18 outubro 2025

PCCh no Congresso do PCdoB

PCCh defende multilateralismo e solidariedade Sul–Sul em Congresso do PCdoB
Representante do Partido Comunista da China destaca cooperação entre China e América Latina e apresenta as Iniciativas Globais do presidente Xi Jin ping
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Diante das tensões geopolíticas e da ofensiva unilateralista no cenário mundial, o multilateralismo, a solidariedade Sul –Sul e a cooperação entre China e América Latina são fundamentais. Foi o que defendeu, nesta sexta-feira (17), Wang Jialei, representante do Departamento Internacional do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), em intervenção aos delegados do 16º Congresso do PCdoB.

Vinte e seis organizações internacionais participam do encontro, em Brasília. O representante do PCCh também apresentou as Iniciativas Globais lançadas pelo presidente Xi Jinping — de Governança, Desenvolvimento, Segurança e Civilização — como pilares de uma nova ordem internacional mais justa e equilibrada.

Confira o discurso de Wang Jialei na íntegra:
Companheiras e companheiros:
Boa tarde a todas e todos.

É uma grande honra para mim participar, em nome do Departamento Internacional do Partido Comunista da China (PCCh), do 16º Congresso Nacional do PCdoB e integrar o debate temático desta tarde. Quero aproveitar esta oportunidade para expressar meu sincero agradecimento ao PCdoB por seu gentil convite e calorosa recepção, bem como felicitar pela abertura do seu 16º Congresso Nacional.

Atualmente, a situação internacional passa por transformações e convulsões interconectadas, com frequentes conflitos geopolíticos. O ressurgimento do unilateralismo e do conservadorismo agita as águas globais, enquanto práticas hegemônicas e de intimidação causam danos profundos. Certas potências insistem em formar círculos fechados e excludentes, minando arbitrariamente as normas internacionais sob o lema de “primeiro o seu país”. Com ações recorrentes, como a violação de tratados e o abandono de organismos multilaterais, impõem tarifas abusivas e sanções ilegítimas para sustentar sua hegemonia. Isso cor rói gravemente o sistema internacional centrado na ONU e a ordem baseada no direito internacional, prejudicando os interesses de numerosos países em desenvolvimento, incluindo a América Latina e a China.

Neste momento crítico, em que a governança global avança contra a corrente — e em que, se não avançamos, retrocedemos —, o presidente Xi Jinping propôs recentemente a Iniciativa para a Governança Global, oferecendo soluções com características chinesas para os desafios contemporâneos: “Que modelo de sistema de governança global devemos construir e como reformá-lo?”

Os pilares fundamentais dessa Iniciativa são: o respeito à igualdade soberana, o cumprimento irrestrito do Direito Internacional, a implementação do multilateralismo, a priorização do desenvolvimento humano e o foco em resultados concretos.

Esses princípios estão em plena consonância com os propósitos e normas da Carta das Nações Unidas, reforçam o papel central da ONU na arquitetura global e incentivam os países a participar da reforma e da construção do sistema de governança global por meio de mecanismos multilaterais, como a própria ONU, para responder de maneira mais eficaz aos desafios da nossa era.

A Iniciativa para a Governança Global, junto com as Iniciativas para o Desenvolvimento Global, a Segurança Global e a Civilização Global, propostas anteriormente pelo presid ente Xi, formam os quatro pilares para a construção de uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade. Essas iniciativas apontam o caminho para um mundo multipolar baseado na igualdade e na ordem, para uma globalização econômica inclusiva e mutuamente benéfica, e têm recebido amplo reconhecimento e resposta positiva da comunidade internacional, incluindo os países latino-americanos.

Embora a China e a América Latina estejam geograficamente distantes, seus destinos estão estreitamente ligados. A cooperação sino-latino-americana avança de forma firme, apesar do complexo cenário internacional, entrando em uma nova era caracterizada pela igualdade, benefício mútuo, inovação, abertura e bem-estar para nossos povos.

