à Superintendência da Polícia Federal em Brasília e afirmou que a vigília se tratava de um grupo de oração. Segundo ele, o ato teria sido pacífico e com poucos participantes.
"Foi uma vigília de oração, não tinha multidão, era para orar pela saúde do presidente", afirmou.
Lopes também declarou que acredita que Bolsonaro deveria estar em casa, sem tornozeleira eletrônica, e disse temer pelo estado de saúde do ex-presidente, mencionando as sequelas do atentado a faca sofrido em 2018.
Na avaliação do parlamentar, Bolsonaro corre risco de passar mal em ambientes de custódia.
Outros aliadosdo ex-presidente demonstraram apoio a ele. O deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ) questionou, em publicação na rede social X, a alegação de ameaça à ordem pública e afirmou não ver risco em um ato de caráter religioso. Ele classificou a decisão como desproporcional e injusta e disse considerar a medida excessiva.
Já o líder da Oposição na Câmara, deputado Luciano Zucco (PL-RS), disse ter recebido com indignação a notícia da prisão. Em nota, declarou considerar a decisão injustificável e criticou a medida. Segundo ele, Bolsonaro sempre teria colaborado com as autoridades e enfrentaria um quadro de saúde delicado.
Repercussão internacional
A decisão também passou a ser amplamente repercutida por veículos da imprensa internacional.
Nos Estados Unidos, jornais como The Washington Post e The New York Times destacaram o fato de Alexandre de Moraes ter atuado em um sábado, algo descrito como incomum, e ressaltaram o argumento do "risco de fuga" como justificativa central da prisão. As reportagens enfatizaram o paralelismo entre Bolsonaro e outros líderes populistas que enfrentam processos judiciais.
No Reino Unido, o The Guardian classificou a prisão como um dos momentos mais sensíveis da recente história política brasileira e relembrou os ataques de 8 de janeiro de 2023 como parte do contexto. O jornal destacou ainda o papel das Forças Armadas nas investigações e o debate sobre os limites da atuação do Judiciário.
Na Argentina, Clarín e La Nación deram destaque ao suposto registro de violação da tornozeleira eletrônica e à possibilidade de tentativa de evasão. Os jornais argentinos também relacionaram o caso ao histórico de instabilidade política na América Latina.
Em Israel, o The Times of Israel enfatizou o fato de Bolsonaro ser aliado de Trump e contextualizou a prisão dentro de uma onda global de responsabilização judicial de ex-chefes de Estado. Já a emissora americana CBS News citou a prisão como um teste para a resiliência das instituições democráticas brasileiras.
Na Espanha, o El País descreveu Bolsonaro como "líder da extrema-direita brasileira" e destacou o contraste entre a prisão domiciliar e a transferência para custódia na sede da Polícia Federal. O veículo ressaltou o impacto da decisão para o cenário político regional.
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