26 abril 2024

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A mídia adoraria saber de todos os escaninhos da preparação dos partidos para o pleito municipal. Tudo pela notícia e, se possível, por manchetes! Mas muita conversa anda discretamente e tem gente que aprendeu com Tancredo - que dizia ser necessário "ficar rouco de tanto ouvir".

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniaopolitica_25.html

Aos 40 anos das Diretas Já

Aos 40 anos das Diretas Já, as memórias de uma luta contínua pela democracia

O Portal Vermelho relembra os principais fatos e traz relatos de lideranças sociais daquele momento que expressam o clima de esperança que contagiou o país em meio ao desespero da ditadura para sobreviver
Cezar Xavier/Vermelho


 

Nivaldo, Jamil, Aurélio, Luciano e Jô eram lideranças destacadas em 1984, quando a luta pela aprovação da emenda das Diretas Já tornou-se prioritária e organizava toda a sociedade. A luta contra a carestia, contra a violência da ditadura, contra as mentiras dos militares, contra os salários de fome e o desemprego, convergia, agora, para um único palanque. 

O sindicalista Nivaldo Santana, com 31 anos à época, lembra o contexto político e social que levou a sociedade brasileira a se unir em torno daqueles comícios gigantescos. O médico Jamil Murad, atendendo em hospitais públicos de São Paulo com seus 41 anos de idade, conta como os brasileiros de todos os níveis já estavam fartos da ditadura. 

Em sua biografia, Aurélio Peres, que aos 45 anos era deputado, se equilibrava em meio aos corredores da Câmara dos Deputados, com colegas que não sabiam muito bem para onde ir. Aurélio tinha clareza e operou para defender a emenda, as mobilizações e não titubeou ao decidir pelo apoio a um candidato ao Colégio Eleitoral, após a derrota da emenda das Diretas.

Leia também: 40 anos depois, cobertura das Diretas Já! ainda mancha a Globo

Luciano Siqueira tinha 38 anos, antes de se tornar deputado, vereador e até vice-prefeito. Ao participar ativamente das mobilizações em Pernambuco, ele conta como aquele momento foi de profundo aprendizado para uma sociedade que estava desacostumada com os ares da democracia.

Do mesmo modo, a ex-deputada Jô Moraes, também com 38 anos, corria da polícia mineira em 1984, enquanto reunia mulheres para a luta pelas Diretas. Para ela, com a guerra cultural e ideológica que se enfrenta nas redes sociais, hoje é mais difícil lutar por aqueles ideias.

Aos fatos

Ainda em 1983, houve um comício pouco noticiado diante do estádio do Pacaembu, em São Paulo, no dia 27 de novembro, conforme cresciam as mobilizações em torno da Emenda Dante de Oliveira (PMDB-MT), que propunha o restabelecimento imediato das eleições diretas para presidente da República. Em 12 de janeiro, aconteceu o primeiro grande comício da campanha, em Curitiba, reunindo sessenta mil pessoas, segundo os organizadores. 

Leia também: 40 Anos das Diretas Já: A resistência que moldou a democracia

O comício de São Paulo foi bem maior. As avaliações dão conta de 400 mil participantes, mesmo debaixo de duas horas de chuva ininterrupta. Estavam presentes personalidades do mundo político — Franco Montoro, Ulysses Guimarães, Luiz Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola — e artístico —, Bruna Lombardi, Alceu Valença, Chico Buarque, Fernanda Montenegro, Ester Góes, Regina Duarte, Carlos Vereza, Jards Macalé, Fafá de Belém, Gilberto Gil e Moraes Moreira. 

“A Bastilha, que é o símbolo da usurpação do povo, e que se chama Colégio Eleitoral, caiu, hoje, aqui. O povo, os 400 mil brasileiros que aqui se encontram tomaram os cárceres em cujos porões a ditadura aprisionou os títulos (eleitorais) de sessenta milhões de brasileiros”, disse Ulysses Guimarães. 

O governo de João Figueiredo jogou pesado para desmobilizar o comício. As redes de televisão foram proibidas de transmitir o evento para fora da cidade de São Paulo. Só a Bandeirantes desafiou a ditadura e mostrou, ao vivo em rede nacional, trechos importantes do comício. Seu presidente, João Saad, foi intimidado por Figueiredo a comparecer em seu gabinete. Com o Decreto de concessão do canal da Bandeirantes em Brasília na mão, o ditador ameaçou cancelar o contrato e, com fúria, o transformou em papel picado. 

Leia também: O PCdoB e a campanha das Diretas

O deputado Dante de Oliveira colheu as assinaturas em apoio à proposta em fevereiro de 1983, mas ninguém fazia a mais remota ideia de que ela decolasse com o impulso de uma gigantesca mobilização popular. Ela precisava de dois terços para ser aprovada. Havia ainda os degraus regimentais para a sua tramitação, um labirinto totalmente vigiado pelos governistas. Aprovar uma emenda constitucional contra o regime era praticamente impossível, como se confirmou. 

Depois de virar realidade em abril de 1983, acabou enfiada em alguma gaveta e voltou a ver a luz somente em 1984, quando já estava na boca do povo. Ostentando a cor amarela como símbolo do movimento, os comícios, cada vez mais gigantes, tomaram conta do país. 

