15 novembro 2023

Claúdio Carraly opina

Nacionalismo - um mal que precisa ser superado
Cláudio Carraly*


O nacionalismo tem desempenhado um papel extremamente danoso na história, muitas vezes validando regimes autoritários e abalizando eventos catastróficos, essa ideologia por sua natureza entra em conflito com valores fundamentais e princípios éticos. Uma das críticas ao nacionalismo está relacionada ao seu potencial para restringir a liberdade individual, filósofos liberais como John Stuart Mill argumentaram que o nacionalismo pode levar a um conformismo cultural que limita a diversidade de pensamento e a liberdade de expressão. Quando uma nação exige uma lealdade cega e uniformidade cultural, isso pode sufocar o pluralismo e a individualidade, John Mill, em sua obra "Sobre a Liberdade", argumenta que a verdadeira liberdade individual só pode ser alcançada quando há espaço para a livre expressão de ideias e opiniões, os ideais nacionalistas promovem a conformidade cultural e a supressão de vozes discordantes, entrando em conflito com esse princípio básico fundamental.

Filósofos como Immanuel Kant promoveram a ideia de um "imperativo categórico", que implica a universalização de princípios morais, o que é incompatível com a visão nacionalista. O nacionalismo é centrado na ideia força de que sua pátria é superior as demais, e essa premissa basilar, entra em conflito imediato com a noção de que os princípios éticos devem ser aplicados universalmente, independentemente da nacionalidade, ou qualquer tipo de subdivisão factual. Isso levanta questões éticas sobre como os nacionalismos podem justificar a discriminação e tratamento desigual com base no simplório estrato de nacionalidade, tratando o “não nacional” como um ser inferior ou de segunda classe. Kant acreditava em uma ordem moral que transcendia fronteiras nacionais, para ele, a paz perpétua seria alcançada por meio da formação de repúblicas cosmopolitas e pela plena cooperação internacional, sendo o nacionalismo e suas nuances mais extremas, antítese disso, fomentando rivalidades e conflitos entre nações, criando sempre a figura da ameaça externa, quando não também interna, a fim de galvanizar seus interesses políticos locais e extirpar qualquer sombra de discordância. 

Não só os liberais ressaltavam o perigo do extremismo nacionalista, também os socialistas apontaram esse mal para nossa sociedade, e a importância do internacionalismo como remédio efetivo na superação do capitalismo e integração efetiva entre os povos. Karl Marx, nos oferece a crítica fundamental ao nacionalismo, ele argumentava que o este podia ser usado pela classe dominante para distrair a classe trabalhadora dos conflitos de classe, criando divisões entre os trabalhadores de diferentes nações. Marx acreditava que o verdadeiro conflito fundamental estava entre as classes sociais, não entre nações, e via o nacionalismo como uma ferramenta de manutenção do status quo, ele acreditava que a lealdade à nação servia como uma espécie de cortina de fumaça que obscurecia o verdadeiro conflito entre a classe trabalhadora e a dominante, em sua visão, o nacionalismo era usado como uma ferramenta para manter a exploração das massas em benefício das elites e do capital.

Infelizmente como fenômeno político o nacionalismo continua a ser uma força poderosa na política contemporânea, se renovando mundo afora, tomando novas formas, mas com a mesma premissa excludente e anticivilizatória, hoje é evidenciado por lideranças de extrema-direita como Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil. O "trumpismo" destacou o ressurgimento do nacionalismo populista nos Estados Unidos, centrado na retórica do Primeiro a América. No Brasil, o “bolsonarismo” promoveu uma instrumentalização política baseada numa suposta identidade patriótica, acirrando a polarização interna, alimentando discurso de ódio e fazendo crescer atos de racismo, misoginia, xenofobia, ataques a minorias e aos direitos sociais. 

O fato é que esse fenômeno não ocorreu apenas nas Américas, mas em muitas partes do planeta onde a extrema-direita cresceu, vimos um ressurgimento fascista global, que trouxe consigo um ataque metodicamente planejado aos direitos e garantias fundamentais duramente conquistados pelo sociedade, diante desses desafios, a visão internacionalista surge como um antídoto crucial para deter esse nacionalismo, operando em uma perspectiva geral para solucionar os problemas da coletividade mundial. O internacionalismo por sua natureza desempenha um papel crucial na mitigação dos malefícios do nacionalismo, ao promover a cooperação global, ele pode enfrentar desafios como as mudanças climáticas, pandemias e desigualdades econômicas de maneira mais eficaz do que abordagens isolacionistas. Um exemplo recente é a colaboração internacional na produção e distribuição de vacinas contra a COVID-19, iniciativas como a COVAX buscam garantir que as vacinas sejam acessíveis globalmente, enfatizando a necessidade de cooperação internacional para superar desafios de saúde pública que transcendem fronteiras nacionais, no passado vimos esse mesmo tipo de triunfo na erradicação da varíola no mundo com uma ação global total. 

A análise das estruturas de classe também contribui para a discussão sobre o internacionalismo, como vimos, Karl Marx compreendia as fronteiras nacionais como criações artificiais que serviam aos interesses da classe dominante, o ser humano é uno, então não há de existir a noção de estrangeiro, todos somos ao final um mesmo povo, adornado com belas diferenças culturais. Sua visão de uma comunidade global sugere a eliminação não apenas das fronteiras nacionais, mas também das divisões de classe que, segundo ele, eram inerentes ao sistema capitalista. 

Ao abraçar uma perspectiva internacionalista, Marx vislumbrava um mundo onde as diferenças nacionais desapareceriam em favor de uma colaboração global baseada na solidariedade entre toda sociedade humana. Embora a implementação prática desta visão seja complexa, a importância de transcender as fronteiras nacionais em busca de uma sociedade mais justa e igualitária é imprescindível. Em última análise, a visão internacionalista representa uma abordagem prática para contrabalançar os efeitos nocivos do nacionalismo extremo, ao promover a cooperação global, o internacionalismo oferece um caminho para enfrentar os desafios compartilhados da humanidade e construir um futuro mais inclusivo, sustentável e pacífico para todos os povos, para todos, sem exclusões.

*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
‘Quando mente e corpo não se entrosam’ https://bit.ly/3xU4Cxx

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