5ª Conferência de CTI aponta o papel do Estado no desenvolvimento científico e tecnológico
Cezar Xavier/www.pcdob.org.br
A 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação destacou a importância do papel do Estado como facilitador e financiador de iniciativas essenciais para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Investimentos públicos em pesquisa e inovação são fundamentais para superar desafios estruturais e promover avanços em diversas áreas, como saúde, agricultura e energia. Políticas públicas que incentivam a colaboração entre universidades, centros de pesquisa e a indústria são cruciais para transformar o conhecimento em inovação prática. Além disso, o Estado deve garantir um ambiente regulatório favorável e fornecer incentivos para estimular o setor privado.
A sessão plenária desta última manhã de conferência teve início com a presença da ministra de Estado da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos. Os palestrantes desta plenária incluíram Alexandre Colares, secretário de governança e gestão estratégica da Advocacia Geral da União, representando o ministro da AGU, Jorge Messias, e Cristina Mori, ministra substituta do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Participando online, houve a contribuição de Mariana Mazzucato, professora da University College London e diretora fundadora do Institute for Innovation and Public Purpose. Entre os debatedores estavam Álvaro Prata, da Embrapii, e Francilene Garcia, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Importância da competência governamental
Fernanda De Negri, diretora de estudos setoriais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), moderou a mesa de debate destacando a complexidade e a importância do papel do Estado no desenvolvimento científico e tecnológico. Ela ressaltou que esta é uma das questões mais debatidas entre os economistas, especialmente no que diz respeito ao tamanho e à organização do Estado. “O mercado por si só gera e perpetua desigualdades e pode causar impactos ambientais prejudiciais para a sociedade, as chamadas externalidades. Além disso, o mercado tende a gerar subinvestimento em pesquisa e desenvolvimento, não promovendo o desenvolvimento econômico necessário”, observou ela.
Fernanda destacou que, embora o mercado tenha suas falhas, o governo também não está imune a erros, seja através de escolhas equivocadas ou promovendo ineficiências alocativas. “Discutir qual é o Estado que queremos e que é necessário para o desenvolvimento tecnológico é de suma importância”, afirmou.
De Negri enfatizou a necessidade de competências na estrutura de governo para definir focos e prioridades, bem como para desenhar e avaliar políticas públicas eficazes. “Para construir políticas que aprimorem o desenvolvimento científico e tecnológico, é essencial ter competências dentro do Estado”, disse.
Desafios contemporâneos e a Nova Indústria Brasil
A ministra do Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, fez um discurso, destacando a importância da ciência e tecnologia para o desenvolvimento do Brasil. A ministra ressaltou os desafios e as oportunidades no novo ciclo político do país sob a liderança do presidente Lula.
A ministra destacou a necessidade de um projeto nacional de desenvolvimento que responda aos desafios contemporâneos. Ela mencionou a importância de criar uma gestão eficiente da produção do conhecimento, com foco em ciência aberta e compartilhamento de patentes. “O Brasil deve caminhar cada vez mais na direção de ter um marco legal que contemple essas variáveis, impactantes na vida de quem produz ciência”, afirmou.
Luciana Santos enfatizou o papel decisivo da Embrapii e outras iniciativas como a Nova Indústria Brasil (NIB), um esforço de convergência de vários ministérios sob a liderança do vice-presidente da república. “Não é possível nos conformarmos com o grau de desindustrialização que vive o Brasil. Precisamos de uma agenda arrojada de industrialização baseada em novas bases tecnológicas”, destacou.
A ministra abordou a questão do financiamento e a necessidade de marcos legais que suportem a ciência e a inovação. Ela mencionou os esforços da FINEP, que participa com 51 bilhões de reais em créditos e recursos não reembolsáveis, e destacou a importância dos parques tecnológicos e do Plano de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria de Semicondutores (PADIS).
Luciana Santos expressou otimismo quanto ao futuro da ciência e tecnologia no Brasil. Ela acredita que as iniciativas atuais, combinadas com o Plano de Aceleração do Crescimento, elevarão o patamar de qualidade de vida e desenvolvimento do país. “Somos um país continental, com vocações inigualáveis e um grande acúmulo de conhecimento. Estamos no rumo certo para tornar o Brasil mais próspero e inclusivo”, concluiu.
O papel do Estado e as missões na inovação
Mariana Mazzucato, professora da University College London e diretora fundadora do Institute for Innovation and Public Purpose, apresentou uma palestra sobre o papel do Estado na inovação e o conceito de missões para o desenvolvimento tecnológico. Mariana enfatizou a importância de uma abordagem coletiva e colaborativa entre o setor público, o setor privado e a sociedade civil para enfrentar os desafios globais.
