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10 junho 2025
Viagem à França
O que o Brasil ganha com viagem de Lula à França?
Segundo Lula, muitos o questionam sobre
seus gastos nos giros internacionais. Mas na França, ele defendeu que têm
valido a pena.
"Eu não sei quanto estou
gastando porque não cuido disso. Mas sei o quanto estou levando de volta para o
Brasil", afirmou em uma coletiva de imprensa no sábado (7/6) em Paris.
Mas afinal, o que a ida à
França trouxe de ganhos ao governo e ao Brasil? E quais foram os pontos de
destaque da viagem?
"Eu não sei quanto
estou gastando porque não cuido disso. Mas sei o quanto estou levando de volta
para o Brasil", afirmou em uma coletiva de imprensa no sábado (7/6) em
Paris.
"O Brasil precisa
deixar de ser pequeno. O Brasil precisa se colocar como um país grande. Os
nossos embaixadores têm que pensar grande. A gente não é menor nem inferior do
que ninguém", argumentou.
Mas afinal, o que a ida à
França trouxe de ganhos ao governo e ao Brasil? E quais foram os pontos de
destaque da viagem?
Acordo UE-Mercosul
O tópico que dominou a
passagem de Lula pela França foi a negociação sobre o acordo
entre União Europeia (UE) e Mercosul.
O tema é o grande
calcanhar de Aquiles da relação entre Lula e Emmanuel
Macron, presidente da França.
O avanço das negociações
para colocar o tratado em vigor é tema prioritário da política externa de Lula,
mas encontra uma clara objeção por parte do governo de Macron — que comanda
hoje a segunda maior economia da UE.
O acordo foi assinado no
final do ano passado, mas ainda precisa ser ratificado pelo Parlamento Europeu
e os legislativos de cada país de ambos os blocos.
A oposição francesa se
deve principalmente à forte objeção de produtores agrícolas. O setor alega que
a entrada em vigor do tratado colocaria em risco milhares de empregos ao abrir
as portas do mercado francês a produtos agrícolas produzidos sem os mesmos
padrões de qualidade ambiental e sanitários exigidos dos fazendeiros franceses.
Durante o encontro entre
Lula e Macron no Palácio do Eliseu nesta semana, as discordâncias em torno do
tema foram mais uma vez expostas e não houve nenhum anúncio oficial sobre
avanço nas negociações.
Segundo o diplomata e
ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Barbosa, o governante francês não
mostra qualquer sinal de flexibilização da sua posição.
"O que Lula vem
fazendo é tentar evitar que o Macron e a França tenham uma ação militantes contra
o acordo", diz. "E acho que ele vai conseguir. Creio que o país vai
continuar se opondo, mas sem agir como um ativista contra."
Para Andreza Aruska,
diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford,
independentemente da posição francesa, a aproximação comercial entre os dois
países é necessária no momento atual, ainda que haja discordâncias.
A especialista explica que
os Estados Unidos são um grande parceiro para o Brasil e o Mercosul, mas também
para a Europa. E, diante da aplicação de novas tarifas pelo governo de Donald
Trump, todos precisam buscar alternativas para negócios.
"O fato da Europa
também estar buscando novos parceiros pode alavancar o acordo União Europeia e
Mercosul", diz. "Mas a verdade é que a objeção da França vai muito
além da dificuldade de cumprimento das regras sanitárias ou ambientais. Mesmo
se o Brasil se adequasse, ainda haveria o protecionismo."
Durante a visita de Estado
de Lula à França também aconteceu o Fórum Econômico França-Brasil, organizado
pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
(ApexBrasil).
Durante o evento,
empresários e investidores de ambos os países tiveram a oportunidade de se
reunir e discutir novas oportunidades.
Nesse contexto, um grupo
de empresários franceses se
comprometeram a investir R$ 100 bilhões no Brasil até 2030 durante
uma reunião privada com Lula.
Segundo Jorge Viana,
presidente da organização, um dos empresários presentes na reunião com o
presidente foi Jean-Pierre Clamadieu, presidente do conselho de administração
da Engie, multinacional francesa do setor de energia. Ele também integra o
conselho da Business France, basicamente uma versão francesa da Apex.
Entre os organizadores
brasileiros do evento, o clima foi de comemoração e expectativa após o anúncio.
Os especialistas
consultados pela BBC Brasil alertam, porém, que o anúncio é apenas uma "intenção
positiva".
"É preciso criar
condições para que essa intenção se concretiza. Mas tudo vai depender da
situação política e jurídica e da segurança politica no Brasil", pondera o
ex-embaixador Rubens Barbosa.
Segundo o diplomata, uma
mudança de governo nas próximas eleições brasileiras - e até a saída de Macron
da presidência - é também um fator que pode fazer com que os empresários
franceses oscilem em sua decisão de investir no país.
Lula também defendeu,
durante a sua passagem pela França, o estabelecimento de metas para o aumento
do fluxo comercial entre os países.
Atualmente, o comércio
entre os dois países é de US$ 9,1 bilhões, segundo dados de 2024.
