14 maio 2025

Sérgio Barroso opina

Acordo China-EUA é vitória estratégica para o gigante asiático
Com avanços diplomáticos e econômicos, China amplia influência global enquanto os EUA recuam, consolidando uma virada estratégica no tabuleiro internacional.
A. Sérgio Barroso/Vermelho  

O passo rápido da China, nos terrenos geopolítico e geoeconômico, pode ser contrastado pelo atraso americano em relação aos novos acordos entre Brasil e China, China e Rússia, Brasil e Rússia, para começo de conversa. Ademais, a presença latino-americana na CELAC, em Pequim, certamente renderá mais frutos. A mudança tarifária para 30% ao invés de 145% (EUA à China), e de 125% para 10% (China aos EUA), em nada vai alterar a tendência sustentada do crescimento econômico chinês, que diversificou em muito suas relações comercias nesses últimos 10 anos. “A China concederá US$ 9,2 bilhões em créditos às nações da América Latina e do Caribe, anunciou na terça-feira (11/05/2025) o presidente Xi Jinping, durante a inauguração do IV Fórum Ministerial China-Celac, em Pequim” (O Globo).

No caso, houve dupla vantagem chinesa: espaço e tempo.

“Eu posso recuperar espaço. Tempo nunca” (Napoleão Bonaparte). Ou ainda, “O tempo é difícil de encontrar e fácil de perder” (Huainanzi, chinês, século II a. C.).

  1. O movimento geral da China, de rechaço à “estratégia” trumpista da “intimidação”, foi pela via da “dissuasão” e “Intimidação inversa”, invertendo a dinâmica de que era um adversário ingênuo ou débil, e respondendo com firmeza que não era uma batalha fácil que iria o centro imperialista encontrar. A resposta foi moderada, simbólica a demonstrar que a China estava falando sério. Sua autoridade como liderança global acresceu confiança aos chamados países “vulneriáveis”.
     
  2. A posição altiva chinesa parece ter alterado a conduta geopolítica dúbia do Brasil – envergonhada, no cenário internacional, cujo exemplo maior foi a capitulação do Itamaraty às pressões dos EUA para não reconhecermos as eleições na Venezuela. Não creio que se trate mais de uma postura defensiva em relação ao “polo” chinês. Os elogios rasgados de Lula à China, e as críticas claras à política de Trump sinalizam o assumir de uma política de aliança mais efetiva, saindo da rota de submissão a Washington.  Lula declarou que, “Hoje demos mais um passo para fortalecer nosso intercâmbio bilateral e criar oportunidades de comércio, investimentos e desenvolvimento. China e Brasil são parceiros estratégicos e atores incontornáveis nos grandes temas globais”, diant e de empresários chineses e brasileiros.
     
  3. A evolução do intricado e extremamente tenso do quadro internacional sugere demonstrar:

    a) apesar de provisória a trégua na “guerra comercial”, avulta o crescente protagonismo chinês nos terrenos geoeconômico e geopolítico globais, tendo o gigante asiático avançado inclusive a um sistema paralelo (ao SWIFT) de trocas monetárias, com sucesso. No meio desse turbilhão, em abril, o governo chinês testou com os Emirados Árabes um modelo de transferência bancária que utiliza o RMB (renminbi) digital, cuja unidade é a moeda chinesa yuan; resultou-se uma operação sem a necessidade de passar por bancos intermediários e que foi concluída em 7 segundos, um recorde entre grandes transações transfronteiriças; (Ver aqui)

    b) Isso indica que, como tem  defendido o professor Elias Jabbour, o Brasil só tem a ganhar, ao tomar a iniciativa de uma aliança mais profunda com a China, especialmente no que respeita à transferência de equipamentos de infraestrutura, tecnologias etc., incluindo a adesão do Brasil à Nova Rota da Seda. Entretanto, as circunstâncias que implicaram nesse novo “salto” espaço-temporal da China, dizem respeito à catastrófica “estratégia” trompista da “intimidação”, que supostamente reduziria o monumental déficit comercial americano – questão secundária à desestruturação econômica e social dos EUA. Almeja ainda uma espécie de tentativa de “substituição de importações”, política econômica utilizada pelo Brasil e vários países latino-americanos a partir dos anos 30 do século passado, visando a industrialização. O que é revelador do estágio avançado da decadência do império estadunidense.
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Humor de resistência

 

Quinho

Pepe Mujica, presente!