Mariana relatou sua recente visita ao Brasil, onde participou do G20 e de um encontro no INVES, organizado pela ministra Esther Dweck do Ministério da Gestão e da Inovação (MGI). Ela destacou a necessidade de reivindicar o papel do Estado e promover uma inteligência coletiva para enfrentar os desafios climáticos, dos sistemas de saúde, alimentação e fome. “Todos esses desafios exigem a colaboração do setor público, setor privado e sociedade civil, incluindo os sindicatos, para garantir transições justas e que ninguém seja deixado para trás”, afirmou.
Mariana discutiu a importância das estruturas de governança e da capacidade organizacional para fomentar inovações. Ela ressaltou que as parcerias público-privadas devem ser simbióticas e mutualísticas, evitando relações parasíticas. “Precisamos aprender com os melhores exemplos de parcerias eficazes e evitar os erros do passado”, disse ela, referindo-se à importância de uma estrutura governamental que apoie efetivamente essas colaborações.
Durante a pandemia de covid-19, Mariana destacou a falha global em vacinar o mundo, chamando atenção para o “apartheid da vacina” descrito pela OMS. Ela citou o exemplo da vacina AstraZeneca, desenvolvida em colaboração com a Universidade de Oxford, uma instituição pública, que priorizou o compartilhamento de conhecimento e preços acessíveis. “Este é um modelo de negociação que devemos definir em nosso ecossistema, especialmente na saúde, onde muitos recursos vêm de investimentos públicos”, destacou.
Mariana também abordou a baixa taxa de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) por parte das empresas no Brasil, que representa apenas 1,5% do PIB. Ela enfatizou a necessidade de aumentar essa taxa para níveis comparáveis aos de outros países da OCDE. “As parcerias público-privadas devem garantir que o setor empresarial também faça sua parte, investindo em P&D para transformar a cadeia de fornecimento em setores como agronegócio, aeroespacial, automotivo e metalúrgico”, afirmou.
Mariana propôs uma abordagem de economia política orientada por missões, que envolva todos os ministérios, não apenas o de Ciência e Tecnologia, mas também Saúde, Fazenda e outros. “As missões devem fazer com que todos saiam de suas zonas de conforto e trabalhem em conjunto para atingir objetivos comuns”, afirmou ela. “Só alcançaremos uma economia inovadora, sustentável e inclusiva se seguirmos esse caminho.”
Papel do Estado no desenvolvimento científico e tecnológico
Alexandre Colares, secretário de Governança e Gestão Estratégica da Advocacia Geral da União (AGU), proferiu uma palestra enfatizando a importância da ciência e da tecnologia no desenvolvimento sustentável do Brasil.
Colares ressaltou a necessidade de contextualizar o momento atual vivido no Brasil e no mundo, marcado pela emergência de uma sociedade de risco global. Ele destacou os riscos financeiros, digitais, sanitários e ambientais que estruturam a vida social contemporânea. Segundo ele, esses riscos são diferentes das crises passadas porque são consequência de intervenções humanas, sendo impossíveis de prever, conter ou compensar.
Ele mencionou que, no contexto atual, a tríade Estado, Ciência e Mercado enfrenta desafios inéditos, pois essas instituições são vistas não apenas como gestores de riscos, mas também como fontes desses riscos. A ideologia dos mercados perfeitos foi abalada pela crise financeira de 2008, enquanto a ciência enfrentou críticas devido a acidentes nucleares e à pandemia da covid-19. Apesar das críticas, Colares argumentou que a ciência ainda tem muito a oferecer na gestão dos riscos globais, desde que seja uma ciência democrática e aberta ao diálogo com outros saberes.
Colares defendeu a necessidade de um Estado resiliente e empreendedor, que possa responder de forma ágil e eficiente às crises imprevisíveis. Ele destacou a importância de um Estado estratégico, comprometido com o desenvolvimento, e que deve assumir o papel de tomador de riscos na ciência experimental. Ele argumentou que o processo de inovação é incerto e que o Estado deve financiar essa incerteza de forma permanente, em parceria com o setor privado.
O secretário citou exemplos históricos do papel do Estado no desenvolvimento tecnológico, como a invenção da escrita na antiga Mesopotâmia e a criação de tecnologias modernas como a internet e a nanotecnologia. Ele destacou que, no Brasil, inovações como o PIX e a urna eletrônica vieram do setor público, e que empresas estatais como a Petrobras são líderes em pesquisa e desenvolvimento.
Colares também abordou a importância das alianças entre academia e empresas, e mencionou a política de ciência, tecnologia e inovação que fomenta essas parcerias. Ele destacou a necessidade de decisões políticas baseadas em evidências científicas e criticou a negação da ciência observada no governo anterior, afirmando que a ciência é fundamental para a formulação de políticas públicas sustentáveis e socialmente justas.
Ele mencionou várias iniciativas da AGU para fortalecer a segurança jurídica na implementação de inovações, como a criação do Laboratório de Inovação da AGU (LABORI) e a modernização das diretrizes para o fomento à pesquisa científica. Colares enfatizou que a AGU tem redirecionado seu posicionamento para contribuir de maneira eficaz para a construção de um Estado eficiente, resiliente e empreendedor.