Diante do ressurgimento da mentalidade da Guerra Fria e das tentativas de “erguer muros” para dificultar a cooperação entre China e América Latina, a China tem mantido com firmeza os princípios de respeito mútuo, igualdade e benefício recíproco, bem como de abertura, inclusão e cooperação de ganhos compartilhados. Apoia de forma decidida a América Latina em seu caminho de desenvolvimento de acordo com as suas condições nacionais, na defesa da soberania e na resistência a interferências externas, respaldando a região como uma Zona de Paz e livre de armas nucleares.

Ambas as partes, em sintonia com os avanços da globalização econômica, têm promovido a cooperação prática em áreas como comércio, investimento, finanças, tecnologia e infraestrutura. No âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota, já foram implementados mais de 200 projetos de infraestrutura na América Latina, gerando milhões de empregos.

China e América Latina têm demonstrado solidariedade recíproca e enfrentado juntas as crises. Durante a pandemia de COVID-19, a China foi a primeira a fornecer à região 300 milhões de doses de vacinas e quase 40 milhões de equipamentos médicos de emergência, além de enviar diversas equipes médicas para proteger a saúde de milhões de pessoas.

Nos fóruns multilaterais, ambas as partes têm mostrado cooperação sólida para enfrentar os desafios globais. O “Consenso de Seis Pontos”, copatrocinado por China e Brasil como proposta de solução política para a crise na Ucrânia, recebeu o apoio ativo de mais de 110 países.

Na IV Reunião Ministerial do Fórum China–CELAC, realizada em maio deste ano, o presidente Xi Jinping anunciou o lançamento dos “Cinco Programas” — Unidade, Desenvolvimento, Civilização, Paz e Vínculos entre os Povos —, concebidos para impulsionar o desenvolvimento da região. O presidente Xi enfatizou que, “Independentemente de como evolua o panorama internacional, a China sempre será uma bo a amiga e parceira dos países latino-americanos.”
Como disse o presidente Xi, “Para aqueles que compartilham ideais, nem montanhas nem mares são distância.”

Tanto a China quanto a América Latina são membros importantes do Sul Global, parceiros naturais na promoção da multipolarização mundial e da democratização das relações internacionais. A independência e a autodeterminação são nossa gloriosa tradição; o desenvolvimento e a revitalização, nosso direito natural; e a equidade e a justiça, nossa aspiração comum.

Diante dos novos desafios, devemos seguir o curso da história, unir as forças poderosas da cooperação Sul–Sul e promover a construção de uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade.

Em primeiro lugar, devemos insistir no benefício mútuo e rejeitar os jogos de soma zero, sendo contribuintes para o desenvolvimento global. Erguer muros apenas nos isola, enquanto abrir caminhos permite alcançar ganhos compartilhados. Devemos nos opor a todas as formas de unilateralismo, protecionismo e medidas discriminatórias ou excludentes, defendendo firmemente o sistema multilateral de comércio, a estabilidade das cadeias globais de produção e fornecimento e um ambiente internacional de cooperação aberta.

Em segundo lugar, devemos insistir na convivência pacífica e rejeitar a divisão e o confronto, sendo construtores da paz mundial. É necessário aderir ao conceito de segurança comum, integral, cooperativa e sustentável, preservando conjuntamente a paz e a segurança globais. As diferenças e disputas entre países devem ser resolvidas por meios pacíficos, opondo-nos ao abuso de sanções unilaterais e à “jurisdição de braço longo”, assim como ao uso ou à ameaça do uso da força.

Em terceiro lugar, devemos insistir no intercâmbio igualitário e rejeitar o choque de civilizações, sendo promotores do aprendizado mútuo entre culturas. É fundamental respeitar a diversidade das civilizações mundiais, praticando a igualdade, o diálogo, o aprendizado mútuo e a inclusão entre civilizações, aprofundando os intercâmbios culturais sino-latino-americanos em prol do progresso comum. Devemos promover os valores universais da humanidade — paz, desenvolvimento, equidade, justiça, democracia e liberdade — sem impor valores ou modelos próprios, nem fomentar confrontos ideológicos.

