27 dezembro 2025

Minha opinião

O ex-técnico pinguço e o carnaval televisivo
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65  

O mineiro Martim Francisco, técnico nos anos 40-60, notabilizou-se por introduzir o esquema tático 4-2-4, no Vasco da Gama, em 1956, conforme reza a lenda futebolística verde-amarela. Para protesto de alguns, que atribuem o feito ao paraguaio Fleitas Solich, então treinador do Flamengo. Pouco importa, pois a lembrança do mineiro de Ouro Preto vem ao caso apenas porque, num olhar breve sobre a cobertura do carnaval na TV, me veio à mente uma ocorrência do início dos anos 70, em Maceió.

- Que tem a ver o calcanhar com a cueca?, poderia arguir quem me lê nesse estante.

Explico. Já em fim de carreira – fim mesmo! -, que o volume diário de hidroxila consumido se encarregou de antecipar, Martin Francisco foi contratado pelo CSA das Alagoas, com grande repercussão nos jornais locais e nas resenhas radiofônicas. Seria a solução para as pelejas finais do campeonato estadual.

Seria, mas não foi: entre o copo e a cancha, o ex-técnico dava preferência insofismável ao primeiro. Foi dispensado, causando grande frustração à torcida alviazulina. E em mim também, que em plena militância clandestina, conferia tudo pelas ondas poderosas das rádios locais, empolgado com a vinda do mago da tática que levara o meu Vasco a vitórias memoráveis. Fiquei até torcedor do CSA por causa disso.

Mas a Rádio Gazeta não se deu por vencida. O pinguço ex-técnico, agora mais ex do que nunca, não estaria no banco do CSA, mas poderia se dirigir aos aficionados alagoanos convertido em comentarista.

Acontece que no intervalo entre o primeiro e o segundo tempo do clássico CSA x CRB, convidado a fazer uma observação complementar à análise do titular da matéria (não me lembro quem era), ouviu-se prolongado silêncio, uns soluços hic, hic típicos de quem já havia enchido a lata, até que o astro convidado fez o definitivo comentário, quase monossilábico: “Falta o dedo de um técnico, hic!” – sem se dar ao trabalho de explicar de qual técnico, se do esquadrão azul e branco ou do seu oponente alvirrubro, nem exatamente onde, taticamente, o tal dedo deveria ser colocado... E nada mais disse, nem foi perguntado.

Bom, e que isso tem a ver com a cobertura televisiva do carnaval? Tudo a ver, como no slogan da Globo. Nunca vi comentaristas tão pobres de ideias e tão pueris em suas conservações! “A turma está animada”, “A escola mostrou que tem dinheiro e soube gastar”, “As fantasias são impressionantes” e que tais. Análise que é bom, necas!

Para completar, repórteres de rua (é assim que se chama?), com raras exceções, se excederam na inglória arte de perguntar o óbvio ou ignorar as mais legítimas e fascinantes expressões de nossa cultura.

A cada pergunta imprópria, me vinguei imaginando respostas na mesma moeda: “Você desfila por que gosta?” (Não senhora, estou aqui por penitência), “Sua fantasia está pesada?” (Nada disso, esse boneco gigante é leve feito uma pluma, quer experimentar?), “Muito calor ou você nem sente?” (Sinto nada, são quase 40 graus, mas estou morrendo de frio) e assim por diante.

Claro que mudei de canais (a bem da verdade, o festival de mediocridade não foi uma exclusividade da Globo, a concorrência marcou firme na mesma toada).

Ora, se é mesmo para desinformar – como se faz diariamente em matéria de política, economia e quejandos -, por que no carnaval seria diferente? Ainda bem que o povo faz a festa sem precisar da reportagem televisiva. Nem do dedo de um técnico para explicar a fantasia e a algazarra.

Crônica publicada no portal Vermelho www.vermelho.org.br e no Jornal da Besta Fubana, fevereiro de 2013

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Leia: “Sala de espera", uma crônica de Luis Fernando Veríssimo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/uma-cronica-de-luis-fernando-verissimo.html 

Presença de Vinícius

Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale/Por um momento, que não me chame...”