"Vocês, empresários
franceses, e vocês, empresários brasileiros, tratem de trabalhar. Vamos sair
daqui lançando um plano de metas: nos próximos 10 anos vamos chegar a US$ 20
bilhões, e trabalhar para isso. Porque se não tiver plano de metas e a gente só
fizer as coisas quando a natureza permitir, não dá certo", disse o
presidente no evento com empresários.
Laura Trajber Waisbich,
diretora adjunta de programas do Instituto Igarapé, também avalia que é preciso
continuar trabalhando a parceria com a França para que as parcerias em
investimento e comércio se concretizem.
"Só o tempo dirá quais
dessas parcerias vão vingar e em quais contextos", diz. "Mas o
anúncio [da intenção de investir R$ 100 bilhões nos próximos cinco ano] já
mostra a vitalidade e as potencialidades dessa relação."
Em paralelo ao Fórum
Econômico França-Brasil, membros da delegação brasileira também comemoraram o
recebimento pelo Brasil do certificado de país livre de febre aftosa sem
vacinação pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA).
O reconhecimento pela OMSA
já havia sido concedido ao Brasil em maio, mas o certificado foi recebido
oficialmente por Lula e pelo ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro,
em uma cerimônia em Paris.
O título pode ajudar na
abertura de novos mercados internacionais para a carne brasileira, já que
alguns países compram apenas de locais com este status, de acordo com
associações do setor.
Brasil e França assinaram
ainda acordos bilaterais de cooperação para o desenvolvimento de vacinas e
produtos laboratoriais, envolvendo a Fiocruz e instituições francesas, como o
Instituto Pasteur.
"Creio que a viagem
valeu à pena", avalia Andreza Aruska, de Oxford.
Preparação para a COP30
A participação em eventos
ligados à sustentabilidade e ao meio-ambiente ocupou boa parte da agenda de
Lula na França.
Brasil e França assinaram
ato de comprometimento e cobrança para a aceleração da ação climática e uma
declaração de intenção para estabelecimento de um Corredor Marítimo Verde entre
os dois países, com o intuito de promover o transporte marítimo sustentável,
reduzir as emissões de gases de efeito estufa no setor e adotar tecnologias e
práticas inovadoras.
Após sua visita de Estado
em Paris, Lula discursou no domingo (8/6) na sessão de encerramento do Fórum de
Economia e Finanças Azuis, em Mônaco, dedicado à economia oceânica regenerativa
e sustentável.
Nesta segunda-feira, também
falou na Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3).
No evento em Mônaco, Lula
ressaltou a importância dos oceanos para a economia mundial e brasileira e
defendeu uma maior participação financeiras das nações mais ricas nos esforços
de conservação.
"Em 2024, países
ricos reduziram em 7% a Assistência Oficial ao Desenvolvimento. Suas despesas
militares, em contrapartida, cresceram 9,4%. Isso mostra que não falta
dinheiro. O que falta é disposição e compromisso político para financiar",
disse o presidente, em uma sessão em que também discursaram Emmanuel Macron e o
príncipe William, do Reino Unido.
Já na UNOC3, o brasileiro
defendeu que não se permita "que ocorra com o mar o que aconteceu no
comércio internacional", em referência à disputa tarifária iniciada pelo
governo americano de Donald Trump.
"Evitar que os
oceanos se tornem palco de disputas geopolíticas é uma tarefa urgente para a
construção da paz", disse Lula, que anunciou comprometido de ratificar,
ainda em 2025, o Tratado do Alto Mar, um acordo internacional que estende
várias proteções ambientais aos oceanos.
Para Laura Waisbich, a
participação nas conferências e até mesmo o diálogo com a França sobre o
meio-ambiente fazem parte de um esforço de articulação politica para fortalecer
o trabalho do Brasil como presidente da 30ª edição da Conferência das Nações
Unidas sobre o Clima (COP), que será realizada em novembro em Belém.
Segundo a pesquisadora, a
COP 30 ocorre em um contexto complexo diante da retirada dos Estados Unidos do
Acordo de Paris e uma onda de ceticismo em relação à capacidade do mundo de
cumprir suas metas ambientais. Por isso, afirma, trata-se de um desafio
internacional grande.
"A cooperação entre
França e Brasil na área de meio ambiente mostra que é possível transcender o
debate sobre polarização entre países do Sul e do Norte", diz.
"Existe uma dimensão de interesses divergentes, mas existem interesses
convergentes."
Cultura e segurança
Outros dois temas que
ganharam destaque na França foram a cooperação internacional nas áreas de
cultura, educação, segurança transfronteiriça e combate ao crime organizado.
Em 2025, celebra-se o Ano
Cultural Brasil-França 2025, uma iniciativa acordada entre Macron e Lula em
2023. A programação da temporada brasileira na França compreende diversas
atividades em diferentes cidades.
Como parte desse esforço,
os chefes de Estado de ambos os países visitaram a exposição do artista visual
carioca Ernesto Neto apresentou sua obra, em cartaz no Grand Palais, em Paris.
Os dois governos também
assinaram em Paris ato que atualiza e amplia as colaborações culturais entre os
dois países.