Seus braços se foram, Mujica, mas nós ainda estamos aqui. Gracias!
Ex-presidente uruguaio faleceu nesta terça (13), a uma semana de completar 90 anos
Priscila Lobregatte/Vermelho 

O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, uma das mais fascinantes figuras da política contemporânea, faleceu na tarde desta terça-feira (13), vítima de um câncer de esôfago. Daqui a uma semana, em 20 de maio, Mujica completaria 90 anos.

A doença havia avançado tão aceleradamente nos últimos dias que Lucía Topolansky, sua esposa há 40 anos, avisou nesta segunda (12) que Mujica estava sob cuidados paliativos, em fase terminal. Era um aviso de que a vida exemplar do ex-presidente estava terminando.

Em janeiro, de modo comovente, o líder uruguaio anunciou que, devido à idade avançada e a outros problemas de saúde, não teria forças para enfrentar os tratamentos convencionais. Assim, Mujica se despediu da vida pública. “Estou morrendo”, disse na ocasião o homem que, entre outras marcas profundas, era conhecido por sua lucidez, sabedoria e simplicidade.

Nascido em 20 de maio de 1935, em Montevidéu, Mujica deixou seu nome marcado na história política uruguaia e mundial por características nem sempre comuns aos homens públicos. De hábitos simples, vivia há anos num pequeno sítio nos arredores de Montevidéu, com Lucia Topolansky.

No quintal, onde costumava tomar mate com a companheira e visitantes, um Fusca 1987 azul, que virou um dos símbolos de seu despojamento — característica, aliás, comum ao povo uruguaio — dividia espaço com suas plantas e animais.

Seu desapego e sua vida modesta renderam-lhe o título de “presidente mais pobre do mundo”. Em resposta, mandou mais uma de suas frases célebres: “Não sou pobre. Sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade”.

Manuela

Por 22 anos, Mujica contou ainda com a companhia de Manuela, a cachorrinha de três patas que ficou famosa por aparecer com ele em fotos e durante entrevistas. A cadela – que morreu em 2018 – perdeu um dos membros após acidente com um trator dirigido pelo ex-presidente, que também era agricultor e floricultor.

Após a perda, Mujica renunciou ao cargo de senador. “Há o tempo de chegar e partir, o tempo não perdoa nem as pedras. Vou confessar para você, sabe quando tomei minha decisão? Quando Manuela morreu. Ainda sinto sua falta”, declarou em uma entrevista para a TV Telemundo.

Sobre a faceta de floricultor, vale lembrar de uma curiosidade: em 2013, um perfume feito com essência de flores e ervas de seu sítio representou o Uruguai na Bienal de Veneza.

O perfume “Pepe” nasceu como uma sátira do artista Martín Sastre aos produtos de luxo de grandes marcas de cosméticos e ganhou forma fictícia num frasco roxo exibido num vídeo de 2012, cujo nome era “U de Uruguay”. Mas, depois, o produto acabou sendo, de fato, feito em edição limitadíssima.  Foram três frascos, um dado ao presidente, um para Sastre e um para ser leiloado com fins beneficentes, segundo a agência EFE.

Na presidência

Entre 2010 e 2015, Mujica foi o 40º presidente do Uruguai, o segundo de esquerda do país, depois de Tabaré Vasquez, seu antecessor. A eleição de Mujica ocorreu em meio à onda de líderes de esquerda e progressistas que passaram a ocupar o poder de seus países na América Latina a partir dos anos 2000.