Em quarto lugar, devemos insistir na consulta, na construção conjunta e no benefício compartilhado, rejeitando a hegemonia e a intimidação, sendo guardiões da ordem internacional. É essencial garantir que todos os países tenham igual direito de participar dos assuntos internacionais, assegurar a aplicação uniforme do direito e das normas internacionais, e rejeitar os duplos padrões e a imposição das “regras domésticas” de um pequeno grupo de países. Os assuntos internacionais devem ser resolvidos por meio de consultas conjuntas, promovendo um sistema de governança global mais justo e equilibrado.

Para concluir, gostaria de citar um antigo provérbio chinês que diz:

“O mal nunca prevalecerá sobre o bem.”

E um provérbio latino-americano afirma:

“A justiça tarda, mas chega.”

Se permanecermos firmes e unidos, construir um mundo melhor é totalmente possível!

Antes de encerrar, desejo pleno sucesso ao Congresso Nacional do PCdoB e que este partido amigo conquiste novas e maiores vitórias no futuro.

Muito obrigado.

*Discurso proferido em espanhol por Wang Jialei, representante do Departamento Internacional do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), durante o 16º Congresso Nacional do PCdoB, em Brasília, em 17 de outubro de 2025. Tradução da Redação com apoio de recursos de inteligência artificial.

Foto: Wang Jialei, do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), durante o momento das intervenções das delegações Internacionais, no 16º Congresso do PCdoB, em Brasília, em 17 de outubro de 2025. Foto: Muril o Nascimento.

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De onde vem dinheiro para a grandeza da China? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/capital-financeiro-desenvolvimento-na.html 

Minha opinião

Canto dos pássaros faz bem, oxente!
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65  

 

É o velho hábito de apenas uma vista d'olhos, como se dizia antigamente, sobre notícias do mundo da ciência. 

Meu interesse não passa disso. E, confesso, por um ligeiro traço de preconceito. 

É que concomitantemente com muito estudo realmente necessário e inovador, há muita pesquisa sobre o óbvio — muitas vezes para acumular pontos nos critérios de avaliação do sistemas acadêmicos, no Brasil e alhures, suponho. 

Quantas pesquisas o doutor ou a doutora já realizou? Qual o quantitativo de mestrandos e doutorandos que orientou? 

Leio agora que o ato de ouvir o canto dos pássaros pode fazer bem para o corpo e a mente. 

Prossigo: diversos estudos científicos têm apontado que esses sons naturais estão associados a uma sensação maior de bem-estar e clareza mental, além de contribuírem para a redução de sintomas de ansiedade e depressão. 

Tudo bem. Mas qual é a novidade? Nenhuma!

A reportagem, que bisbilhoto no site da BBC, registra a assertiva da psicóloga social e ambiental Cindy Frantz, do Oberlin College and Conservatory (EUA), para quem os seres humanos são naturalmente sociais e "programados para buscar conexão com as coisas ao redor". 

Sim, minha cara doutora, a gente sabe disso e só os eremitas o recusam.

Ou seja, a gente precisa de gente por perto. E de bichos também - preferencialmente aves canoras.

Já uma edição de 2022 da revista Scientific Reports destaca que mais de 1.300 pessoas, sob observação científica, que ouviram ou observaram aves relataram uma melhora significativa no bem-estar mental. 

Sinceramente, alguém poderia esperar que esses privilegiados se tornassem por isso ansiosas ou perturbadas!?

Não ouço o canto saudável de pássaros porque não tenho em casa nenhum preso em gaiola e porque o bairro de poucas árvores não é nenhum atrativo para performáticos Sabiás-laranjeira, nem mesmo o Bem-te-vi, cantador dado a se exibir em ambientes urbanos. Mas bem que gostaria, mesmo que tivesse que me mudar  para uma chácara (com sinal de internet , para não perder reuniões de trabalho, claro!), onde pudesse ouvir o Curió, o Bicudo, o Canário-da-terra e outros da mesma estirpe. 

Viver é assim: a gente faz o que pode. E os cientistas pesquisam o que querem.

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Leia também: Meu pardal amigo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2010/12/cronica-em-minha-coluna-semanal-no.html

Nova ordem mundial?

