Brasil festeja os 80 anos de Chico Buarque: gigante da cultura
Chico é amado por quem acredita num futuro com mais amor e odiado por quem defende a supremacia de poucos sobre a maioria com a mesma intensidadeMarcos Aurélio Ruy/Vermelho
Nesta quarta-feira (19), Chico Buarque completa 80 anos de idade. Mesmo com toda a sua obra baseada na delicadeza, no amor, no respeito a todas as pessoas, no cotidiano de quem é explorado pelo capital, ele sonha com uma vida digna, sem preconceitos, onde prevalece a generosidade.
Chico surgiu para o grande público no Festival de Música da TV Record – antes de a emissora ser de Edir Macedo –, com A Banda, uma canção profundamente lírica que encantou multidões e no ano seguinte deu uma guinada no lirismo com Roda Viva, no mesmo festival, ficando com o terceiro lugar. E no teatro, Roda Viva foi apresentada com direção de Zé Celso (1937-2023), e os atores e atrizes foram agredidos pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC), em plena ditadura fascista; e até os seus romances e suas músicas, cada vez mais exigente com o seu trabalho, Chico nunca mudou de lado.
E por ter lado e coragem para se expor, acumulou ódio. O fel destilado pelos opressores, que recentemente saíram dos armários, é jorrado nas redes e nas ruas pregando (a palavra é pregando mesmo, pois muitos deles se dizem pastores de igrejas) ódio, discriminação, opressão e violência.
Entrou na Justiça quando o exército usou A Banda em propaganda para chamar ao alistamento militar. Tirou autorização para que o programa Roda Viva da TV Cultura continuasse usando sua música, de mesmo nome, como trilha, quando desrespeitaram Manuela D’Ávila impedindo-a de falar. Se proibiu na TV Globo, quando a emissora, em apoio à ditadura (1964-1985), proibiu a sua imagem na emissora. Viajava em caravanas à Cuba quando era proibido.
Assim sempre agiu em sua obra e vida e por isso é amado por quem acredita num futuro com mais amor e odiado por quem defende a supremacia de poucos sobre a maioria com a mesma intensidade.
E não é por ter lado que a obra de Chico Buarque é gigante. Mas certamente a sua trajetória influencia seus trabalhos que o torna ainda mais importante para a cultura do país. Seria fácil ceder, mas essa palavra nunca fez parte de seu vocabulário. Já aos 9 anos mostrava a sua vontade de ser cantor ao mandar um bilhete para a avó, que faleceu, dizendo que ela poderia ouvi-lo cantar na rádio do céu.
Chico Buarque é do Brasil e do mundo com uma obra tão singular quanto transgressora. Por isso, a ascensão da extrema-direita o escolheu como inimigo, porque ele representa a resiliência e a resistência de um povo que insiste em sobreviver e seguir em frente contra toda a repressão que se interpõe pelo caminho.
O compositor, cantor, dramaturgo e escritor tornou-se um dos mais importantes símbolos da delicadeza, do sonho de um país sem violência e sem discriminações, de respeito, de amor, da paz e da igualdade de direitos. Um país com menos privilégios e mais inteligência.
Uma obra atemporal com olhos voltados para o futuro. Cada música, cada livro seu nos remontam à história do Brasil; mas a história não contada nos livros oficiais. E sim a história da classe trabalhadora contra os sistemas opressores do trabalho como o escravismo e o capitalismo.
Amado por uma legião de fãs, suas centenas de canções e sua literatura retratam o cotidiano da alma mais profunda do país. Sempre rigoroso com o seu trabalho, nunca esperou sentado que a liberdade chegasse até todos os paralelepípedos de todas as cidades se arrepiarem de tanta emoção com cada acorde, cada rima, cada palavra cantada ou escrita.
Não bastasse suas poesias cantadas, grande parte clássicos da música popular brasileira, Chico se tornou um dos escritores mais importantes do país. “No futuro, talvez Chico Buarque de Holanda venha a ser reconhecido mais como escritor do que como o fantástico músico que é. Os poemas de suas canções já bastariam para colocá-lo entre os mestres da língua portuguesa. Com Leite Derramado, ele se equipara aos grandes prosadores do idioma, não só no bordado cuidadoso das palavras e das frases, mas sobretudo na arquitetura da obra”, escreveu José Carlos Ruy (1950-2021) em sua crítica a esse quarto romance de Chico Buarque. E isso não é pouca coisa.
Por isso, reafirmo que não seria estranho se Chico Buarque fosse agraciado com o Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra. Assim como ganhou o importante Prêmio Camões, em 2019; que, aliás, só veio a receber em 2023, com Lula de volta à Presidência.
Ele canta e encanta como poucos. É um verdadeiro mestre das palavras da língua falada no Brasil. Cada livro novo que publica, cada disco que lança, apresentam sempre a novidade do sentimento do Brasil. Mas do Brasil que sonha e mostra a vontade de viver, de amar, de ser feliz, de ter trabalho decente, vida digna com resiliência e inteligência. O Brasil dos sonhos de quem acredita no futuro da humanidade. Sem discriminações, sem opressões, sem exploração do homem pelo homem. Assim como da mulher seja no trabalho doméstico sem remuneração, que dá lucro ao capital, seja em toda a vida.
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