Vinícius de Moraes 

As palavras e suas artimanhas https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/11/minha-opiniao_61.html 

Uma crônica de Ruy Castro

Alimentando o monstro que me destruirá
Surpreso, acabo de saber que a Wikipédia me aposentou como biógrafo. Mas o que seria dela sem a miríade de informações que chupa alegremente dos biógrafos e historiadores?
Ruy Castro/Folha de S. Paulo   

Artigo recente num site a respeito da produção de biografias afirma que, em vista da tecnologia, os biógrafos terão de procurar novas maneiras de trabalhar se quiserem continuar a ter leitores. De repente, vejo-me citado: "Até há pouco, quem quisesse saber sobre a vida da Carmen Miranda teria de ler o livro do Ruy Castro ["Carmen, Uma Biografia"]. Hoje temos a Wikipédia". Epa! Sem saber, eu fora aposentado pela Wikipédia! Que chato! E logo agora que ainda me via com anos de trabalho pela frente! Conformado, calce i as pantufas, sentei-me na cadeira de balanço, estendi uma manta sobre as pernas e fui à dita Wikipédia para aprender sobre Carmen Miranda.
 

O verbete de Carmen na Wikipédia tem nada menos que 34 telas. Fui brindado com duas generosas menções ao meu livro, o que achei justo —ou ele teria de se referir a mim em pelo menos metade das linhas. Dele constam informações que levantei sobre Carmen até então nunca publicadas —sua infância na Lapa, seus namorados, as pessoas que a ajudaram a deslanchar como cantora e detalhes íntimos sobre suas dependências químicas.

Ainda me lembro de como foi difícil chegar a elas nos cinco anos de trabalho que o livro me tomou, envolvendo mais de 250 informantes e colaboradores. Hoje este livro não poderia ser feito, porque 100% das pessoas que conviveram com Carmen e com quem falei entre 2000 e 2005 já morreram. E não me consta que a tão reputada Wikipédia tenha a capacidade de ressuscitar fontes.

Aliás, pergunto-me como seria a Wikipédia sem a miríade de informações a custo levantadas pelos biógrafos e historiadores, os quais, tendo suas obras publicadas, veem essas informações tornadas públicas e, daí, aptas a serem alegremente chupadas por ela e servidas ao público à revelia deles.

"Carmen, Uma Biografia" não é o meu único livro a abastecer verbetes da Wikipédia —Wikipédia esta que não me serviu de muita coisa quando eu os estava escrevendo. No fundo, é como se eu estivesse alimentando o monstro que me destruirá.

[Qual a sua opinião?]

Leia: "Onça, câncer e comunismo" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/12/minha-opiniao_11.html 

Humor de resistência

 

Miguel Paiva

Leia: Sempre na superfície maledicente https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/12/minha-opiniao_22.html 

Fator de conflito na Ásia

A ascensão do "neomilitarismo" no Japão 
Global Times 


Na sexta-feira, o gabinete japonês aprovou o orçamento de defesa para o ano fiscal de 2026, totalizando 9,0353 trilhões de ienes (US$ 57,8 bilhões), quebrando mais uma vez recordes históricos. Isso marca o 14º ano consecutivo de aumento nos gastos militares japone ses. Os 9 trilhões de ienes representam apenas o orçamento inicial; até o final de 2025, com as despesas relacionadas e os fundos orçamentários suplementares, o gasto total com defesa do Japão chegará a aproximadamente 11 trilhões de ienes, o que corresponde a 2% do PIB. Esse orçamento de defesa recorde não é um fenômeno isolado, mas sim uma manifestação concentrada da série de ações militares agressivas do Japão nos últimos anos. Uma pergunta se impõe: o Japão está caminhando para o "neomilitarismo".

Essa proposta orçamentária combativa se assemelha mais a um "aviso de condição crítica" para o pacifismo japonês do pós-guerra. Isso significa que o Japão está sistematicamente revogando seu princípio de "defesa exclusi vamente defensiva", minando as restrições substantivas do Artigo 9 da "constituição pacifista" e acelerando sua transformação em uma "nação com capacidade bélica". Nos últimos anos, o Japão tem pressionado por um aumento na proporção dos gastos com defesa em relação ao PIB. Uma característica notável de sua estrutura orçamentária é sua natureza altamente agressiva, com os recursos recém-adicionados sendo concentrados em capacidades de ataque de longo alcance, fortalecimento do poder naval e aéreo, sistemas de combate não tripulados e implantações avançadas nas ilhas do sudoeste. Isso demonstra claramente que o Japão não busca mais apenas um aumento no volume de seus gastos militares, mas sim um salto abrangente no "nível de qualidade" de suas capaci dades militares.