No dia da votação da emenda, Brasília estava praticamente sitiada. No comando das medidas de emergência que vigorariam entre 20 e 30 de abril estava o truculento general Newton Cruz, comandante militar do Planalto. O Comitê Nacional pró-diretas havia programado para aquela data uma jornada de vigília cívica de acompanhamento das discussões e votação da emenda. 

Leia também: Haroldo Lima, ex-deputado comunista, comenta 35 anos das “Diretas, já”

Contudo, o resultado da votação na Câmara dos Deputados frustrou todas as expectativas. Por falta de 22 votos, a emenda Dante de Oliveira foi rejeitada. A multidão que lotava as galerias do Congresso, entre lágrimas, deu-se as mãos e, erguendo-as, cantou o hino nacional. 

Grandes comícios voltaram a ocorrer no país. Dali em diante, a discussão seria sobre como a oposição deveria se posicionar no Colégio Eleitoral. Em 19 de junho de 1984, nove governadores do PMDB e Leonel Brizola, do PDT, reuniram-se em São Paulo e indicaram Tancredo Neves como candidato da oposição à sucessão presidencial.

Havia uma fervura nos bastidores do governo, com a dissidência que se bandeou para a candidatura de Tancredo Neves. O ministro do Exército, Délio Jardim de Mattos, chegou a chamar de “traidores” os que não aceitavam a candidatura de Paulo Maluf. 

Havia rumores de que o candidato da oposição poderia ser assassinado. No primeiro comício na cidade de Goiânia, terroristas da ditadura espalharam cartazes e picharam paredes de Goiânia associando Tancredo Neves ao PCB e ao PCdoB. Ocorreram prisões de agentes militares pilhados nessa tarefa em Brasília e Salvador.

Quando Tancredo Neves deixou o governo de Minas Gerais para assumir a candidatura, os partidos comunistas decidiram não levar seus símbolos no ato político para evitar exploração política. Contudo, duas bandeiras do PCdoB apareceram na manifestação; descobriu-se depois que foram levadas por membros da Polícia Federal. 

Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves elegeu-se presidente da República, derrotando o candidato da ditadura militar, Paulo Maluf, no Colégio Eleitoral. Com as expectativas renovadas pelo regime batizado por Tancredo Neves de “Nova República”, o país passou a respirar novos ares. A morte de Tancredo antes da posse não arrefeceu as esperanças.

Para os trabalhadores, além da ampliação das liberdades o país precisava começar a varrer as marcas deixadas pelos anos de chumbo. A forma de se fazer isso seria a realização de uma Assembleia Constituinte, comandada pelo governo assumido por José Sarney, para gravar na Constituição os direitos de uma sociedade com um mínimo de democracia para o povo. Apesar da Nova República, as velhas oligarquias, a estrutura social do país fendida em dois extremos e a máquina estatal montada para garantir privilégios para poucos continuavam exibindo poder no novo regime. 

Aurélio Peres: Uma vida na luta por eleições diretas

Aurélio Peres, ex-deputado federal pelo PMDB e militante comunista, foi uma figura proeminente nos turbulentos anos da década de 1980 no Brasil. Sua biografia, šintitulada Aurélio Peres — Vida, Fé e Luta, escrita por Osvaldo Bertolino, oferece um olhar detalhado sobre aquele período histórico e suas reflexões sobre os eventos que moldaram a redemocratização.

Em 1981, o cenário político estava fortemente influenciado pelo “pacote de novembro”, uma minirreforma política, que buscava favorecer o partido do regime militar nas eleições vindouras. Aurélio, em resposta a essas manobras, defendeu a unidade das oposições em torno de um projeto comum de mudança radical na política econômica e na defesa das eleições de 1982 sem casuísmos.

Por meio do Bloco Popular, o PMDB aprovou a defesa de eleições diretas para presidente da República, e Aurélio Peres foi um dos responsáveis por instituir o “Movimento Teotônio Vilela pelas Eleições Diretas”, homenageando o senador falecido recentemente. Esse movimento suprapartidário tinha como objetivo coordenar nacionalmente a luta pelo pleito direto.

Aurélio relembra o início das manifestações em prol das eleições diretas, como o pequeno comício-relâmpago no Largo Treze de Maio, em 14 de janeiro de 1984. A mobilização ganhou força com a criação de comitês estaduais, municipais e zonais do Movimento Teotônio Vilela, espalhando a campanha por todo o país. 

Aurélio Peres enfatizava a importância de envolver o movimento sindical na luta pelas diretas, destacando a iniciativa do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. No entanto, ele reconhece que o apoio das bases sindicais ainda não era totalmente consolidado e defendia um maior engajamento da classe operária na causa das eleições diretas.

Enquanto a oposição tentava impulsionar a campanha das diretas, o governo militar contra-atacava com propaganda e manobras políticas. Aurélio denunciava a postura autoritária do regime, criticando a tentativa de trocar as eleições diretas por uma saída via Colégio Eleitoral.

O cume desse movimento histórico ocorreu nos comícios de 10 de abril de 1984, no Rio de Janeiro, e 16 de abril, em São Paulo, que reuniram milhões de manifestantes em apoio às eleições diretas. De lá, Aurélio expressou sua confiança na vitória da campanha e rejeitou qualquer acordo que comprometesse os princípios democráticos.

Após a derrota da emenda constitucional, Aurélio criticou esquerdistas que recusavam a disputa com um candidato progressista no Colégio Eleitoral, reforçando sua posição em defesa da democracia.

