Multiverso, um possível universo digital
O conceito de metaverso, embora promissor, enfrenta desafios tecnológicos e comerciais para sua plena realização e impacto na sociedade.
Carlos Seabra/Vermelho
O termo “metaverso” refere-se a um conceito expansivo e interativo de universo virtual, em plataformas online, onde as pessoas podem interagir entre si e com o ambiente digital tridimensional de maneira semelhante à interação no mundo real, por meio de avatares personalizados.
Este conceito surgiu em um livro de ficção científica chamado Snow Crash, do escritor Neal Stephenson, publicado em 1992, mas ganhou popularidade em 2021, quando o Facebook anunciou a mudança de nome para Meta e revelou seus planos de construir um metaverso. Outras empresas de tecnologia, como a Microsoft, também estão investindo nessa ideia. Uma primeira versão de metaverso alcançou certa popularidade há alguns anos com o Second Life, lançado em 2003. Foi um dos primeiros mundos virtuais 3D online a permitir que os usuários criassem seus próprios avatares e interagissem uns com os outros em um ambiente online compartilhado.
A “bolha especulativa” que foi formada à volta do conceito de metaverso, com finalidades comerciais imediatistas, apesar de muita propaganda e blablabla ainda não deslanchou e frustrou várias iniciativas, inclusive na recente tentativa do Facebook. Além de vários aspectos pouco consistentes dessas iniciativas, outro fator é que o metaverso requer uma combinação complexa de tecnologias, como realidade virtual, realidade aumentada, inteligência artificial e blockchain (tecnologia que permite registrar, compartilhar e validar dados de forma descentralizada, segura e imutável). Essas tecnologias ainda estão em desenvolvimento e podem levar alguns anos para serem totalmente desenvolvidas e integradas.
Apesar disso, em algum momento relativamente próximo, o metaverso poderá ter uma disseminação e abrangência com forte impacto na sociedade, pois trata-se de um ambiente de imersão que permite a vivência de produtos culturais e educacionais, de lazer, atividades profissionais, enfim, tornar-se uma extensão da vida real. Outra característica do metaverso é a imersão, a vivência integral. Isso permite que, além da distribuição, os produtos podem ser consumidos in loco, desde que sejam digitais. Porém, certamente há a possibilidade, ainda não explorada, de promover a distribuição de produtos virtuais que possam ser trocados por seus equivalentes reais. Isso pode aplicar-se a livros, eletrodomésticos, software etc.
A interatividade é o elemento central dos jogos na internet. O que não significa que seja sempre emulando a realidade. Há jogos onde o participante interage com bots (robôs de software), outros em que a interação ocorre em grupos que acabam se conhecendo, e outros ainda em que a interação se dá de modo anônimo, além das combinações entre todos esses elementos. Não há necessariamente um caminho que leve os jogos online na direção de interfaces do tipo metaverso, o qual, inclusive, só pode ser chamado de “jogo” se assim também chamarmos a vida (o que não deixa de ser). Mas o metaverso seria mais um prolongamento virtual da vida real do que um jogo em si. É um ambiente onde pode haver vários jogos.
Às vezes uma forma de antecipar um possível futuro é olhar para trás, para tudo o que a humanidade já imaginou. Dos romances de ficção científica (Clifford Simak, em seu “Terra insólita”, de 1963, previa interfaces holográficas interativas, casas dotadas de inteligência artificial e interface com reconhecimento de voz) às alucinações e magia de tempos medievais (nada mais parecido com isso do que o que a tecnologia já nos permite hoje!), tudo o que a humanidade já desejou ou imaginou a tecnologia se encarrega de viabilizar. As etapas já em estudo e testagem para a conexão 3D com a internet são a possibilidade de interação com voz (que não acabará, obviamente, com a interface de diálogos por texto), o uso de webcams para captar do usuário suas expressões e colocá-las em seu avata r (olhos arregalados, sorrisos, movimento das sobrancelhas, sincronia labial), e o sensoriamento dos movimentos corporais, permitirão que uma caminhada no metaverso queime boas calorias na vida real.
Tal como na vida real, no metaverso a intenção é que se gaste dinheiro e isso parece ser, inclusive, uma fonte de prazer para as pessoas, que também gostam de ganhá-lo, obviamente. Os metaversos poderão ser um inteligente fator de sucesso desses ambientes: sua economia será real e engajará as pessoas em trocas, que fazem parte do próprio mecanismo lúdico (não é à toa que o jogo de tabuleiro mais vendido no mundo seja o Monopólio, conhecido no Brasil como Banco Imobiliário, um sucesso que existe há mais de 80 anos). Os impactos serão inúmeros, pois muitas e cada vez mais pessoas passarão a consumir produtos adquiridos via metaverso. Um celular virtual adquirido no metaverso permitirá à pessoa recebê-lo “de verdade” em sua casa pelo correio. Ou um voucher obtido nesse mundo virtual lhe dará um d esconto real num aparelho de televisão ou computador numa loja real. A indústria e o comércio poderão antecipar lançamentos no metaverso, testando, desse modo, a reação do público e dimensionando estratégias de marketing, bem como adaptando seus produtos a tendências observadas no “metamercado”.
No mundo do trabalho, seja na prestação de serviços ou na produção industrial, também poderemos ter grandes impactos. Reuniões virtuais entre funcionários de várias filiais (o que já foi feito experimentalmente por diversas grandes empresas) permitirão dosar as viagens aéreas reais com seu custo em dinheiro e tempo. Cada vez mais, poderá haver um mercado de trabalho para avatares, para atendimento ao público e para operações mais sofisticadas – chegando um dia até a mesa de operações hospitalares (imaginemos um especializado cirurgião operando através de um robô localizado numa pequena cidade longínqua, através de conexão de seu avatar com paramédicos locais e interfaces virtual-real).
Além dessas possibilidades é necessário também estarmos atentos para novas formas de conflitos e exploração do trabalho humano, pois um avatar de um apresentador de TV no metaverso poderá ter seu ser humano substituído por outro se houver conflito trabalhista ou contratual – do mesmo modo que um operador de uma máquina digital não precisará mais ser um ser humano, mas sim um avatar, e, neste caso, um operário brasileiro que esteja com salário muito elevado poderá ser substituído em minutos por outro nas Filipinas com uma remuneração cinco vezes menor!
As inovações tecnológicas também podem ser usadas, e são, como instrumentos de dominação política, militar e cultural, favorecendo os interesses das potências hegemônicas e das elites econômicas, em detrimento dos países periféricos e das classes populares. A lucratividade potencializada com os avanços tecnológicos tem aumentado de forma exponencial o acúmulo de riqueza por um escol cada vez mais poderoso e trilionário, dono das maiores bancadas nos parlamentos do planeta e que domina os algoritmos da produção, cada vez mais virtual e financeirizada.
Se a própria riqueza cresce com simbólicos e virtuais valores, fetiches mercadológicos, hoje sequer lastreados em ouro, imaginemos os metaversos dominados pelos donos dos meios de produção. É nesse contexto que sindicatos, educadores, partidos e demais movimentos sociais necessitam pensar os impactos dos metaversos, ainda não operacionais, mas em gestação.
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