From Russia, with love
Em Sochi, o Clube Valdai debateu a nova ordem mundial; proposta sugere que o Brasil lidere um fórum global de diálogo inclusivo sobre os desafios da humanidade.
Paulo Nogueira Batista Jr./Vermelho 

O mundo atravessa uma quadra de extraordinária complexidade e elevados riscos. Estamos ameaçados por perigos de guerra nuclear, por problemas sociais e demográficos, pela destruição ambiental e pelos impactos incalculáveis do progresso tecnológico acelerado, em especial da inteligência artificial. Faz-se necessária, mais do que nunca, uma discussão verdadeiramente global, não excludente, da qual possam participar todas as nações. 

Escrevo da Rússia desta vez. Vim para cá para participar, em Sochi, de um evento de grande importância para os russos: o encontro anual do Clube Valdai, um fórum de discussão de assuntos de interesse mundial. Neste ano, o tema central do encontro foi “O mundo policêntrico: instruções para uso”.

Embora não seja um fórum oficial, o Clube Valdai é muito prestigiado pelo governo russo. No encontro deste ano, assim como nos anteriores, tivemos a presença de várias autoridades russas, entre elas o ministro Lavrov, das Relações Exteriores, e o próprio presidente Putin, que passou mais de quatro horas debatendo com os 140 participantes de 40 países, incluindo intelectuais, diplomatas, economistas e acadêmicos de quase todas as partes do mundo.

Em razão da desinformação que prevalece no Brasil e nos países desenvolvidos, o Clube Valdai é pouco conhecido fora da Rússia. Mal comparando, poderia dizer que é uma espécie de Davos russo. Como Davos, Valdai é uma instância onde pessoas de todo o mundo discutem questões internacionais candentes. Davos, entretanto, é palco para as elites ocidentais e seus vassalos de países em desenvolvimento. Já em Valdai, o tom é dado pelos russos e pelos participantes do exterior, a grande maioria dos quais de países do Sul Global. A presença de europeus e americanos é bem reduzida.

Não era essa a intenção dos criadores de Valdai quando o clube foi estabelecido há pouco mais de 20 anos. A ideia original era criar as condições para um diálogo entre a Rússia e o Ocidente. Nos últimos dez anos, e especialmente depois do início da guerra na Ucrânia, esse diálogo foi interrompido. Os poucos ocidentais que comparecem correm riscos profissionais. A Rússia é vista como tóxica no Ocidente e como tóxicos, também, por extensão, são vistos aqueles que aceitam convites para vir a Valdai. Nos Estados Unidos e na Europa, a democracia é cada vez mais relativa.

Observo, de passagem, que é preciso visitar a Rússia para perceber quão absurda é a russofobia que, como nunca antes na história, reina atualmente no Ocidente. A Rússia é um grande país, de ampla e variada cultura, que tem muito a dizer ao resto do mundo. 

Entre os russos com quem dialoguei em Sochi, quero destacar o professor Sergey Karaganov, teórico de relações internacionais celebrado na Rússia e um dos criadores do Clube Valdai. Karaganov manifestou a sua decepção com a falta de diálogo com o Ocidente e fez uma sugestão interessante, que é, na verdade, o principal tema deste artigo.

Os problemas principais da humanidade – sociais, econômicos, tecnológicos, demográficos e ambientais – demandam soluções globais baseadas num diálogo amplo do qual ninguém pode ser excluído. O Ocidente, raivoso e em declínio relativo, não pode ficar de fora. “Os ocidentais estão perdendo”, disse Karaganov, “mas são uma parte nossa”. Uma nova ordem mundial, destacou ele, tem que estar centrada não no indivíduo, como no Ocidente, mas no humano, isto é, no substrato essencial que nos une a todos.  

Trazer os americanos e europeus para um diálogo franco é uma tarefa difícil, para dizer o mínimo. Autossuficiência e arrogância são traços enraizados nos ocidentais. Ainda mais difícil, provavelmente impossível, é trazer esse povo para um fórum sediado na Rússia, como mostra a experiência de Valdai, ou qualquer outro fórum que seja patrocinado pela China ou outros países vistos como hostis pelo Ocidente.