Por muito tempo, "exclusivamente defensiva" significou que o Japão só poderia usar a força após ser atacado e limitada ao mínimo necessário. Contudo, nos últimos anos, o Japão tem promovido continuamente o desenvolvimento da chamada &quo t;capacidade de contra-ataque", que é essencialmente uma mudança no foco estratégico da defesa passiva para a dissuasão ativa, e que inclusive fornece capacidade e apoio institucional para operações militares preventivas. Quando mísseis de longo alcance capazes de atingir o território de países vizinhos são sistematicamente implantados, e forças militares relacionadas são densamente posicionadas nas ilhas do sudoeste próximas a Taiwan, a natureza das Forças de Autodefesa do Japão sofre uma mudança fundamental. Isso não apenas significa um ressurgimento das tendências intervencionistas militares, mas também representa um passo crucial para impulsionar o Japão rumo à consolidação como uma grande potência militar com capacidade para operações e ataques de longo alcance.

De particular preocupação reside a rápida expansão das ambições militares do Japão nos campos espacial e cibernético. No orçamento mais recente, o Japão aumentou seus investimentos no espaço. Anteriormente, vangloriou-se de pr ogressos substanciais em sua tecnologia de interferência em satélites. Planeja reorganizar formalmente a Força Aérea de Autodefesa, transformando-a na "Força Aérea de Autodefesa Espacial", e chega a propor o plano surpreendente de construir um porta-naves espaciais. Essa medida não apenas ameaça seriamente a segurança dos ativos espaciais de outros países, como também desencadeia uma nova corrida armamentista espacial. Como país derrotado na Segunda Guerra Mundial, o Japão impôs restrições explícitas ao desenvolvimento militar sob a ordem do pós-guerra, e sua pesquisa e desenvolvimento em tecnologia militar deveriam estar sujeitos a limites rigorosos. Hoje, contudo, o Japão está se expandindo de forma imprudente em algumas das áreas de fronteira estratégica mais sensíveis, o que representa um perigoso teste das linha s vermelhas de segurança da comunidade internacional.

Essa corrida desenfreada no domínio militar japonês é, em essência, uma dupla violação dos compromissos históricos do pós-guerra e da ordem jurídica estabelecida. Documentos como a Proclamação de Potsdam exigiam claramente a err adicação do militarismo japonês, enquanto o Artigo 9 da "Constituição pacifista" do Japão renuncia legalmente ao direito da nação de se envolver em guerras ou recorrer à força militar para resolver conflitos internacionais. 

No entanto, na realidade, os gastos com defesa do Japão têm aumentado ano após ano, armas ofensivas são continuamente implantadas e o país busca até mesmo capacidades de ataque contra o território de outros países e o controle de domínios fr onteiriços estratégicos, minando progressivamente seus compromissos de paz. Um país que nunca refletiu completamente sobre seus problemas históricos e continua a violar suas próprias promessas na política atual levanta a questão: onde está sua credibilidade internacional? Um Japão que constantemente fabrica ansiedade em relação à segurança, a explora para expandir seu armamento e fomenta confrontos geopolíticos levanta outra questão: o que exatamente busca alcançar?

Deve-se reconhecer claramente que a mudança radical na política de defesa do Japão não é um movimento impulsivo, mas o resultado de um planejamento cuidadoso e de um avanço gradual por parte de forças de direita no Japão. Ao promoverem repetidamen te narrativas de crise, como a chamada "ameaça chinesa", exageram a sensação de uma "situação de risco de sobrevivência", alimentando a ansiedade em relação à segurança interna, enquanto invertem a situação internacionalmente e demonizam os países vizinhos. Essa lógica se assemelha muito à retórica usada pelos militaristas japoneses durante sua expansão antes da Segunda Guerra Mundial. 

A história é o melhor livro didático e o alerta mais impactante. As guerras de agressão lançadas pelo militarismo japonês trouxeram profundo sofrimento aos povos da Ásia e, em última análise, se voltaram contra o próprio Japão.  