Concluindo, Colares destacou a importância de uma política de Estado para a ciência brasileira, independente de governos mais à direita ou à esquerda. Ele lembrou que o apoio à ciência no Brasil tem uma longa tradição, citando o CNPq e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, e criticou os retrocessos observados entre 2018 e 2022. Colares finalizou com um apelo por um Estado forte, resiliente e comprometido com a inovação.
Burocracia que inibe o avanço científico e tecnológico
Cristina Mori, secretária executiva do Ministério da Gestão e Inovação (MGI) e ministra interina da pasta, proferiu uma palestra destacando a relevância do tema para todos os eixos temáticos discutidos na conferência, enfatizando a necessidade de recuperação, expansão e consolidação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI). Ela também mencionou a importância da reindustrialização e da inovação nas empresas, bem como a aplicação de ciência e tecnologia em programas estratégicos nacionais e no desenvolvimento social.
A secretária reforçou o chamado do presidente Lula, feito na abertura da conferência, para que o Brasil dê um passo além na reconstrução do Estado, especialmente nas áreas de ciência e tecnologia, que sofreram severos ataques nos últimos anos. Cristina enfatizou a necessidade de um Estado resiliente e responsivo, capaz de superar a burocracia e as dificuldades que inibem o avanço científico e tecnológico.
Ela mencionou que a Estratégia Nacional de Ciências Tecnológicas e Inovação está sendo formulada, destacando a importância do Estado na promoção do desenvolvimento econômico e social. “A ideia de um Estado mínimo é uma falácia”, afirmou Cristina, destacando que até mesmo potências mundiais como os Estados Unidos dependem de um forte apoio estatal para o desenvolvimento científico e tecnológico.
A secretária também discutiu as transições ecológica e digital, enfatizando a necessidade de processos inclusivos que não deixem ninguém para trás. Ela destacou que as mudanças climáticas e a transformação digital afetam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis, e que é crucial garantir que essas transições sejam justas e equitativas.
Cristina falou sobre a importância de integrar conhecimentos tradicionais e acadêmicos, reconhecendo o valor dos saberes das comunidades periféricas e dos povos tradicionais. Ela ressaltou que o diálogo entre ciência e esses saberes é essencial para compreender a realidade brasileira e promover políticas públicas eficazes.
A secretária destacou a necessidade de um Estado forte e presente, especialmente em tempos de crise, e mencionou as recentes iniciativas do governo, como a Aliança Global contra a Fome, lançada pelo presidente Lula. Ela também falou sobre o desenvolvimento de um plano brasileiro de inteligência artificial, que visa garantir que os benefícios dessa tecnologia sejam compartilhados por todos.
Cristina concluiu falando sobre a importância da gestão pública eficiente e inclusiva. Ela mencionou a retomada de concursos públicos, a promoção de ações afirmativas e a busca por maior diversidade nas instituições públicas. A secretária destacou que a gestão é fundamental para que as políticas públicas tenham impacto positivo na vida das pessoas. Ela reforçou a importância de um Estado proativo, inclusivo e resiliente.
Urgências e fragilidades do Brasil
O debate final destacou a importância de um Estado atuante e eficiente para impulsionar esse setor. A necessidade de abordar questões emergenciais, como desigualdades sociais e saneamento básico e a realidade de 35 milhões de brasileiros sem acesso à água potável, são problemas mencionados que exigem urgência. O coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda, é alarmante no Brasil, refletindo a necessidade de ações imediatas para resolver essas desigualdades.
Além das emergências, o Brasil deve explorar suas vantagens comparativas para se destacar globalmente. A ministra Luciana Santos enfatizou a importância da reindustrialização, destacando a capacidade do país de produzir desde itens básicos até aeronaves. No entanto, a participação da indústria no PIB tem diminuído, o que é considerado injustificável por Prata.
Há a necessidade de formalizar o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI). Embora seja um sistema maduro e eficaz, ele ainda carece de regulamentação formal que organize suas competências e interações. A Embrapii, por exemplo, precisa saber como se relacionar com instituições como a FINEP e o BNDES para maximizar sua eficácia.
A formação de gestores é crucial para a transformação do Estado. Além disso, a soberania digital é uma preocupação crescente, com esforços para criar uma nuvem soberana e infraestrutura de dados nacional que assegurem a independência tecnológica do Brasil.
Representantes dos povos indígenas ressaltaram a exclusão histórica dessas comunidades dos processos de desenvolvimento. O governo tem tomado medidas para incluir indígenas em posições-chave, como na FUNAI, e garantir que suas perspectivas sejam consideradas na formulação de políticas públicas.
O debate destacou a necessidade de um Estado presente, atuante e indutor, que promova o bem-estar e a qualidade de vida de todos os brasileiros. A formalização e organização do SNCTI, a reindustrialização, a formação de gestores e a inclusão de todos os segmentos da sociedade são passos essenciais para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil.
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