16 junho 2025

Uma crônica de Cícero Belmar

Formigas apenas sussurram
Cícero Belmar 

Duas ou três coisas fundamentais sobre formigas, que acabo de descobrir, enquanto espero a minha vez de ser atendido pela gerente do banco: a primeira é que elas, como a vida, são silenciosas e indefesas. Há um destino que se faz certo, por linhas tortas. Quando a gente menos espera, já passaram.

Mas, para que servem revelações sobre formigas? O que eu venha a descobrir sobre elas não terá importância alguma para os objetivos da humanidade. Aliás, esta é outra evidência, tão fundamental quanto prosaica, as formigas não têm humanidade.


Antes de tudo, porém, é preciso dizer que esta história começou por acaso. Sentado, à espera do atendimento da gerente do banco, restavam-me algumas opções, com a ficha de número AP 3004, na mão. Uma, seria mergulhar no mundo virtual do celular, ler as mensagens, como aprendemos a fazer; a outra, fechar os olhos e contar até um milhão. Esperar é suspender a vida temporariamente.

Havia uma terceira alternativa, desviar o olhar para a parede monótona e cinza, decorada com propagandas. Foi o que fiz, olhei para os cartazes e vi as formigas passeando ao lado, na parede, sem tomar conhecimento de que eu as observava. Olho para os insetos e chego à difícil conclusão de que eles, definitivamente, não precisam de nós para nada.

Juro que estava – e continuo – absolutamente sóbrio, gozando de minhas faculdades mentais, intelectuais e de discernimento. Formigas são seres curiosos, concluo, enquanto as vejo caminhar enfileiradas, obstinadas, seguindo uma lógica que somente elas mesmas podem compreender.

Penso numa frase-feita, estilo B, que cai como uma luva para os insetos: “Meu caminho é aquele que faço com os meus pés”. Realmente não deu para eu ver as patinhas das formigas, minha vista anda cansada de realidades. Mas é certo que elas desenham um percurso, enquanto cruzam linhas invisíveis em seus itinerários.

Como elas sabem para onde vão? Na linha que traçam, seguem umas atrás das outras, algumas saem da fila, no fluxo contrário, mas sem atrapalhar o curso regular. Parecem encontrar-se com as outras, quando aproveitam para cochichar coisas de formigas, segredos de chip, cicio em escala atômica. Apenas sussurram.

Por um momento, fico perplexo, ao chegar àquela conclusão de que elas não precisam de nós para viver. Não precisam para nada. Talvez para morrer. Eis aqui outra descoberta: elas são uma coisa à parte do nosso mundo, não precisam de nossa linguagem, dos nossos sentimentos, da nossa razão.

Seria essa uma grande questão metafísica? É nisso que dá ficar olhando formigas, viajando em inutilidades absolutas, enquanto tomo chá de espera e de cadeira. Olhar formigueiro dá pano para mangas. Vai ver que foi por isso que inventaram o celular: para não perdermos tempo com formigueiros desconcertantes.

O painel luminoso e sonoro me chama para o mundo real. Ficha AP 3004, para a mesa 01. O problema, agora, é mais pragmático do que possa supor minha vã filosofia: meu cartão precisa ser desbloqueado com urgência para eu pagar as minhas contas.

[Ilustração: Pieter Cornelis Mondriaan]

Leia: Abraham B. Sicsú escreve sobre polarização e intolerância nas relações humanas https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/uma-cronica-de-abraham-b-sicsu_14.html

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