Hoje, as autoridades governantes do Japão continuam trilhando o caminho da militarização excessiva e do abandono de compromissos. As escolhas que o Japão faz hoje dizem respeito não apenas ao seu próprio futuro, mas também à paz e à estabil idade no Leste Asiático. Irá recuar da beira do abismo e retornar ao caminho do desenvolvimento pacífico, ou persistirá em sua trajetória e continuará a desafiar a ordem regional? Esta é uma pergunta para a qual o Japão deve dar uma resposta correta.

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Leia também: A chegada de Trump 2.0 e a era da turbulência global  https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/12/fator-de-desequilibrio-global.html 

Partidos comunistas

As lições dos comunistas de Cuba, China, Vietnã e Nepal em 2025
De milhares de organizações que se definem como comunistas em 110 países, há pelo menos 315 que são partidos legalizados e ativos. Cinco deles governam repúblicas socialistas e servem de referências para as legendas irmãs.
André Cintra/Vermelho    

Os partidos comunistas (PCs) que estão no poder tomaram decisões relevantes em 2025 para pôr seus respectivos governos à altura da novíssima ordem mundial e seguir adiante na construção do socialismo. Num ano em que o imperialismo e a extrema direita internacional avançaram – sobretudo a partir da volta de Trump à Casa Branca, em janeiro –, essas legendas reafirmaram o socialismo como alternativa política, econômica e ideológica.

De milhares de organizações que se definem como comunistas, marxista-leninistas, maoístas, operárias ou afins em 110 países, há pelo menos 315 que são partidos legalizados e ativos. Cinco deles governam repúblicas socialistas: o Partido Comunista Chinês (PCCh), o Partido dos Trabalhadores da Coreia (PTC), o Partido Comunista de Cuba (PCC), o Partido Comunista do Vietnã (PCV) e o Partido Popular Revolucionário do Laos (PPRL).

Os norte-coreanos têm, proporcionalmente, a legenda mais representativa, com estimados 6,5 milhões de filiados num país de 26 milhões de habitantes – o equivalente a 25% da população. Já em números absolutos, o maior PC é o da China, que, em julho, fez um anúncio histórico: pela primeira vez, o número de membros da sigla ultrapassou a marca de 100 milhões de pessoas.

Um caso à parte é o do Nepal, uma pequena nação no sul da Ásia com extensão inferior à do Acre. Com a queda da monarquia, em 2008, o país se tornou uma inusitada república parlamentarista sob administração de legendas comunistas. Desde então, dois PCs – o Centro-Maoísta e o Marxista-Leninista Unificado (CPN) – têm se revezado no poder.

China

Com 1,4 bilhão de habitantes, a China é o maior dos países governados por comunistas. O PCCh conta com 100,3 milhões de filiados, espalhados por 5,2 milhões de organizações de base. Detalhe: o processo de filiação é tão rigoroso que, neste ano, há nada menos que 21,4 milhões de candidatos na fila, à espera da aceitação dos dirigentes comunistas.

Para entrar no Partido Comunista, um chinês chega a ficar três anos cumprindo etapas que se iniciam com a carta de candidatura e a realização de cursos formativos. Uma vez “aprovados” nessas etapas, os pretendentes permanecem como membros probatórios por um ano – até um comitê decidir que eles podem se tornar, enfim, membros plenos.

Além de atrair e qualificar militantes, o Partido Comunista Chinês se dedicou em 2025 a elaborar seu 15º Plano Quinquenal (2026-2030). Para avançar na construção do comunismo, os chineses destacam como prioridade – nos próximos cinco anos – um dos maiores feitos desde a Revolução de 1949: a conquista da autossuficiência econômica e tecnológica.

Segundo Elias Jabbour, um dos maiores especialistas no socialismo chinês, o PCCh já deixou um legado valioso: o de demonstrar que “o planejamento – com seu marco institucional, os planos quinquenais – foi o maior fato econômico do século 20 e continua a ser no século 21”. Hoje, conforme think tanks apoiadas pelo PCCh, a economia da China está 223 vezes maior desde a adoção do 1º Plano Quinquenal (1953-1957), no governo Mao Tsé-Tung.

