'Os sabiás divinam', escreveu Manoel de Barros; os craques também
A ciência não consegue definir com exatidão os desejos, encantos e magias dos craques
Tostão/Folha de S. Paulo
Estou sem assunto, com saudades do Brasileirão. Se eu fosse um dos Sabiás das crônicas do passado, que embelezaram a minha juventude, como Fernando Sabino, Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Stanislaw Ponte Preta e outros craques, falaria sobre o cotidiano, sobre coisas importantes e desimportantes.
Se eu fosse um poeta como Manoel de Barros, escreveria como em um de seus belos textos do "Livro sobre Nada". "A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá, mas não pode medir seus encantos. Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare. Os sabiás divinam."
No futebol, a ciência pode produzir milhões de estatísticas que ajudam bastante na compreensão das partidas, dos times e dos jogadores, mas a ciência não consegue definir com exatidão os desejos, os encantos e as magias dos craques. Eles divinam.
O futebol é uma mistura de ciência, arte, técnica e improvisação. Parafraseando o grande poeta Ferreira Gullar: "A arte existe porque a vida não basta", eu diria que o futebol bem jogado e bonito existe porque o resultado não basta.
Deveríamos ser mais rigorosos para nomear os craques. Ainda bem que Endrick não tem a pressa da crônica esportiva. Os craques unem a inventividade, a técnica e a fantasia, embora cada craque se destaque mais por algumas características. Maradona, Ronaldinho Gaúcho e outros fascinam mais pela criatividade e pelos efeitos especiais. Já Cristiano Ronaldo brilha mais pela precisão técnica nas finalizações. Messi é o segundo maior da história porque une em alto nível a arte e a técnica. Pelé é o maior de todos porque era completo e chegou, ou quase, à perfeição. A perfeição existe?
Logo após o Cruzeiro vencer o Santos de Pelé em 1966, por 6x2 e 3x2, e ganhar a Taça Brasil, um repórter exagerado, fora da realidade, me perguntou se eu poderia me tornar um Pelé. Respondi a ele que, em alguns momentos, poderia até imaginar jogadas como Pelé, mas que nunca conseguiria fazer o que o Rei fazia naturalmente e com frequência, pois não tinha a técnica nem as qualidades físicas de Pelé.
O poeta maior Carlos Drummond de Andrade escreveu que o mais difícil não é fazer mil gols, é fazer um gol como Pelé.
O futebol brasileiro está de férias. Na Europa, grandes equipes, como Manchester City, Real Madrid e Bayern de Munique, vivem momentos inferiores ao habitual por causa de problemas técnicos e contusões. Haaland, que não jogou a última partida, pode ficar fora do Mundial de clubes. De Bruyne só volta em janeiro.
Por outro lado, equipes médias da Europa têm brilhado. O Aston Villa é o terceiro colocado no Campeonato Inglês, após ter vencido o City e o Arsenal. O Girona, que faz parte do conglomerado que controla, entre vários outros clubes, também o Manchester City, é o líder do Campeonato Espanhol após vencer o Barcelona por 4 x 2. Não são equipes que jogam atrás para ganhar no contra-ataque. Costumam pressionar, ter o domínio da bola e do jogo. É a evolução do futebol.
Dois jovens brasileiros brilham no Girona: Yan Couto e Savinho. O lateral direito Yan Couto, que foi chamado na primeira convocação de Fernando Diniz, atuou bem apesar de o Brasil ter ido muito mal —ele não foi mais convocado. Diniz preferiu o lateral Emerson, que jogou muito mal as últimas partidas. Por que o técnico não convocou mais Yan Couto?
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