Um milhão de amigos e a trena imaginária
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Se possível, um milhão de amigos. Amigos em diversas gradações: aqueles e aquelas com quem a gente guarda empatia e convergência em torno das coisas da vida, no trabalho, na vizinhança, no círculo familiar; e os mais próximos, amigos-irmãos que se fazem nossos confidentes ao longo da vida.
Afeição, simpatia, identidade e
ternura – sentimentos que se aproximam da cumplicidade e dão a medida do
tamanho da amizade que às vezes ultrapassa os chamados laços de sangue. “Puxa,
tantos anos sem nos vermos e parece que conversamos ontem!”
“A amizade é um amor que nunca
morre”, ensina o poeta Quintana. Porém tal como uma grande relação de amor,
amizades também perecem sob a pressão da competição egoísta ou do ciúme
mórbido. Esse amigo de vocês – que cultiva amizades como quem lapida uma pedra
preciosa – já provou o prazer da conquista de inúmeros amigos e amigas e também
experimentou o fel de amizades desfeitas. Ou, melhor dizendo, de falsas
amizades ilusórias.
A gente acredita na sinceridade da
palavra, na autenticidade do gesto; dialoga; troca experiências e ideias; soma
esforços numa mesma direção – e eis que o vírus da deslealdade corrói o que
parecia saudável. Chega o momento em que você repete Chico Buarque na bela
canção: “Olhos nos olhos,/Quero ver o que você faz/Ao sentir que sem você eu
passo bem demais...”.
Passadas décadas, a vida bem vivida me ensinou a
usar uma trena imaginária que me permite, por precaução, medir o tamanho das
amizades – para não ir tão longe com quem suscita dúvida ou para percorrer a
estrada larga da cumplicidade com quem inspira confiança.
A trena tem funcionado, com raros desvios. De muitos, aprendi a esperar
pouco e assim tem sido possível conviver harmonicamente. De uns poucos, espero
muito e tenho obtido mais ainda. Aqui e acolá alguém escapa ao crivo da trena e
me prega uma peça: envereda pela deslealdade e pela maledicência com o mesmo
ímpeto com que se esconde deixando o rabo visível. Resta seguir em frente,
deixando ao largo quem prefere outro caminho.
Mas a vida também tem ensinado a
buscar pacientemente as boas amizades, sem desistir diante do primeiro
desencontro. Aprendendo com Cora Coralina: “Se temos de esperar,/que seja para
colher a semente boa/que lançamos hoje no solo da vida./Se for para
semear,/então que seja para produzir/milhões de sorrisos,/de solidariedade e amizade.
Crônica publicada no Blog da revista
Algomais em dezembro de 2012
[Se comentar, identifique-se]
Leia "Ao tempo", poema de Dante Milano https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/palavra-de-poeta_7.html

Nenhum comentário:
Postar um comentário