As dificuldades para 2023
Lula deve se afastar da armadilha bolsonarista de transformar a
eleição em um debate de temas preferidos pela agenda conservadora, tais como o
aborto, drogas e outros itens da chamada pauta de costumes
Paulo Kliass, Vermelho www.vermelho.org.br
A apuração dos resultados do primeiro turno das eleições aponta
para um conjunto de surpresas a respeito do comportamento dos eleitores em
comparação com aquilo que era projetado pelas pesquisas de intenção de voto. É
bem verdade que os números finais e nacionais para o Presidente da República
confirmaram a tendência de que Lula chegasse à frente de Bolsonaro, faltando
apenas 1,5% para que não houvesse mais necessidade de um segundo turno para a definição
do próximo ocupante do cargo.
Alguns institutos sugeriam mesmo que haveria uma pequena
probabilidade de que Lula saísse vencedor no dia 2 de outubro. Mas esse cenário
estava dentro da margem de erro das pesquisas e não havia segurança para que o mesmo
se concretizasse. De qualquer maneira, o clima nas campanhas não deixava de ser
influenciado por essas notícias. Do lado de Lula, havia uma esperança de
vitória com mais de 50% dos votos válidos. Da parte de Bolsonaro, observava-se
um certo temor pelas mesmas razões. Divulgado os números definitivos, os ânimos
se inverteram em um primeiro momento.
No entanto, o que mais chamou a atenção dos analistas foram
alguns resultados que contrariaram bastante as pesquisas prévias e que
contribuíram para dar uma conformação bastante conservadora no que se refere à
composição do Congresso Nacional na próxima legislatura. A votação no maior
colégio eleitoral do País surpreendeu. Em São Paulo, na disputa para
governador, o candidato bolsonarista Tarcísio Freitas (REPU) chegou à frente de
Fernando Haddad (PT) para disputa do segundo turno. E ali também a vaga do
senador foi conquistada pelo Ministro Marcos Pontes (PL), desbancando a maioria
das pesquisas que apontavam para a vitória de Márcio França (PSB).
Extrema direita volta com força.
Outras eleições que também contrariaram os prognósticos iniciais
foram a de Sérgio Moro (UNIÃO) como senador pelo Paraná e do General Mourão
(REPU) pelo Rio Grande do Sul. Some-se a esse quadro a eleição de Damares
(REPU) como senadora pelo Distrito Federal e um conjunto de deputados afinados
com a linha mais ideológica do bolsonarismo para se perceber que a composição
do parlamento poderá se converter em um elemento de bastante complicação para o
eventual governo de Lula. O PL vai contar com a maior bancada na Câmara dos
Deputados com 99 integrantes, enquanto o retrato do Senado Federal aponta
também para o crescimento das bancadas da extrema direita.
Leia também: PDT e Ciro fecham apoio a Lula no
segundo turno
É claro que a tarefa mais urgente e imediata da campanha de Lula
deve ser a consolidação da vantagem de votos e a busca da ampliação política em
direção aos eleitores de Ciro Gomes e Simone Tebet. Ainda que possa ocorrer
alguma dificuldade para que os mesmos se manifestem claramente favor de Lula, o
simples fato de conseguir uma aproximação com os dirigentes de seus partidos já
pode apontar para um crescimento do apoio tão necessário. Além disso, é
fundamental que seja realizado um grande esforço para que a população se dirija
mais uma vez às urnas no dia 30, mesmo em estados e municípios em que não
deverá ocorrer um segundo turno para a definição dos executivos locais.
Lula deve se afastar da armadilha bolsonarista de transformar a
eleição em um debate de temas preferidos pela agenda conservadora, tais como o
aborto, drogas e outros itens da chamada pauta de costumes. A questão da
profunda crise econômica e social é aquilo que mais afeta a vida das pessoas. E
nesse terreno Lula é capaz de se desenvolver com maior facilidade. Ocorre que
não basta mais apenas se contentar com as referências ao passado de seus
mandatos. É necessário apontar para medidas concretas e objetivas que deverão ser
tomadas a partir de janeiro de 2033, caso eleito. Isso significa retomar e
insistir com a chamada “pauta do povo” nos debates e nas demais manifestações
da campanha.