A vitória de Tancredo Neves nas eleições indiretas representou não apenas o fim de uma longa jornada de luta contra o regime, mas também um reconhecimento pessoal da dedicação de Aurélio Peres à causa democrática, como reconheceu a própria imprensa da época.

Nivaldo Santana: Um marco na história da democracia

Nivaldo Santana, secretário sindical nacional do PCdoB, mergulha nas lembranças vívidas naquele período marcante, ressaltando o contexto político e social que levou à mobilização histórica.

“A ditadura militar estava num processo progressivo de isolamento político e social. Houve grandes mobilizações de trabalhadores, greves, passeatas estudantis”, afirma.

As eleições diretas de 1982, que viram a vitória da oposição em 10 estados, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, são destacadas por ele como fundamentais para criar as condições para o movimento maior.

Nivaldo narra os momentos marcantes das manifestações em São Paulo, onde multidões se reuniam em lugares emblemáticos como o Pacaembu, a Praça da Sé e o Vale do Anhangabaú, este último testemunhando a presença de mais de um milhão de pessoas. Ele enfatiza o apoio político e logístico dado pelo governador Franco Montoro, que abriu as catracas do metrô para facilitar a participação popular.

As Diretas Já, para o sindicalista, representaram um ponto de inflexão que culminou na derrota do regime militar e na abertura política. Mesmo com a derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso Nacional, Nivaldo destaca que a mobilização popular pavimentou o caminho para a eleição de Tancredo Neves e a posterior redemocratização do país.

O dirigente ressalta que o legado das Diretas Já foi além da redemocratização, inaugurando um novo ciclo político no Brasil. No entanto, ele reconhece os desafios econômicos enfrentados pelo país após a ditadura, destacando a necessidade de desenvolvimento econômico aliado à democracia.

“Depois de 40 anos da campanha das Diretas, a luta pela democracia deve continuar sendo uma bandeira prioritária, viabilizada pela união de amplas forças políticas e sociais”, afirma.

Jamil Murad: Memórias de um médico contra a ditadura

Jamil Murad, membro do PCdoB desde 1968 e destacado militante entre a população de São Paulo, abre as portas de suas memórias para compartilhar suas experiências e reflexões sobre os anos sombrios da ditadura militar no Brasil.

Desde o início da ditadura, Jamil foi testemunha ocular da violência do regime, que não hesitou em reprimir, torturar e matar aqueles que se opunham ao seu poder autoritário. Para ele, esse período foi marcado pela perda de liberdades individuais e pela submissão aos interesses estrangeiros.

Entretanto, ele ressalta que o povo brasileiro nunca se curvou diante dos generais. Da guerrilha da Araguaia à mobilização das Diretas Já, os brasileiros enfrentaram as adversidades mais severas para defender sua pátria e seus direitos.

Ao relembrar os eventos que culminaram nas Diretas Já, Jamil destaca a determinação popular em resistir à ditadura. Ele recorda os momentos-chave das manifestações, especialmente a grande mobilização no Vale do Anhangabaú, que reuniu mais de um milhão de pessoas em um clamor uníssono por democracia.

A construção do movimento das Diretas Já, segundo ele, foi uma estratégia inteligente e hábil, que uniu diversos setores da sociedade contra o regime militar.

Apesar da derrota das Diretas Já com a posterior eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral, o Brasil iniciou uma nova era política, como destaca Jamil, que se tornou um parlamentar querido dos paulistanos. Ele enfatiza a importância desse momento e sua contribuição para as conquistas subsequentes, incluindo as cinco eleições presidenciais vencidas por forças democráticas.

No entanto, Jamil adverte que os desafios persistem no Brasil contemporâneo. O país precisa de reformas estruturais profundas para alcançar seu verdadeiro potencial e se tornar uma nação próspera e justa para todos os seus cidadãos. Ele expressa sua convicção de que, assim como o rio que corre para o mar, a busca por um Brasil melhor e mais justo é inevitável e irrefreável.

Luciano Siqueira: 40 anos de lutas e aprendizados

Com 52 anos de militância no PCdoB, Luciano Siqueira compartilhou sua visão e experiência durante esses momentos seminais da história brasileira.

“Sinto-me privilegiado por ter vivenciado e participado ativamente da campanha das Diretas Já”, expressou. “A campanha das Diretas Já representou um momento crucial na luta pelo fim da ditadura militar.”

Rememorando os momentos marcantes da campanha em Pernambuco, Luciano destacou dois eventos particulares. O primeiro foi um grande encontro no ginásio de esportes, onde diversas delegações de todo o estado se reuniram em apoio à causa. O segundo foi uma manifestação histórica no largo da feira de Santa Mara, que se tornou uma das maiores da história do Recife até então.

“Mesmo que a emenda Dante de Oliveira não tenha sido votada, o movimento das Diretas Já teve um impacto profundo em todo o país”, explicou. “Esse movimento se transformou em um amplo apoio à candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, o que culminou na vitória e nos passos iniciais da redemocratização que conhecemos.”

Para ele, a formação da consciência social avançada é um processo complexo, pois “o mesmo povo que foi às ruas pedir Diretas Já, é também um povo suscetível sob a pressão das condições objetivas adversas, a se confundir e fracionar sua consciência política”. Ele destacou que, apesar das idas e vindas ao longo dos últimos 40 anos, o período das Diretas Já representou um grande aprendizado para o povo brasileiro.