Além disso, Lula recebeu
homenagem da Academia Francesa e o título de Doutor Honoris Causa da
Universidade Paris 8, localizada em Saint-Denis, na periferia da capital
francesa.
"Geralmente no Brasil
valorizamos primeiro o lado comercial e só depois o cultural, mas nessa viagem
se deu muita ênfase a esse setor", avalia Rubens Barbosa.
Já em termos de segurança,
o destaque ficou para o anúncio sobre a intenção de reforçar o trabalho de
cooperação para proteger a floresta e lutar contra o garimpo ilegal e o tráfico
de seres humanos na fronteira entre Amapá e Guiana Francesa.
O governo Macron também
anunciou o fim a obrigatoriedade do visto para entrada de brasileiros na Guiana
Francesa por um período de teste.
"A agenda em torno da
segurança transfronteiriça tem pouca visibilidade, mas é muito
importante", destaca Trajber Waisbich, do Instituto Igarapé, citando
especialmente as dificuldades brasileiras em combater o garimpo ilegal na
região amazônica.
Também foram anunciados
memorandos de entendimento entre a Polícia Federal do Brasil e a Gendarmeria
Nacional da França e contratos referentes à próxima fase da parceria entre
Brasil e França para construção de submarinos.
A última parada do
presidente Lula na França também foi dedicado ao tema da segurança. Em Lyon,
antes de embarcar de volta para o Brasil, o chefe de Estado brasileiro visitou
a sede da Interpol nesta segunda.
Desde novembro de 2024, a
Interpol é comandada pelo delegado da Polícia Federal (PF) Valdecy Urquiza. Ele
é o primeiro representante de um país em desenvolvimento a ocupar esse cargo
nos 100 anos de existência da organização.
Durante a visita de Lula,
o Brasil e a Interpol assinaram uma declaração de intenção para ampliar as
possibilidades de colaboração e viabilizar novas operações conjuntas.
Mas para o ex-embaixador
Rubens Barbosa, a passagem do presidente brasileiro pela organização é muito
mais uma "cortesia" em relação ao novo secretário brasileiro do que
um sinal relevante de ampliação da cooperação ou protagonismo do Brasil no tema
de segurança internacional.
"Não é importante, é
só um detalhe da viagem", classificou o diplomata.
Gaza e Ucrânia
Em seus discursos e
declarações à imprensa durante passagem pela França, Lula também fez
referências a dois dos maiores conflitos armados atuais: a guerra em Gaza e as
disputas entre Rússia e Ucrânia.
Sobre a atual situação do
território palestino, o presidente brasileiro manteve sua posição crítica à
atuação de Israel e a falta de ação de outros países e organismos
internacionais diante da crise.
"Eu fico pasmo com o
silêncio do mundo. Me parece que não existe mais humanismo nas pessoas. 'Ah,
palestino pode morrer'. Palestino não é ser inferior. Palestino é gente como
nós. Ele tem o direito de ter o terreno dele, que foi demarcado em 1967 a área
que poderiam construir seu país e está sendo tomada a terra demarcada",
comentou o presidente na coletiva de imprensa realizada em Paris.
Na mesma conversa com
jornalistas, Lula foi questionado sobre o estado atual das negociações de paz
entre Rússia e Ucrânia e reiterou o apoio brasileiro a um cessar-fogo imediato.
"Eu, sinceramente,
acho que no subconsciente, ou melhor, no inconsciente de todos os líderes
políticos do mundo, todo mundo sabe o que vai acontecer. Todo mundo sabe que as
condições do acordo já estão colocadas. O que está faltando é coragem das
pessoas dizerem o que querem", disse o presidente brasileiro,
acrescentando que "é muito difícil quando você começa uma coisa, parar".
Lula foi interrogado sobre
o que exatamente crê que pode acontecer nas negociações, mas não detalhou sua
posição.
O presidente também foi
questionado sobre se uma negociação que termine com a Rússia em posse de
territórios ocupados na Ucrânia seria capaz de abrir precedentes perigosos.
Lula
respondeu que, na guerra, nem sempre todos saem da mesa de negociações
satisfeitos. "Ora, você está
numa guerra. Numa guerra, nem sempre acontece aquilo que a gente quer",
disse.
Para Andreza Aruska,
professora da Universidade de Oxford, as declarações tiveram um "peso
negativo na visita".
Segundo a especialista, se
Lula se referiu à perda de territórios pela Ucrânia como única solução para o
conflito, pode ter tocado em um ponto delicado para os europeus.
"É complicado porque
normaliza uma situação de ocupação que é muito complexa na Europa. O Brasil
está distante de uma ocupação russa, mas a França não tanto", diz.
Já Rubens Barbosa acredita
que, apesar das declarações, a posição do governo brasileiro segue estável e
focada na ideia da paz.
"O Brasil não se
manifesta sobre esses assuntos, fica neutro. É o presidente que tem se
manifestado", diz. "Temos que colocar isso em perspectiva."
Na foto, Lula e Macron
visitaram exposição no Grand Palais, em Paris
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