Vietnã

Terceiro maior partido comunista do mundo, o PCV soma 5,3 milhões de membros. Mas sua proeza máxima em 2025 foi ter mantido o Vietnã como a economia que mais cresce no Sudeste Asiático. O governo prevê uma alta de 8% do PIB (Produto Interno Bruto) entre janeiro e dezembro, ao passo que o Banco Mundial projeta 6,8%. Só no primeiro semestre, o crescimento foi de 7,52% – a maior para esse período em 15 anos.

A indústria, um dos motores desse impulso, já responde por 36,9% da economia vietnamita. Outro fator de dinamismo é o investimento público em projetos estratégicos de infraestrutura, como o Aeroporto Internacional de Long Thanh e a ferrovia de alta velocidade Norte-Sul. As grandes e médias cidades vietnamitas viraram um imenso canteiro de obras.

Em outubro, o Vietnã celebrou os 80 anos da Revolução de Agosto, marco de sua independência. O desfile militar que celebrou a data foi um dos maiores na história da Praça Ba Dình, em Hanói. Segundo Tô Lâm, secretário-geral do PCV, a independência abriu caminho para “a libertação nacional, a reunificação e as reformas econômicas”.

Agora, disse Tô Lâm, é preciso transformar o Vietnã num país “poderoso, próspero e feliz”. Em novembro, o PCV aprovou uma nova política de Estado, que visa justamente fazer do Vietnã uma “nação socialista desenvolvida e de alta renda” até 2045, à base de “crescimento acelerado” e “estabilidade social”.

Cuba

Em 2025, os cubanos deram início à comemoração do centenário do líder revolucionário Fidel Castro (1926-2016). A programação – que vai até dezembro do próximo ano – terá centenas de atividades, sob coordenação do Partido Comunista, do Centro Fidel Castro Ruz e da União de Jovens Comunistas (UJC). Nos cálculos do governo, as agendas podem elevar o número de turistas em 15,8%, atraindo um total de 2,2 milhões de visitantes ao país.

Sobre os desafios internos, Cuba enfrenta um “cenário de economia de guerra”, conforme as palavras do ministro da Economia e Planejamento, Joaquín Alonso Vázquez. A crise foi agravada pela passagem devastadora do furacão Melissa e pelo recrudescimento do bloqueio norte-americano sob Trump. “Os efeitos nocivos do bloqueio econômico, comercial e financeiro intensificado são mais evidentes do que nunca em todas as esferas da economia e da sociedade cubana”, diz Vázquez.

Em dezembro, o ministro apresentou o Plano Econômico para 2026, que “exige a mobilização de todas as reservas produtivas do país”. Segundo o Granma, “a principal prioridade é a recuperação do turismo e dos setores tradicionais de exportação, o aumento da receita proveniente de serviços profissionais e a atração de mais investimentos estrangeiros, remessas e financiamento”.

Também em dezembro, o Partido Comunista de Cuba adiou seu 9º Congresso Nacional (previsto inicialmente para abril) e reafirmou a centralidade da luta para superar os entraves econômicos. O ex-presidente Raúl Castro, autor da proposta de adiamento do Congresso, justificou: “Que dediquemos o ano de 2026 a nos recuperar em tudo o que for possível”.

Nepal

Entre os comunistas no poder, os mais testados em 2025 foram os do Nepal, às voltas com uma guerra híbrida após o bloqueio das grandes plataformas, como WhatsApp, FacebookInstagram e YouTube. Em setembro, quando as big techs se recusaram em definitivo a cumprir a legislação do Nepal, o governo atendeu a uma decisão da Suprema Corte e suspendeu as redes sociais. Foi o estopim para grandes e inesperadas mobilizações. Milhares de jovens saíram às ruas em atos violentos, que deixaram mais de 70 mortos e 600 feridos.

O país entrou em “colapso político”, conforme relatou ao Portal Vermelho Smritee Lama, dirigente do CPN. As sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário foram incendiadas, e o primeiro-ministro Khadga Prasad (KP) Sharma Oli renunciou. Segundo Smritee, “além das frustrações domésticas, há interesses geopolíticos e uma manipulação da participação juvenil que alimentaram ainda mais a agitação”.

O bloqueio das redes sociais foi revogado e o governo convocou novas eleições para março de 2026. A guerra híbrida já impactou a esquerda do país, que se unificou: nove siglas – incluindo os dois PCs alternantes no governo – fundiram-se numa única legenda, que passa a se chamar Partido Comunista Nepalês (PCN). O primeiro congresso do novo partido foi realizado em novembro e o programa aprovado defende abertamente o socialismo com “características nepalesas”.