Aí é que entraria o Brasil. Não poderíamos construir um novo fórum, de natureza global, que incluísse todos os países, para uma discussão aprofundada dos problemas da humanidade? Não poderia o Brasil liderar este projeto? Algo como Valdai, mas sem a marca russa que impede a participação em grande escala de americanos e europeus. Quem sabe, acrescento,  um “Clube de Discussão do Rio de Janeiro”? Esse clube poderia, entre outras coisas, patrocinar encontros anuais no Rio, cidade que já demonstrou a sua capacidade de hospedar eventos internacionais, ao sediar com sucesso as cúpulas do G20 e dos BRICS, em 2024 e 2025, respectivamente.

O Brasil tem pelo menos três características que podem ajudá-lo a cumprir essa tarefa. Primeiro, é um país que tem entrada praticamente no mundo todo, sendo bem recebido em qualquer parte. Diferentemente da Rússia e da China, o Brasil não está em confronto direto com o Ocidente. Segundo, é um país de dimensões continentais, um dos gigantes do mundo, em termos econômicos, demográficos e territoriais. Terceiro, tem em Lula uma liderança de porte mundial, um político experimentado e verdadeiramente interessado em manter diálogo franco e aberto com todas as nações, próximas e distantes, grandes e pequenas, ricas ou pobres.

E não poderia o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), estabelecido pelos BRICS em Xangai, ter um papel no apoio à formação e desenvolvimento deste fórum? O NBD, mais conhecido como Banco dos BRICS, é presidido atualmente pela ex-presidente Dilma Rousseff. Fundado em 2015, é a principal iniciativa prática dos BRICS. Conta com amplos recursos e poderia ser um dos financiadores do fórum Rio de Janeiro.

Talvez o governo brasileiro não tenha neste momento vontade e tempo para uma iniciativa internacional de grande porte. Reconheço que a ideia pode parecer irrealista. Mas, convenhamos, não é verdade que nada de importante no mundo se faz sem uma certa dose de utopia?     

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Leia também: A crise na Ucrânia e a Europa https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/europa-diante-da-guerra-russia-ucrania.html 

Guerreiros do povo

PCdoB honra seus mártires da ditadura e denuncia impunidade militar
Partido presta tributo a 101 militantes mortos e desaparecidos e lança publicação que resgata a memória da resistência ao regime militar, em ato no seu 16º Congresso
Leandro Melito/Portal Grabois www.grabois.org.br   

O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) homenageou nesta sexta-feira (17), durante seu 16º Congresso em Brasília (DF), 101 militantes mortos e desaparecidos durante a ditadura militar (1964-1985), período em que o partido passou para a clandestinidade e entrou na luta armada contra o regime autoritário.

A presidenta do PCdoB, Luciana Santos, destacou:

“Reverenciar esses lutadores é reafirmar o sentido da política como compromisso com o povo. Porque o que eles sonharam continua atual. Ainda vivemos tempos em que a democracia é posta à prova, em que o autoritarismo tenta ressurgir sob novas formas. E, não por acaso, os comunistas seguem entre os primeiros alvos.”

O levantamento inédito dos nomes das vítimas do regime autoritário foi realizado pela Comissão Nacional de Memória e Justiça do PCdoB em parceria com o Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois.

“Durante a ditadura, o partido enfrentou a perseguição mais implacável — sobretudo após a Guerrilha do Araguaia. Mesmo assim, resistiu. Porque os comunistas nunca aceitaram o silêncio imposto pelo medo. A Fundação Maurício Grabois tem sido guardiã dessa memória, registrando e contando essas histórias em livros, filmes e documentários”, ressaltou Luciana Santos.

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O PCdoB ocupa o seu posto https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/minha-opiniao_66.html

Palavra de poeta

Não-coisa
Ferreira Gullar  

O que o poeta quer dizer
no discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.

Uma fruta uma flor
um odor que relume...
Como dizer o sabor,
seu clarão seu perfume?

Como enfim traduzir
na lógica do ouvido
o que na coisa é coisa
e que não tem sentido?