“É um processo complexo, sujeito a altos e baixos”, afirmou ele. “Mas acredito que é possível o povo brasileiro se libertar a si mesmo e melhorar seu padrão de vida material e espiritual, dando um passo adiante em direção à própria emancipação dos trabalhadores.”

Jô Moraes: A luta contínua pela democracia

Jô Moraes, revive com emoção e vivacidade sua participação na histórica campanha das Diretas Já em Minas Gerais. “Naquele ano de grandes lutas, eu já estava aqui em Belo Horizonte, na transição entre sair da anistia e atuar na vida política”, conta Jô Moraes. “A campanha das diretas em Minas teve uma importância muito grande, pois Tancredo Neves era governador do estado.”

Jô destaca o papel fundamental das mulheres na campanha em Minas Gerais. “Nós criamos o comitê feminino suprapartidário pelas diretas e tivemos uma atividade intensa. Fomos as mulheres que, em fevereiro, fomos para a Praça da Rodoviária fazer a primeira atividade de defesa das diretas”, lembra ela.

Ela descreve a mobilização das mulheres, que incentivavam umas às outras a se envolver na campanha, por meio de uma corrente que, se fosse quebrada, acabava com o Maluf governando o Brasil. “Foi tão forte a incorporação das mulheres nessa campanha que, quando a votação da emenda Dante de Oliveira foi derrotada, nós fizemos uma manifestação enterrando simbolicamente com um caixão todos os deputados que votaram contra as diretas”, relata Jô. A repressão policial fez com que a mulherada corresse para um parque com o caixão feito de caixa de geladeira. Ninguém foi presa, pois a polícia preferiu levar o caixão, as flores e faixas.

Sobre o legado das Diretas Já, a ex-deputada ressalta que o compromisso de garantir a democracia e a liberdade no país continua, embora os desafios sejam diferentes. “Hoje, lutar em defesa da liberdade e da democracia é muito mais difícil do que o período que vivemos na ditadura”, afirma. “Estamos na disputa de uma guerra cultural, que exige uma imensa capacidade de compreender, se aproximar do povo e enfrentar as estruturas novas da disputa que realizamos.”

Com informações de “Aurélio Peres — Vida, Fé e Luta“, escrita por Osvaldo Bertolino, pela Editoria Anita Garibaldi.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniaopolitica_23.html 

Fotografia: a arte de Cássio Vasconcelos

 

Cássio Vasconcelos

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniaopolitica_25.html

Cláudio Carraly opina

Revolução permanente no sistema educacional brasileiro
Cláudio Carraly*


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Na atualidade, em meio à revolução da informação e da tecnologia, a
educação se depara com um dilema premente: persistir em métodos seculares
ou abraçar uma transformação indispensável para preparar os alunos aos
desafios contemporâneos. Exploramos aqui a urgência de reformar o sistema
educacional, apresentando ideias inovadoras e exemplificando experiências
bem-sucedidas globalmente, além de evidenciar iniciativas no cenário
educacional brasileiro. Ao longo de séculos, o modelo educacional tem
resistido à mudança, mantendo-se, em diversos aspectos, vinculado a
estruturas e métodos que já não conseguem atender às demandas de uma
sociedade em constante evolução, o desafio consiste em superar a inércia de
uma tradição arraigada e repensar os fundamentos da educação.

Para compreender a necessidade de mudança, torna-se imperativo
analisar o legado do sistema educacional, currículos inflexíveis, ênfase
excessiva na memorização e uma abordagem uniforme para todos os alunos
são características persistentes. Como destacou o educador John Dewey. Se
não aproveitarmos a oportunidade de reformar o sistema educacional,
continuaremos a produzir mentes treinadas, não mentes pensantes. 

Uma abordagem para superar as limitações do sistema atual é a personalização do ensino, plataformas adaptativas, que utilizam algoritmos para ajustar o
conteúdo com base no progresso individual do aluno, promovem uma
aprendizagem mais eficaz e inclusiva, abandonar a passividade em favor do
aprendizado ativo, mediante experiências práticas e projetos colaborativos,
estimula o pensamento crítico e a resolução de problemas do mundo real.

A tecnologia desempenha um papel crucial na redefinição da educação,
e seu desenvolvimento tende a crescer nos próximos anos, principalmente com
o acesso e o barateamento das tecnologias, ambientes virtuais, realidade
aumentada e inteligência artificial proporcionam recursos dinâmicos, tornando o
processo de aprendizado mais envolvente e alinhado com as expectativas dos
alunos imersos na era digital, contudo, ao inserir a tecnologia na redefinição da
educação, é essencial considerar as distintas realidades regionais brasileiras,
bem como a questão financeira que afeta estados e municípios. Levar em
conta as diferenças regionais é fundamental ao implementar tecnologias
educacionais. O Brasil, dada sua diversidade socioeconômica marcante entre
as regiões, exige uma abordagem flexível, ao introduzir ferramentas digitais,
torna-se necessário considerar as peculiaridades de cada local, adaptando os
recursos tecnológicos para atender às necessidades específicas necessidades
específicas do corpo docente e discente.