“Pauta do
povo” para vencer o segundo turno.
Desemprego ainda em níveis alarmantes, remuneração médias das
famílias abaixo das necessidades mínimas de sobrevivência, inflação dos itens
de maior impacto na vida dos mais pobres, volta do Brasil ao mapa da fome e
outros traços da tragédia econômica e social representada pelos 4 anos de Bolsonaro
são os temas que mais sensibilizariam as pessoas a apoiar a troca de
governante. Assim, a estratégia deveria passar pelo reforço de propostas para
solucionar essas questões de forma urgente. Isso significa, por exemplo, medida
como:
i) ampliação da base e do valor do auxílio emergencial;
ii) estímulo à geração de empregos por meio de políticas de
recuperação do atraso na infraestrutura por todo o território nacional;
iii) apoio à agricultura familiar, com o objetivo de aumentar a
produção nacional de alimentos e a remuneração das famílias no campo;
iv) mudança na política de preços da Petrobrás, para diminuir o
impacto dos preços dos derivados de petróleo (diesel, gasolina e gás de
cozinha) no custo de vida;
v) ampliação das condições de acesso a crédito e redução dos
juros cobrados nas operações financeiras para estimular o aumento do
investimento.
No entanto, é preciso reconhecer que esse conjunto de medidas
necessárias terão um custo adicional ainda não computado no Orçamento da União
para o ano que vem. São despesas que impactarão as contas do Tesouro Nacional e
que precisam ser debatidas à luz da necessária revisão da política de
austeridade fiscal. Toda e qualquer possibilidade de sucesso de eventual
terceiro mandato de Lula reside na retirada dos obstáculos impostos pela
política de teto de gastos, tal como previsto na EC 95, de 2016.
Primeiro, vencer. Depois, governar.
A nova composição do Congresso Nacional deve apresentar uma
bancada conservadora mais aguerrida no combate às políticas de redução da
desigualdade e de estímulo ao desenvolvimento. Por outro lado, a postura dos
grandes meios de comunicação e de parcela das elites empresariais tem sido
bastante clara a esse respeito. Setores dentre eles até consideram importante a
vitória de Lula para impedir um segundo mandato de Bolsonaro, mas alertam para
a necessidade de evitar qualquer mudança mais “radical” na política econômica.
O sonho de consumo para esse pessoal seria que a área da
economia permanecesse sob a responsabilidade de personagens com propostas não
muito diferentes daquelas defendidas por Paulo Guedes ou por Henrique
Meirelles. Não escondem seu desconforto com o compromisso pela restauração dos
Ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. Mas
vão fazer de tudo para manter algum grau de controle sobre o eventual novo
governo para que tudo permaneça como está em termos do conservadorismo no
comando da economia. Aliás, graças à lei da independência do Banco Central
(BC), terão a continuidade de uma política monetária comprometida com os
interesses do financismo.
Vencer as eleições em 30 de outubro é o grande desafio para o
momento. Mas Lula sabe muito bem das dificuldades que enfrentará para conseguir
implementar um programa de governo que justifique o seu retorno para mais essa
missão à frente do Estado e da sociedade brasileira. A formação de uma maioria
parlamentar de um novo governo deverá contar com a aproximação política de
forças ligadas ao Centrão, mas deverá sofrer uma oposição aguerrida da extrema
direita. Aqueles que estavam mais organicamente vinculados ao projeto do
bolsonarismo ao longo dos últimos 4 anos farão de tudo para impedir o sucesso
de Lula e deverão comandar a tentativa de boicote e sabotagem de suas propostas
no interior do legislativo.
Leia também: Quanta mais
ampla, melhor. Rumo à vitória https://bit.ly/3RBdVuc
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