A linguagem dispõe
de conceitos, de nomes
mas o gosto da fruta
só o sabes se a comes

só o sabes no corpo
o sabor que assimilas
e que na boca é festa

de saliva e papilas
invadindo-te inteiro
tal do mar o marulho
e que a fala submerge
e reduz a um barulho,

um tumulto de vozes
de gozos, de espasmos,
vertiginoso e pleno
como são os orgasmos

No entanto, o poeta
desafia o impossível
e tenta no poema
dizer o indizível:

subverte a sintaxe
implode a fala,
ousa incutir na linguagem
densidade de coisa
sem permitir, porém,
que perca a transparência
já que a coisa é fechada
à humana consciência.

O que o poeta faz
mais do que mencioná-la
é torná-la aparência
pura — e iluminá-la.

Toda coisa tem peso:
uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada dentro,

a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
— essa voz somos nós.

[Ilustração: Paul Klee]

Veja: Chico Pinheiro entrevista Cida Pedrosa https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/chico-pinheiro-entrevista-cida-pedrosa.html 

Thiago Modenesi opina

O labirinto político peruano
Crises sucessivas, partidos frágeis e viradas ideológicas marcam o Peru desde Fujimori, alimentando um ciclo de instabilidade que ameaça a própria democracia.
Thiago ModenesiVermelho  

O Peru contemporâneo se consolidou como um dos casos mais emblemáticos de instabilidade política na América Latina. O palácio de governo em Lima tornou-se uma porta giratória para presidentes, com uma sucessão vertiginosa de mandatários que não conseguem completar seus mandatos.

Por trás dessa crise de governança, observa-se um fenômeno duplo e interligado: a proliferação de partidos políticos efêmeros, sem base ideológica ou história perene, e um eleitorado que, em busca de mudança, elege figuras que prometem ruptura, apenas para vê-las, frequentemente, assimiladas pelas estruturas conservadoras tradicionais.

A cifra é eloquente: desde a queda da ditadura de Alberto Fujimori em 2000, o Peru teve mais de uma dezena de presidentes, 7 apenas nos últimos 7 anos. Muitos deles não conseguiram concluir seus mandatos de cinco anos, sendo forçados a renunciar, destituídos por congressos hostis ou presos por acusações de corrupção. Este cenário não é mera coincidência, mas o sintoma de uma profunda crise de representação.

O sistema político peruano é caracterizado por uma fragmentação extrema e uma debilidade institucional crônica. O Congresso, frequentemente composto por uma miríade de partidos sem base programática sólida, opera em um estado de guerra permanente contra o Poder Executivo. O instrumento da vacância presidencial por “incapacidade moral” tornou-se uma ferramenta política, usada para destituir presidentes sem necessidade de um impeachment formal, aprofundando a instabilidade e a ingovernabilidade.

O governo neoliberal de Fujimori foi fundamental para isso quando acabou com o bicameralismo no país no autogolpe que deu, ressaltando uma crítica aguda às instituições, que dizia serem lentas e inoperantes. O já conhecido discurso antipolíticos (no geral feito por políticos de direita…), que questionava a necessidade de realmente existirem 2 Câmaras. Isso deu vez a vários processos de impeachment por “incapacidade moral”, todos de maneira hiper veloz.

Paralelamente à rotatividade presidencial, está a volatilidade do sistema partidário. Os partidos políticos peruanos, em sua maioria, não são organizações com história, militância e doutrina. São, frequentemente, veículos eleitorais personalistas, criados para uma eleição específica e dissolvidos ou rebatizados na seguinte.

Partidos tradicionais como o APRA, outrora uma força política perene, viram sua influência minguar. Em seu lugar, surgiram agremiações como o Perú Libre (de Pedro Castillo), o Fuerza Popular (de Keiko Fujimori) ou o partido de Ollanta Humala, que são, em essência, extensões de suas lideranças.

Essa falta de institutionalização significa que o eleitor não vota em um projeto de país consistente, mas em uma persona, algo comum em outros países da América Latina, mas estes, na sua maioria, possuem partidos com tradições históricas, ideológicas, alguns até centenários.