A questão financeira que afeta estados e municípios brasileiros não
pode ser negligenciada, diante dos desafios econômicos, é crucial encontrar
soluções inovadoras que permitam a incorporação da tecnologia de forma
sustentável, parcerias público-privadas, captação de recursos por meio de
iniciativas comunitárias e a otimização de investimentos são estratégias que

2
Podem viabilizar a implementação de ferramentas tecnológicas sem
sobrecarregar os orçamentos educacionais, evitando a criação de um hiato
tecnológico entre os estados mais ricos e os mais pobres, a aplicação da
tecnologia na educação deve ser customizada para atender às necessidades
específicas de cada região, em áreas mais remotas, onde a conectividade
pode ser um desafio, soluções tecnológicas offline devem ser exploradas. Além
disso, o conteúdo digital pode ser adaptado para refletir a diversidade cultural
do país, promovendo uma educação mais inclusiva e contextualizada, a
eficácia da integração tecnológica na educação depende fundamentalmente da
capacitação e qualificação dos professores, investir em programas de formação
continuada que abordem não apenas o aspecto técnico, mas também as
melhores práticas pedagógicas para a utilização da tecnologia é essencial,
especialmente em regiões onde a infraestrutura educacional pode ser mais
limitada, justificando um maior investimento, mas nada disso se opera com
qualidade se os educadores não tenham uma melhora elevada na persecução
dos seus ganhos salariais e uma reformulação da politica de carreira que eleve
a categoria ao patamar que merece.

Compreendendo as disparidades financeiras regionais, estratégias de
escalonamento gradual podem ser implementadas, iniciar a introdução da
tecnologia em locais específicos, como polos educacionais ou projetos-piloto,
permite avaliar a eficácia e os desafios antes de uma expansão mais ampla,
esse enfoque gradual possibilita ajustes conforme as necessidades, evitando
contratempos significativos, a colaboração entre instituições de ensino,
governos estaduais, municipais e organizações não governamentais é
essencial para superar desafios financeiros, compartilhar recursos,
experiências bem-sucedidas e estratégias de implementação pode fortalecer a
capacidade de adaptação das diferentes localidades, criando um ecossistema
educacional mais resilientes, a customização das soluções, a capacitação
continuada do corpo docente, estratégias de melhoramento das condições de
trabalho e salário , além da colaboração interinstitucional são fundamentais
para garantir que a tecnologia seja um instrumento de transformação
educacional acessível e eficiente em todas as partes do Brasil.

Reformar os currículos para priorizar habilidades essenciais, como
pensamento crítico, comunicação eficaz, e resolução de problemas, é
essencial, esse enfoque prepara alunos para os desafios do mercado de
trabalho, indo além da mera acumulação de conhecimento, a colaboração
entre escolas, empresas e comunidade é uma estratégia que está ganhando
destaque, estágios, mentorias e projetos conjuntos proporcionam aos aluos
uma visão prática do mundo profissional, contribuindo para uma transição mais
suave da educação para a carreira, empoderar os educadores com maior
autonomia e flexibilidade em suas abordagens pedagógicas é vital, incentivar a
criatividade e permitir a experimentação não apenas motiva os professores,
mas também cria um ambiente mais dinâmico e adaptável, o sistema
educacional em muitas partes já se reformula no intuito de uma abordagem
centrada no estudante, com menos horas de sala de aula e foco na
aprendizagem prática, priorizando a compreensão profunda sobre a quantidade
de informações.

3
Outro exemplo de como a inovação pode ser integrada ao sistema
educacional em uma abordagem multidisciplinar, que já prática comum na
educação atua, incorpora a tecnologia, ao aprendizado baseado em
problemas e ênfase na colaboração, demonstra uma visão alinhada com as
demandas contemporâneas, escolas que adotam a pedagogia de projetos,
investem em ensino híbrido e integrando a tecnologia e têm registrado
impactos positivos na formação dos estudantes, preparando-os para um futuro
complexo e dinâmico. Logicamente diante de limitações orçamentárias, é
imperativo abraçar a criatividade como uma aliada na busca por uma educação
transformadora.

As Inovações não precisam necessariamente demandar altos
investimentos; pelo contrário, muitas vezes, soluções eficazes podem ser
encontradas com recursos limitados, a ideia de que é possível melhorar o
ensino com menos dinheiro, mas com uso da criatividade, ganha destaque,
estratégias como o compartilhamento de recursos entre escolas, parcerias com
empresas locais para doações de materiais, além da reutilização de materiais
didáticos, essas são alternativas viáveis para diminuição de custos, além disso
explorar os equipamentos sociais locias disponíveis, é uma abordagem
sustentável, com o envolvimento ativo da comunidade sendo possível
aproveitar espaços públicos, como bibliotecas, centros culturais, quadras
poliesportivas, espaços de igrejas e clubes de bairros, para enriquecer o
ambiente de aprendizado sem sobrecarregar o orçamento escolar.

Reformar o sistema educacional não exige apenas mais recursos, mas
uma redefinição das prioridades orçamentárias, investir nos professores,
desenvolvimento de programas educacionais inovadores e atualização de
infraestrutura física, didática e tecnológica, podem gerar resultados
significativos. Um dos principais desafios para a reforma educacional é a
resistência institucional, estruturas consolidadas e paradigmas estabelecidos
muitas vezes impedem a rápida implementação de mudanças significativas,
superar essa resistência demanda um comprometimento coletivo de
educadores, gestores e comunidade, a comunicação eficaz, diálogo aberto e
envolvimento ativo de todas as partes interessadas são cruciais para vencer
essa barreira, afinal é evidente que a educação brasileira não vai bem e fazer
mais do mesmo não resolverá problemas de décadas.

