15 outubro 2022

Regressão social

Moral, religião e ataques violentos dominam grupos de conversa no 2º turno

Pânico moral cresce em grupos de WhatsApp e Telegram, mostra Observador Folha/Quaest
Paula Soprana e Renata Galf, Folha de S. Paulo

 

Se as conversas em grupos de militância de WhatsApp e Telegram contemplavam pouco as propostas dos candidatos durante o primeiro turno, elas desceram alguns graus na escala de salubridade do debate político desde a virada para o segundo turno.

Antes dominado por mentiras sobre urnas eletrônicas e ataques a instituições, o cenário de desinformação eleitoral do segundo turno foi inundado por pautas ligadas à religião e à moral, com acusações de que adversários são anticristo, satânicos ou canibais. A dinâmica dos grupos se retroalimenta com as campanhas oficiais.

Embora as mensagens que associam Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à corrupção ainda prevaleçam como um dos principais argumentos de reforço do voto bolsonarista, acusações de que o petista não é cristão e mentiras recicladas sobre "ideologia de gênero", aborto e um falso apoio do PT ao crime organizado colaram no discurso de grupos pró-governo.

"Ouçam o glorioso padre Léo quando Lula tentou legalizar o aborto no Brasil no seu primeiro mandato. Vamos baixar e espalhar este vídeo por tudo. Lula é cristão da boca para fora" diz uma mensagem compartilhada mais de 80 vezes no Telegram, acompanhada de um vídeo. "Se for para ser católico como se diz católico, o senhor presidente da República é melhor ir viver no quinto dos infernos", diz padre Léo.

Nos grupos, o aborto nunca é relacionado à pauta de saúde pública, sempre à cristã, com discursos de forte apelo emocional e menção recorrente da "guerra espiritual".

"Damares Alves and the island of Marajó, Brazil", um vídeo de 34 minutos, legendado para o inglês, passou a ser muito compartilhado após a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ser pressionada a prestar detalhes sobre os casos de exploração e abuso de crianças no Pará que ela denunciou em um culto lotado de fiéis.

O vídeo, visto mais de 26 mil vezes no Telegram, mostra todo o relato de Damares e a coloca como uma heroína diante da "tentativa de cancelamento" da mídia e de eleitores da esquerda. Termina com imagens desfocadas de crianças em diversas situações de vulnerabilidade e a inscrição #SaveTheChildren.

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Um dos conteúdos que mais circulou nessa temática é uma lista de perguntas para eleitores indecisos. Ela questiona de modo simplório se as pessoas concordam ou não com tópicos como legalização do aborto, implantação da ideologia de gênero nas escolas e perseguição às igrejas. Considerando grupos de Telegram e WhatsApp, foi difundida cerca de 2.000 vezes no segundo turno.

Os dados são do Observador Folha/Quaest, que monitora 465 grupos públicos de Telegram e 1.346 de WhatsApp. O período analisado é de 3 a 13 de outubro.

Além de Damares, o pânico moral é influenciado por figuras centrais da campanha, como o senador Flávio Bolsonaro (PL), que voltou a compartilhar conteúdos sobre o material contra a homofobia pejorativamente chamado de kit gay, uma das principais fake news da eleição de 2018, nesta semana.

"Os covardes rastejarão como serpentes, comerão insetos e herdarão o inferno" afirma um texto viral lido, no mínimo, por 12 mil pessoas.

Uma lista que beira o surrealismo diz que um eventual governo petista proibiria o consumo de carne, desapropriaria empresas e imóveis, criaria "uma milícia composta de mais de 500 mil presidiários para atuarem como braço armado do governo", fecharia igrejas e decretaria o fim de símbolos nacionais. A mensagem foi encaminhada mais de cem vezes nos grupos.

Além de mensagens com forte apelo emocional sobre aborto, são frequentes os pedidos para que lideranças cristãs convoquem fiéis a favor de Jair Bolsonaro (PL). A associação de Lula ao crime organizado, incluindo links de um comentarista da Jovem Pan que faz tal relação, também cresceu, especialmente após a visita do petista no Complexo do Alemão, no Rio.

Em evento no dia 12, Lula usou um boné com a sigla "CPX". A inscrição é a abreviação da palavra "complexo", nome dado a conjuntos de favelas, e não uma gíria falada por traficantes de drogas, como foi disseminado nas redes sociais.

Do lado de apoiadores de Lula, os ataques a adversários são mais concentrados em uma narrativa por vez e, na maior parte, estão em linha com o discurso das inserções na TV. Além das críticas à gestão do presidente na pandemia e da associação do candidato à corrupção, ataques a Damares e o apoio de criminosos a Bolsonaro, como o goleiro Bruno, foram incorporados na narrativa dos grupos no segundo turno.

Há, também, um rescaldo de vídeos e textos que ligam o atual chefe do Executivo à maçonaria e ao canibalismo, temas que viralizaram na semana passada e que permanecem em circulação em grupos bolsonaristas.

O que chama mais a atenção na esquerda, menos ativa e capilarizada do que a direita no Telegram, não são fake news, mas a infiltração em grupos e a disseminação de spam pró-Lula em grupos adversários, o que não era tão comum no primeiro turno.

Uma das mensagens mais virais da esquerda, segundo a Quaest, é uma que repete várias vezes o número 13. Ela foi difundida mais de 300 vezes por infiltrados. Outra que apenas diz "Gados Otários Cornonaro Broxa 2022" aparece mais de 170 vezes.

Em relação ao conteúdo, a militância tem divulgado vídeos como um da eleição de 2018 que diz que "Bolsonaro já admitiu ter batido em mulher". Trata-se do resgate de uma notícia do Jornal do Brasil, de 1998, em que uma mulher chamada Conceição Aparecida relata ter sido agredida pelo então deputado, que, ao jornal, confirma.

Frases de Bolsonaro como "minha missão é matar" e "esse dinheiro do auxílio moradia eu usava para comer gente" são ditas por crianças em outro vídeo disseminado pela esquerda e usado em uma inserção do PT. "Se o seu candidato fala, seu filho pode falar também", diz a propaganda, vista por cerca de 8.000 pessoas nos grupos monitorados pela reportagem.

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