O perfeito final infeliz
Casablanca
não termina com um beijo entre Bogart e Ingrid. Mas não poderia ser de outra
forma
Ruy
Castro/Folha de S. Paulo
Há dias contei como meu amigo João Luiz de Albuquerque, inconformado com a sequência final de "Casablanca", usou cópias em VHS do clássico de 1942 e, numa ilha de edição, remontou-a como ele achava que devia ser. No filme original, Ingrid Bergman toma o avião salvador para Lisboa com seu marido, o ativista antifascista vivido por Paul Henreid, e os dois escapam dos nazistas em Casablanca. Esse voo só foi possível porque Humphrey Bogart, com quem ela vivera uma breve, mas arrebatadora história de amor ao som de "As Time Goes By", cedeu-lhes o visto que ele próprio ia usar para fugir. Na versão de João Luiz, o avião levanta voo, mas Ingrid surge na névoa do aeroporto e se joga nos braços de Bogart. Deixara o marido ir sozinho.
Hoje se sabe que a Warner, produtora do filme, também pensou nesse final. E por que não? Era como os espectadores gostariam que a história terminasse –com os amantes apaixonados ficando juntos, e o marido que fosse lamber sabão. Além disso, Bogart não era James Stewart ou Gary Cooper, que jamais fariam essa indignidade. Ao contrário, Bogart era sempre um herói com tintas de vilão. Mas nem com ele a Warner se atreveria a glorificar um sujeito que tomasse a mulher de outro homem.
E havia outro impedimento. No filme, Ingrid, como Ilsa, era casada com Victor Laszlo, interpretado por Henreid. Isso significava que ela "já tinha sido dele". E era muito raro que um herói de filme de Hollywood nos anos 1940 se unisse a uma mulher com "um passado". Nem se fosse viúva.
Filmar "Casablanca" foi um martírio para Ingrid. Os roteiristas não chegavam a um acordo sobre a história e a alteravam todo dia, atrasando a filmagem. E Ingrid já tinha outro compromisso, para ela mais importante e com data marcada para começar: o papel de Maria em "Por Quem os Sinos Dobram", uma superprodução da Paramount com Gary Cooper, baseada no romance de Ernest Hemingway.
Quase um século depois, é por "Casablanca" que Ingrid é lembrada. Mesmo com o final que ninguém queria.
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