A implementação destas mudanças substanciais requer investimentos
significativos, mas também exige uma abordagem estratégica na alocação
desses recursos, captação de recursos por meio de iniciativas comunitárias,
parcerias público-privadas e a busca por programas de financiamento
internacionais, podem ser exploradas para maximizar o impacto dos
investimentos na educação, a avaliação constante das mudanças é essencial
para ajustar e aprimorar as estratégias adotadas, esses sistemas de avaliação
que vão além de testes padronizados devem ser desenvolvidos para medir o
progresso em habilidades relevantes e o desenvolvimento integral do corpo
discente e doscente. É fundamental para efetividade desse processo o
continuo feedback dos educadores, trabalhadores, estudantes e pais, o apoio
ativo da comunidade é a pedra angular para o sucesso de qualquer reforma
estrutural na educação, estratégias de envolvimento, como reuniões regulares,

4
Fóruns abertos e programas de voluntariado, podem criar uma rede de apoio
bastante robusta, a comunidade não apenas fornece recursos, mas também
vai contribuir com ideias valiosas e perspectivas diversas, além de fiscalizar as
ações.

O sucesso da transformação educacional reside na integração eficaz de
novas ideias, não se trata apenas de implementar mudanças isoladas, mas de
criar uma abordagem multidisciplinar que alinhe diversas estratégias para
proporcionar uma experiência educacional completa e adaptável, para garantir
a sustentabilidade a longo prazo, é crucial que as abordagens sejam
adaptáveis e capazes de evoluir com as necessidades em constante mudança
da sociedade, abordagens flexíveis e políticas educacionais que promovam a
inovação contínua são essenciais para construir um sistema resiliente e
proativo, também é fundamental a troca de experiências e divulgação para
socialização das melhores práticas, enriquecendo assim a busca por uma
educação transformadora, colaborações com instituições educacionais em
outros países podem proporcionar momentos valiosos e inspiração para
aprimorar as práticas locais de ambos os países.

Em meio aos desafios e oportunidades que permeiam a reforma
educacional, a necessidade de uma mudança é imperativo para um salto de
qualidade de toda sociedade, superar a inércia do passado exige uma
abordagem corajosa e comprometida com a construção de um sistema
educacional que prepare os alunos não apenas para o presente, mas para
liderar no futuro. Ao desafiar a tradição com criatividade, eficiência e uma visão
de longo prazo, podemos construir um ambiente educacional dinâmico e
adaptável, a educação transformadora não é apenas uma aspiração, mas uma
necessidade urgente para capacitar as gerações futuras a enfrentar os
desafios complexos e explorar as oportunidades inexploradas que aguardam,
rumo a um futuro mais promissor, uma nova visão sobre a educação e o seu
sistema é o primeiro passo nessa incrível jornada rumo ao futuro.

*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco

Poema de Paulo Freire com ilustração de Pablo Picasso https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/palavra-de-poeta-paulo-freire.html

Minha opinião/crônica

Uma velha ideia na moda

Luciano Siqueira

 

Não sei exatamente a razão, nos últimos três dias tenho lido e ouvido e até visto na TV o uso da expressão imediatismo — em sentido crítico, de rejeição.

Obviamente, gente metida em empreitadas aparentemente difíceis, amargando resultados inicialmente negativos, recorre à crítica aos que supostamente lhes cobram o êxito antes do tempo.

Cá com meus modestíssimos botões, assisto de camarote. 

Praticamente a vida inteira tenho sido militante marxista-leninista empenhado na causa do socialismo. E com muita frequência cobrado sobre a perspectiva, ou seja, qual o horizonte visível do sonho socialista?

E, de fato e com razão, sempre respondi que esta é uma causa a ser perseguida livre de qualquer expectativa imediatista, pois haverá de ser fruto de longa caminhada palmilhada por conflitos de diversas dimensões e pelo acúmulo paulatino de consciência e de força organizada por parte dos milhões que formam a maioria no país e sobrevivem do próprio trabalho — do proletariado propriamente dito ao mundo acadêmico.

O fato é que a expressão "não seja imediatista" parece estar na moda. Ou terá sido mera coincidência?

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniaopolitica_25.html

Humor de resistência: Nando Motta

 

Nando Motta

Poema de Paulo Freire com ilustração de Pablo Picasso https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/palavra-de-poeta-paulo-freire.html

Petrobras para quem?

Por que Petrobras é petroleira que mais paga dividendos para acionistas no mundo?

Mariana Schreiber/BBC

 

A distribuição de dividendos (remuneração aos acionistas com parcela do lucro) pela Petrobras virou alvo de intensa discórdia, após a empresa ampliar fortemente esses pagamentos em 2022 e 2023, período em que se destacou como a petroleira que mais pagou dividendos no mundo (US$ 57,6 bilhões).

De um lado, parte do governo e grupos que defendem o papel central da estatal no desenvolvimento do país querem que a empresa reduza o pagamento aos acionistas para ampliar seus investimentos, por exemplo, com a construção de novas refinarias (unidades que transformam óleo bruto em combustíveis) e fontes alternativas de energia.

De outro lado, analistas de mercado e acionistas da empresa defendem que a empresa mantenha o alto patamar de distribuição de dividendos, o que torna suas ações mais atrativas. Eles argumentam que a empresa já tem um nível elevado de investimentos e que certos projetos de interesse do governo, como as refinarias, não seriam lucrativos.

