Nenhum técnico despreparado se tornará,
regularmente, um vitorioso
Os
atletas que se dão melhor são geralmente os que pensam o jogo antes, durante e
depois das partidas
Tostão/Folha de S. Paulo
Como diz a música de um belo fado, não é o tempo que passa,
nós é que passamos. Um dos motivos da angústia existencial de muitas mulheres e
homens é a consciência da finitude da vida. Como somos narcisistas, uns mais
que outros, achamos que somos mais importantes do que a realidade. Criamos a
ilusão que temos uma grande missão na vida, mesmo que seja algo simples, banal.
Desejamos nos tornar heróis e eternos. Freud
escreveu que o ser humano só terá uma vida mais prazerosa
quando perder a ilusão da eternidade. Com isso desfrutaria mais o cotidiano.
O tempo passa. Atletas de futebol encerram a carreira muito
cedo, muitas vezes despreparados para outras atividades. Parei de jogar com 26
anos por causa de um descolamento da retina. Vivi outras vidas, de médico, de
professor de medicina, de comentarista e colunista de futebol. Gostei de todas,
cada uma no seu tempo.
Muitos atletas tentam exercer outras atividades relacionadas ao
futebol, como a de treinador. Não é fácil. O sucesso depende de inúmeros
fatores independentes do preparo do técnico. Os atletas que se dão melhor são
geralmente os que pensam o jogo antes, durante e depois das partidas. Jogam
como se estivessem vendo o jogo de cima.
O conhecimento precisa ser compartilhado em todas as profissões. Guardiola bebeu
na fonte de Cruyff,
um dos maiores jogadores e técnicos da história, que aprendeu com o lendário
Rinus Michels, treinador da inesquecível seleção
holandesa da Copa de 74. O jovem técnico Xavi foi discípulo de
Guardiola no Barcelona. Muitos outros grandes craques se tornaram excepcionais
treinadores. O alemão Beckenbauer, o brasileiro
Zagalo e o francês Deschamps foram
campeões do mundo como atletas e treinadores.
Zico, que
completou 70 anos na sexta-feira, foi treinador no Japão e na
Turquia. Não quis ser treinador no Brasil, ainda mais no Flamengo, para não confundirem o ídolo com o
profissional. Zico foi um supercraque, essencialmente técnico. Executava com
precisão os fundamentos da posição. Nunca gostou da firula, de efeitos
especiais.
Alguns jogadores, craques ou não, surpreendentemente não tiveram
sucesso como treinadores, ou alternaram bons e maus momentos, às vezes
inexplicáveis. Falcão, um dos maiores jogadores da história, hoje diretor dos
Santos, não teve uma carreira vitoriosa de treinador, apesar de muito bem
preparado, de ter sido um ótimo comentarista e de dar sempre boas entrevistas e
explicações técnicas sobre futebol.
Assim como há enormes e absurdos
preconceitos contra os técnicos negros, como se eles não tivessem conhecimento
e preparo acadêmico para comandar um grupo de atletas, existem muitos
preconceitos contra os técnicos que trabalham de terno e gravata, que não
gritam nem ficam histéricos durante as partidas, como se este comportamento não
fosse adequado em um esporte tão popular.
Na Europa costuma ser diferente. O italiano
Ancelotti, cotado para ser treinador da seleção
brasileira, trabalha de terno e gravata, é tranquilo durante as
partidas e educado nas entrevistas.
Nem todo treinador com grande conhecimento teórico, científico se torna um ótimo e/ou vitorioso técnico, pois existem inúmeros outros fatores não controlados. Porém, nenhum técnico despreparado, com pouca cultura acadêmica, se tornará, regularmente, um excelente e/ou vitorioso treinador. Viverá de brilharecos circunstanciais.
A concentração de poder nas redes sociais https://t.co/kbu103Qjfb
Nenhum comentário:
Postar um comentário