Ao fim de 2025, é impreciso dizer que existe um movimento comunista organizado globalmente. Mas a atuação cotidiana de partidos comunistas no poder, como o PCCh, o PCC, o PCV e o PCN, deixa lições e serve de referência para as outras mais de 300 legendas em todo o mundo.

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Leia também: O segundo choque global da China https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/12/renildo-souza-opina.html 

Editorial do 'Vermelho'

2026: O Brasil diante de uma encruzilhada
Para o PCdoB, o país está diante de caminhos antagônicos: avançar na direção do desenvolvimento soberano ou regredir sob um programa neoliberal, neocolonial e ditatorial
Editorial do 'Vermelho'

 

As eleições de 2026 não serão apenas mais uma batalha do calendário eleitoral. Terão uma dimensão tático-estratégica decisiva, para o presente e o futuro imediato do país, com impactos nos rumos da América Latina. Será uma batalha aberta contra o pacto firmado entre o imperialismo estadunidense e a extrema-direita entreguista e setores políticos a ela atrelados.

Essa análise da Resolução Política do 16º Congresso do PCdoB, realizada em outubro último, vem se confirmando pelo correr da intensa luta de classe no país e pela instável e conturbada situação mundial.

Com apoio escancarado do governo de Donal Trump, a extrema-direita cresce na América Latina e Caribe. As duas últimas eleições presidenciais realizadas em Honduras e no Chile confirmam essa onda reacionária na região. A nova Estratégia de Segurança Nacional anunciada pela Casa Branca, altera rumos e fixa como prioridade o domínio total da América Latina e a continuidade da política ostensiva de contenção à República Popular da China.

A Venezuela, na prática, é vítima de uma escalada de atos de guerra dos Estados Unidos, cujo objetivo é o saque e a pilhagem da maior reserva de petróleo do mundo. A Colômbia, que também irá às urnas em maio de 2026, sofre forte investida do governo Trump. O objetivo é claro: tentar enfraquecer o governo de Gustavo Petro e turbinar a candidatura da direita.

No Brasil, a dez meses das eleições, nem mesmo as celebrações do Natal e os preparativos das festas para saudar o Ano Novo conseguem por água na fervura.

Antes do recesso parlamentar, a maioria de direita que controla o Senado Federal aprovou a vergonhosa redução das penas de Bolsonaro e demais golpistas. Um retrocesso que premia os inimigos da democracia e incentiva novas aventuras golpistas.

O presidente Lula já anunciou que vetará esse escárnio, provavelmente, em 8 de janeiro próximo para marcar o “Dia da Infâmia”, quando os golpistas invadiram a sede dos três poderes. Como ocorreu nos dois anos anteriores, o presidente planeja realizar uma manifestação cívica e popular em defesa da democracia.

Neste contexto, chama a atenção o ataque da mídia monopolista ao Supremo Tribunal Federal (STF), que vem desempenhando decisivo papel na defesa do regime democrático. O alvo é, exatamente, o ministro-relator, Alexandre de Moraes, cujo trabalho resultou na inédita condenação por tentativa de golpe de Estado do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, generais e outros militares de alta patente.

Se valendo do expediente do sigilo da fonte, tal como na época da Lava Jato, jornalões empreendem corrosivo ataque à reputação do ministro. Acusam-no, sem provas, de ter atuado junto ao Banco Central para defender os interesses do Banco Master. Tanto o presidente do Banco Central, quanto o ministro, em notas oficiais, repeliram as acusações. Mas, a campanha difamatória prossegue. Simultaneamente, o bolsonarismo e seus aliados prometem apresentar um novo pedido de impeachment de Moraes.

Fatos semelhantes vão se repetir em 2026. O objetivo é criar instabilidade nas instituições, agravar o conflito entre poderes, afetar a governabilidade do país, turvar as águas, com a finalidade de tentar barrar a reeleição do presidente Lula.

Se antevê, pois, um enfretamento político- eleitoral acirrado pela correlação de forças. O governo Trump também seguirá afrontando a soberania nacional, interferindo ilegalmente nas eleições brasileiras, fazendo uso das big techs e de outros expedientes, com o objetivo de eleger um governo que lhe seja servil.