Em meio a essa disputa, os acionistas da empresa aprovaram nesta quinta-feira (25/04) distribuir R$ 21,95 bilhões em dividendos extraordinários, referentes aos lucros de 2023, depois que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tentou bloquear a liberação desses recursos em março.
 

A distribuição de dividendos (remuneração aos acionistas com parcela do lucro) pela Petrobras virou alvo de intensa discórdia, após a empresa ampliar fortemente esses pagamentos em 2022 e 2023, período em que se destacou como a petroleira que mais pagou dividendos no mundo (US$ 57,6 bilhões).

De um lado, parte do governo e grupos que defendem o papel central da estatal no desenvolvimento do país querem que a empresa reduza o pagamento aos acionistas para ampliar seus investimentos, por exemplo, com a construção de novas refinarias (unidades que transformam óleo bruto em combustíveis) e fontes alternativas de energia.

De outro lado, analistas de mercado e acionistas da empresa defendem que a empresa mantenha o alto patamar de distribuição de dividendos, o que torna suas ações mais atrativas. Eles argumentam que a empresa já tem um nível elevado de investimentos e que certos projetos de interesse do governo, como as refinarias, não seriam lucrativos.

Em meio a essa disputa, os acionistas da empresa aprovaram nesta quinta-feira (25/04) distribuir R$ 21,95 bilhões em dividendos extraordinários, referentes aos lucros de 2023, depois que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tentou bloquear a liberação desses recursos em março.
 

Os dividendos extraordinários são aqueles pagos além do mínimo previsto em regras de mercado e da própria empresa. A Petrobras já havia anunciado um total de R$ 72,4 bilhões em dividendo ordinários referentes aos ganhos de 2023, parte dos quais já foi paga no ano passado.

A aprovação do pagamento extra agora reflete um recuo do Palácio do Planalto, após as ações da estatal levarem um tombo de 10% em um dia, no mês passado, devido à insatisfação do mercado com a decisão inicial.

Embora a Petrobras seja uma companhia de capital aberto, a União mantém controle acionário da empresa e, por isso, é determinante na decisão de liberação desses recursos.

No entanto, a mudança de rumo não deixa de ter um lado positivo para o governo. Como maior acionista da Petrobras, a União deve receber R$ 6 bilhões dos dividendos extras liberados, valor que pode contribuir para reduzir o rombo nas contas federais.

Nos últimos dois anos, os valores recebidos somaram R$ 83,9 bilhões.

Por que Petrobras se tornou a maior pagadora?

Levantamento do especialista em dados financeiros Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria, para a BBC News Brasil, mostra que os dividendos distribuídos pela Petrobras tiveram forte alta nos últimos três anos.

A estatal pagou R$ 72,7 bilhões em 2021, R$ 194,6 bilhões em 2022, e R$ 98,2 bilhões em 2023.

Considerando os valores em dólar, a empresa aparece como a maior pagadora de dividendos entre as grandes petroleiras nos dois últimos anos, quando os desembolsos somaram US$ 57,6 bilhões, superando em muito as outras três maiores pagadoras no período, como Exxon Mobil (US$ 29,8 bilhões), Chevron (US$ 22,3 bilhões) e Petrochina. (US$ 20,4 bilhões).

Os valores contabilizados por Einar Rivero representam o que de fato saiu do caixa da empresa no período, em dividendos e juros sob capital próprio (um outro tipo de dividendo). Parte do que é pago em um ano é referente aos ganhos do exercício anterior, e assim sucessivamente.

A quantia total paga de 2021 a 2023 (R$ 365,5 bilhões) é seis vezes maior do que tudo que foi distribuído entre 2010 e 2020 (R$ 59,3 bilhões).

O aumento recente reflete a maior lucratividade da empresa — em momento de disparada da cotação do petróleo — e a decisão de guardar uma parte menor desses ganhos para investimentos.

A Petrobras registrou seus dois maiores lucros da história em 2022 (R$ 188,3 bilhões) e 2023 (R$ 124,6 bilhões). Nesse período, investiu quase R$ 25 bilhões em 2022 e R$ 42,2 bilhões em 2023.

São números expressivos, mas bem abaixo do registrado entre 2010 e 2015 (média anual de R$ 77,1 bilhões em investimentos), durante o governo Dilma Rousseff (PT).

Foi um período marcado por fortes investimentos para a exploração das reservas de petróleo no pré-sal, mas também por projetos controversos, como obras com desvios de recursos, escândalo revelado pela operação Lava Jato.

Para o engenheiro químico Felipe Coutinho, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), esses altos investimentos feitos anos atrás se refletem na alta dos lucros hoje. Na sua visão, a política de reduzir investimentos e maximizar o pagamento de dividendos não é sustentável para a empresa.

Ele nota que, ao mesmo tempo que os dividendos pagos são os maiores do mundo, os investimentos dos últimos anos ficaram abaixo das principais concorrentes.

"O dividendo que é distribuído hoje, o lucro que é gerado hoje, é resultado do investimento do passado", afirma.

"Então, se você não faz investimento na proporção necessária para encontrar petróleo na mesma medida que você esgota (as reservas), se não investe para agregar valor ao petróleo com refino, transporte e comercialização, se não investe na petroquímica, se não investe no que vai te gerar receita futura, na verdade você compromete o futuro da empresa", argumenta.