Talvez o aspecto mais intrigante e frustrante para o eleitorado peruano seja a frequente mudança de lado de seus líderes eleitos. Após o fujimorismo, um sentimento de nunca mais à autocracia e às velhas elites impulsionou a eleição de candidatos que se apresentavam como alternativas progressistas e de esquerda. No entanto, uma vez no poder, muitos desses líderes executaram uma guinada pragmática (ou oportunista) em direção ao establishment conservador.

Exemplo disso foi Alan García (2006-2011), em seu segundo governo, o líder aprista, que em sua primeira passagem (1985-1990) foi um expoente da esquerda latino-americana, adotou políticas econômicas claramente ortodoxas e alinhou-se com setores empresariais. Seu governo foi marcado por escândalos de corrupção e por um distanciamento das bases históricas de seu partido, as ideias neoliberais ainda se mostravam fortes no país.

Na sequência veio Ollanta Humala (2011-2016), eleito após uma campanha que evocava o nacionalismo e o legado de Hugo Chávez, Humala rapidamente promoveu um giro à direita. Adotou uma política econômica de continuidade, manteve os acordos de livre-comércio e nomeou ministros ortodoxos para a pasta da Economia. Esse movimento, apelidado de “chavismo light”, desencantou seus apoiadores de esquerda sem, no entanto, conquistar a plena confiança da direita, deixando-o politicamente isolado.

Por fim, Pedro Castillo e Dina Boluarte (2021-2025), o caso mais recente e dramático. Castillo, um professor rural e sindicalista, foi eleito pelo partido marxista Perú Libre como a encarnação da ruptura com “a classe”, a burguesia peruana. Seu governo, caótico e cercado de escândalos, terminou com sua tentativa fracassada de autogolpe em dezembro de 2022, até hoje vários países não reconhecem os que o sucederam, a exemplo do México. Castillo representava o combate as desigualdades históricas e seculares da nação, vindo com força do interior, apoiados por camponeses e pelos mais pobres, pressionando as elites concentradas em grande parte na capital por mudanças. Embora se autoproclamasse marxista, tinha posições bastante conservadoras em questões morais e de saúde pública.

Seu governo, caótico e cercado de escândalos, terminou com sua tentativa fracassada de autogolpe em dezembro de 2022, até hoje vários países não reconhecem os que o sucederam, a exemplo do México.

Sua vice, Dina Boluarte, assumiu e imediatamente executou a virada mais radical. Apesar de ter sido eleita em uma chapa de esquerda, seu governo é o mais conservador e repressivo das últimas décadas. No começo, alinhou-se com a direita no Congresso, adotou um discurso de lei e ordem e autorizou uma violenta repressão a protestos, resultando em dezenas de mortes. Boluarte tornou-se o símbolo máximo da traição ao mandato eleitoral, governando com o apoio explícito das forças que ela e Castillo prometeram combater.

Boluarte foi a que mais tempo passou a frente do governo peruano dos últimos 7 presidentes, quase 3 anos. No seu governo os protestos explodiram, sua popularidade oscilava entre 2 a 3% e o crime organizado tomou as ruas, semeando um clima de insegurança que aumentou a indignação popular contra a presidenta, culminando numa rajada de balas no show da Orquestra Água Marina, que toca cumbia, o ritmo mais popular no país hoje, 4 músicos foram feridos.

O congresso peruano aprovou essa semana mais um impeachment a jato, cassando o mandato de Dina Boluarte por unanimidade e levando ao poder José Jeri, então presidente da Câmara dos Deputados, vale dizer que a instituição tem mais de 80% de desaprovação da população do país e que Jeri responde a vários processos, inclusive por assédio sexual.

A instabilidade política no Peru é, portanto, um labirinto de onde o país parece não encontrar saída. A fragilidade dos partidos gera líderes sem lealdades institucionais e ideológicas. As elites peruanas tem conseguido ditar os rumos do país que é um dos mais desiguais das Américas, com grande parte da população vivendo na informalidade, as forças progressistas do país não tem conseguido construir um projeto em comum, tiveram e tem vários nomes de projeção, mas não tem conseguido maioria no congresso e a sociedade não tem instrumentos democráticos, como Centrais Sindicais, movimentos estudantis e outros que tenham força para dar suporte a um governo que possa fazer mudanças mais profundas.