O consórcio da extrema-direita e da direita, depois dos degastes da prisão dos golpistas, do crime de traição nacional por ter respaldado o tarifaço de Trump contra o Brasil, adentra-se em 2026 sob tensão e rachaduras.

Num lance de dramaturgia tosca, em pleno Natal, antes de se internar para realizar uma cirurgia eletiva, Bolsonaro fez divulgar uma carta, entronizando o senador Flávio Bolsonaro como candidato da extrema-direita à presidência República.

A pré-candidatura de Flávio buscará atenuar as tensões e divisões no próprio clã Bolsonaro e em suas bases estaduais. Tentará preservar o cacife do clã no âmbito do consórcio direitista, barganhando-a ou mantendo-a. Com isto, o candidato predileto do capital financeiro, o governador Tarcísio de Freitas, é forçado a marcar passo. As demais candidaturas da direita, momentaneamente, navegam em círculos.

De todo modo, a direita e a extrema-direita poderão se unificar já no primeiro turno, ou, com certeza, no segundo turno. Por isso, não se pode subestimar sua força e competividade.

Por sua vez, a liderança do presidente Lula segue em posição competitiva, de acordo com as pesquisas. A seu favor está um conjunto de realizações e conquistas, a exemplo do Imposto de Renda Zero para quem ganha até R$ 5 mil reais, redução para quem ganha até R$ 7.350, além da taxação de rendas elevadas.

Há ainda a queda da inflação, o recorde do índice de emprego e o crescimento da economia, apesar da criminosa política de juros elevados do Banco Central. Questão que exige redobrada pressão política e social para que a Selic comece baixar imediatamente.

O presidente Lula conta também com uma série de exitosas políticas sociais, assim como o seu prestígio no cenário internacional, destacado pelos êxitos da COP30 em Belém, Pará, e sua protagonista participação na 20ª Cúpula de Líderes do G20 em Joanesburgo, na África do Sul.

E, também com grande importância, há a sua postura altiva, não se curvando à agressão do governo Trump, que resultou em redução considerável do tarifaço, bem como à defesa pública que faz da América do Sul como uma região de paz, se postando contra as agressões, na prática uma política de guerra contra a Colômbia e, em especial, à Venezuela

Na mensagem de Natal, o presidente Lula indicou que irá batalhar por mais conquistas ao povo, entre elas o fim da escala 6X1, a jornada pela segurança pública e combate ao crime organizado. Destacou também que vai liderar um esforço nacional de enfrentamento ao feminicídio, de combate à violência contra as mulheres.

Diante desse cenário de intensa luta de classes e de pressões do imperialismo estadunidense, o PCdoB, na reunião de sua direção nacional, realizada neste mês de dezembro, apontou que o objetivo tático é conquistar, em 2026, a reeleição do presidente Lula, impondo derrota ao consórcio da direita e da extrema-direita, e descortinando a perspectiva de um novo governo que avance na direção do desenvolvimento soberano, da ampliação e fortalecimento da democracia, de forte progresso social para desencadear a jornada pelas reformas estruturais democráticas.

Para o PCdoB, a tática correta é a construção, desde já, de uma larga aliança que tenha o protagonismo da esquerda e que agregue, necessariamente, o máximo do centro e centro-direita, e busque dividir e isolar o consórcio da direita e da extrema-direita, explorando suas contradições. Efetivar essa tática demanda a construção de um programa de campanha que reflita as grandes potencialidades e os grandes desafios capazes de abrir caminho à agenda dos interesses da soberania nacional, da democracia, do desenvolvimento e valorização do trabalho. Um programa que mobilize o povo e contribua para reunir o máximo de força.

Apesar da disputa presidencial se apresentar acirrada, com relativo equilíbrio de forças, o presidente Lula ganha crescente autoridade, o que eleva a possibilidade de vitória. O PCdoB, ainda conforme o documento de sua direção nacioanl, está convicto de que uma nova vitória está ao alcance da nação e da classe trabalhadora, com a reeleição do presidente Lula, livrando o país da grave ameaça de retorno da direita e do neofascismo, mas não sem muita luta, amplitude e sagacidade.

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Leia: Palavra do PCdoB: defesa da democracia com Lula https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/12/a-orientacao-do-pcdob.html