Críticos da gestão da empresa durantes os primeiros governos petistas reconhecem a importância dos investimentos para exploração do pré-sal, mas avaliam que outros projetos tocados pela Petrobras seguiram mais a visão política do governo, do que uma avaliação do que seria a forma mais rentável de aplicar os ganhos da companhia.

Para esse grupo, decisões erradas de investimentos, o controle dos preços dos combustíveis (quando a Petrobras vende gasolina e diesel a preços menores do que os praticados internacionalmente) e os impactos dos escândalos de corrupção são fatores que explicam os quatro anos em que a empresa registrou prejuízos, somando mais de R$ 70 bilhões em perdas de 2014 a 2017.

"Em 2015, devido a todos os escândalos, a Petrobras não pagou dividendos. E em 2016 e 2017, o valor somado foi de R$ 777 milhões, o que para a Petrobras é nada", nota Rivero.

Na sua avaliação, os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro promoveram a retomada dos dividendos, com um patamar razoável de investimento, com média anual de R$ 28 bilhões entre 2017 e 2022.

"Poderia se deduzir (dos números): uma empresa saneada, posteriormente a todos os escândalos, conseguiu investir e, além de investir, pagar ainda dividendos", afirma.

'Dividendos altos refletem riscos maiores', diz professor

Para o professor de finanças Rafael Schiozer, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), as ações da empresa desabaram em março porque os acionistas entenderam que o governo estaria segurando caixa para fazer "investimentos de cunho político, que não se pagam, com retorno menor que o custo de capital da empresa".

"São investimentos fora da área core (principal negócio) da Petrobras, em que a Petrobras realmente é muito competente, que são a exploração e produção no pré-sal. Por exemplo, a Petrobras não tem retorno muito bom nesses projetos de refino. Os últimos, inclusive, destruíram valor (da empresa)", argumenta.

Para Schiozer, o que é insustentável não é a empresa deixar de investir, mas alocar recursos em projetos que não são rentáveis. Na sua avaliação, os recordes em pagamento de dividendos não são um problema e é natural que a Petrobras pague mais que suas concorrentes.

"Obviamente, uma petroleira num mercado emergente tem que dar retorno maior para o acionista, porque o risco é muito maior. E, no caso da Petrobras, mais ainda, porque ainda tem o risco de influência política", disse.

Na visão do economista Adilson de Oliveira, professor aposentado da UFRJ, a distribuição de dividendos é de interesse da empresa.

"Manter um nível de dividendos razoável é importante para que as pessoas continuem investindo na Petrobras, continuem comprando ações da Petrobras", afirma.

Ele diz que os pagamentos elevados refletem a alta lucratividade da empresa no pré-sal.

"A Petrobras passou a gerar dividendos extraordinários porque o custo de produção da Petrobras no pré-sal é na faixa dos US$ 25 o barril, e ela vende isso há US$ 80 agora, mas chegou a vender a US$ 90", ressalta.

"Então, imagina a margem de lucro monumental que a empresa tem, e o governo, evidentemente, gostaria de se apropriar desses recursos para seus projetos específicos, e não necessariamente os projetos da empresa", acrescenta.

Interesses dos acionistas x interesses do país?

Por trás do embate dos dividendos, há duas visões sobre o papel da Petrobras. Há segmentos da sociedade e do governo que entendem que a estatal, maior empresa brasileira, deve ser usada para alavancar o crescimento do país e garantir segurança energética.

Já outros entendem que a companhia, ao ter ações em bolsa, deve ser gerida com foco em resultados. Na visão desse grupo, o bom desempenho financeiro da empresa traz naturalmente reflexos positivos para a economia e o governo, como a geração de empregos e o pagamento de impostos.

A discórdia sobre os investimentos em refinarias reflete essas diferentes visões.

Para o engenheiro químico Felipe Coutinho, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), é fundamental que a empresa invista no setor, para reduzir a dependência do país da importação de combustíveis. Hoje, a estatal exporta óleo bruto e importa derivados.

Além disso, ele refuta que a estratégia de investir em refino não seja rentável.

"O resultado do segmento de refino, transporte e comercialização (de combustíveis) varia de acordo com o preço do petróleo. É uma questão contábil. Quando o preço do petróleo está relativamente baixo, a Petrobras, como qualquer outra empresa, registra resultados contábeis maiores nesse segmento", afirma.

"E quando o preço do petróleo está relativamente alto, as empresas registram um desempenho contábil maior na exploração e produção (de óleo bruto). Então, a atuação integrada da Petrobras visa fazer com que a empresa seja rentável e sustentável independente da variação do preço", acrescenta.

O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Pedro Rodrigues, por sua vez, é mais um que crítica os investimentos em refinarias. Na sua visão, porém, o problema não está apenas nesse setor.

Na sua visão, também há projetos ruins na área de transição energética, como a criação de sete usinas eólicas offshore (no mar), em diferentes Estados ao longo da costa brasileira.

"O problema da Petrobras, é que a cada quatro anos (com a mudança de governo), o rumo da empresa muda da água para o vinho. Eu vejo que os investimentos que a nova direção tem indicado tem muito mais retorno político do que retorno econômico", avalia.

"Por exemplo, o volume de dinheiro indicado para a construção de eólicas offshore. Eu nem sei se Siemens tem turbina suficiente para atender esse volume (de energia), ou se o Brasil tem demanda suficiente para esse volume. Então, é uma coisa que não faz sentido", critica.

Nem sempre é o que parece https://bit.ly/3Ye45TD