Formigas
apenas sussurram
Cícero Belmar
Duas ou três coisas fundamentais sobre
formigas, que acabo de descobrir, enquanto espero a minha vez de ser atendido
pela gerente do banco: a primeira é que elas, como a vida, são silenciosas e
indefesas. Há um destino que se faz certo, por linhas tortas. Quando a gente
menos espera, já passaram.
Mas, para que servem revelações sobre formigas? O que eu venha a descobrir sobre elas não terá importância alguma para os objetivos da humanidade. Aliás, esta é outra evidência, tão fundamental quanto prosaica, as formigas não têm humanidade.
Antes de
tudo, porém, é preciso dizer que esta história começou por acaso. Sentado, à
espera do atendimento da gerente do banco, restavam-me algumas opções, com a
ficha de número AP 3004, na mão. Uma, seria mergulhar no mundo virtual do
celular, ler as mensagens, como aprendemos a fazer; a outra, fechar os olhos e
contar até um milhão. Esperar é suspender a vida temporariamente.
Havia uma
terceira alternativa, desviar o olhar para a parede monótona e cinza, decorada
com propagandas. Foi o que fiz, olhei para os cartazes e vi as formigas
passeando ao lado, na parede, sem tomar conhecimento de que eu as observava.
Olho para os insetos e chego à difícil conclusão de que eles, definitivamente,
não precisam de nós para nada.
Juro que estava
– e continuo – absolutamente sóbrio, gozando de minhas faculdades mentais,
intelectuais e de discernimento. Formigas são seres curiosos, concluo, enquanto
as vejo caminhar enfileiradas, obstinadas, seguindo uma lógica que somente elas
mesmas podem compreender.
Penso numa
frase-feita, estilo B, que cai como uma luva para os insetos: “Meu caminho é
aquele que faço com os meus pés”. Realmente não deu para eu ver as patinhas das
formigas, minha vista anda cansada de realidades. Mas é certo que elas desenham
um percurso, enquanto cruzam linhas invisíveis em seus itinerários.
Como elas
sabem para onde vão? Na linha que traçam, seguem umas atrás das outras, algumas
saem da fila, no fluxo contrário, mas sem atrapalhar o curso regular. Parecem
encontrar-se com as outras, quando aproveitam para cochichar coisas de
formigas, segredos de chip, cicio em escala atômica. Apenas sussurram.
Por um
momento, fico perplexo, ao chegar àquela conclusão de que elas não precisam de
nós para viver. Não precisam para nada. Talvez para morrer. Eis aqui outra
descoberta: elas são uma coisa à parte do nosso mundo, não precisam de nossa
linguagem, dos nossos sentimentos, da nossa razão.
Seria essa
uma grande questão metafísica? É nisso que dá ficar olhando formigas, viajando
em inutilidades absolutas, enquanto tomo chá de espera e de cadeira. Olhar
formigueiro dá pano para mangas. Vai ver que foi por isso que inventaram o
celular: para não perdermos tempo com formigueiros desconcertantes.
O painel luminoso e sonoro me chama para o mundo real. Ficha AP 3004, para a mesa 01. O problema, agora, é mais pragmático do que possa supor minha vã filosofia: meu cartão precisa ser desbloqueado com urgência para eu pagar as minhas contas.
[Ilustração: Pieter Cornelis Mondriaan]
Leia: Abraham B. Sicsú escreve sobre polarização e intolerância nas relações humanas https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/uma-cronica-de-abraham-b-sicsu_14.html
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