Além disso, a complexidade de governar e a pressão das estruturas de poder econômicas e midiáticas frequentemente tem levado a traição dos líderes as suas promessas, sendo assimilados pelo status quo que juraram transformar. A exceção foi Castillo, mas acabou apeado do poder pelo Congresso e preso.

Cada grande virada de um presidente eleito como progressista fortalece a narrativa de que a mudança real é impossível, corroendo a já frágil democracia peruana. Enquanto o país não for capaz de construir um sistema partidário estável e com raízes sociais, e até que os mandatos eleitorais sejam respeitados, inclusive rediscutindo a necessidade da volta do Senado para fortalecer os mecanismos democráticos, a porta giratória do poder continuará a girar, e o labirinto político peruano permanecerá sem uma saída à vista.

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Leia também: Trump fascistóide https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/trump-fascistoide.html

Kleyton Pimentel opina

A rua é o megafone da nossa rebeldia!
À vista do cenário político atual, é urgente unir forças e ocupar as ruas para defender o povo brasileiro.
Kleyton Pimentel* 

Nosso país passa por momentos de polarização e tensão política. O avanço de discursos políticos individualistas e elitistas põe em risco as pautas reais do povo brasileiro. Diante disso, é eminente a urgência da unidade para somar forças, ocupar as ruas como palco de nossa luta e transformá-las no megafone da nossa rebeldia.

Durante a história do Brasil, importantes momentos foram marcados por grandes levantes da população em defesa do povo e da democracia. O movimento Diretas Já, por exemplo, (1983 e 1984), buscava eleições diretas para presidente em 1985. Também houve o movimento Caras-Pintadas (1992), protagonizado pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e demais movimentos sociais, que teve como objetivo o impeachment do governo corrupto de Fernando Collor de Mello. Essas mobilizações mostraram o grande poder que o povo tem quando vai às ruas reivindicar seus direitos e protestar contra aqueles que não priorizam as necessidades da população.

Trazendo para o contexto atual, pode-se citar a mais recente PEC da Blindagem (ou popularmente chamada PEC da Bandidagem), que visa exigir autorização do Congresso para ações penais contra parlamentares. Em um tempo em que a jornada exaustiva de trabalho mata trabalhadores e os acomete a uma vida cansada e infeliz, parlamentares buscam seus interesses unitários e/ou de pequenos grupos de elite para se proteger da Constituição e da Justiça brasileira.

O Projeto de Emenda Constitucional não foi aceito pelo povo e recebeu resposta nas ruas: estudantes, trabalhadores, jovens e idosos se uniram para barrar a injustiça aprovada na Câmara dos Deputados no dia 16 de setembro de 2025. Milhares de pessoas foram às ruas dizer não à emenda e à anistia. Após essa intensa mobilização popular, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) rejeitou a proposta de emenda parlamentar, e isso só foi possível graças à unidade do povo na rua.

Discursos e projetos políticos que têm como alvo pequenos grupos de poder tornam-se cada vez mais evidentes em nosso país. Parlamentares que buscam interesses próprios vêm ganhando espaço dentro dos fóruns deliberativos que regem o Brasil, e isso só pode ser barrado com a luta organizada.

Prova-se que é necessária a retomada das ruas na luta pela democracia e pelos direitos. Somente a mobilização popular tem poder para intensificar nossa luta. Todo poder emana daqueles que dão o sangue pelo avanço e desenvolvimento do país. Assim como pintamos os rostos no passado para denunciar a corrupção ou tomamos as avenidas pelo voto direto, é preciso novamente, no presente, ocupar as ruas em massiva mobilização, unificar as forças sociais e político-progressistas pelas pautas do Brasil Real e transformar a rua no megafone das lutas do povo brasileiro.

*Presidente da União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco (UMES PE)

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Leia também: O PCdoB ocupa o seu posto https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/minha-opiniao_66.html