Em outubro de 2009, ao comemorar a vitória da Frente Ampla em segundo turno, o ex-guerrilheiro tupamaro, preso por mais de uma década pela ditadura e alçado ao mais alto posto da nação, pronunciou mais uma de suas falas marcantes: “Sabe de uma coisa, povo? O mundo está de pernas para o ar. Vocês deveriam estar aqui (no palanque), e nós aí embaixo, aplaudindo”, discursou. “Elegemos um governo que não é dono da verdade e precisa de todos. Custou-me uma vida entender que o poder está nas massas.”

Durante seu mandato, Mujica se tornou reconhecido internacionalmente pelas medidas avançadas que adotou sobre temas que eram tabu em muitos países. Mesmo no mais alto cargo do país, ele renunciou a viver na mansão presidencial à qual tinha direito e doava 90% de seu salário, que girava em torno US$ 12 mil mensais.

“Temos de escapar da escravidão que impõe a dependência material, que é uma das coisas que mais roubam tempo na sociedade contemporânea”, disse certa vez, ao semanário Búsqueda. “Se você se deixa arrastar pelas pressões da sociedade de consumo, não existe dinheiro que alcance, não tem fim, é infinito”, completou.

Sob seu governo, o Uruguai se tornou, em 2013, o primeiro país do mundo a legalizar a produção e a venda de maconha, iniciativa que, ao assegurar ao Estado o controle sobre o uso da droga, ajudou a combater o narcotráfico. Ao mesmo tempo, a medida evita prisões desnecessárias de usuários, a superlotação das prisões e o fortalecimento de facções internas, como ocorre no Brasil

Também foi sob seu mandato que, naquele mesmo ano, o Uruguai passou a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Um ano antes, o aborto foi legalizado, garantindo às mulheres o direito de interromper a gravidez de maneira segura.

A Frente Ampla, aliança política que teve Mujica como um de seus principais nomes, foi responsável por profundas mudanças sociais no país, que tiveram início antes de seu governo, ainda com Tabaré Vasquez, continuaram durante seu mandato e se estenderam para além dele.

Entre 2005 a 2020, o Uruguai teve uma queda drástica no índice de pobreza, que passou de 30% para 8% – praticamente não havia pessoas em situação de rua. O crescimento do país foi constante e o desemprego despencou de 22% em 2005 para 6,9% em 2015. Além disso, nesse mesmo período de 15 anos, o PIB per capita do país cresceu três vezes, saltando de US$ 4,72 para US$ 15,56.

Essas e muitas outras conquistas resultaram, em grande medida, do trabalho de toda sua equipe e do governo montado pela Frente Ampla, mas também à visão profundamente humanista que o ex-presidente sempre carregou e que se fortaleceu durante os anos em que esteve preso.

Líder tupamaro

Um dos líderes do Movimento de Libertação Nacional Tupamaro — opositor do crescente autoritarismo que tomava conta do país e da América Latina e que foi duramente perseguido pela ditadura militar uruguaia —, Mujica foi preso quatro vezes, duas das quais conseguiu fugir.

Sua prisão mais longa se deu entre entre 1972 — após sobreviver a seis tiros — e 1985, quando a democracia foi restabelecida. Em parte desse período, ele ficou numa solitária; em outros tantos momentos, foi brutalmente torturado. Sobre a prisão, declarou mais tarde, com bom humor: “Não enlouqueci porque já era louco”. Em outra ocasião, salientou: “Depois da pena de morte, a solidão é um dos castigos mais duros”.

Sua vida e as lições que deixou foram ricamente contadas em diversos livros e filmes, entre os quais, três produções cinematográficas recentes que ganharam o mundo. O mais novo é o documentário Os Sonhos de Pepe (2024), de Pablo Trobo, que foi cinegrafista durante sua campanha presidencial.

Já Uma Noite de Doze Anos (2018), de Álvaro Brechner, conta, de maneira ficcional, como foram os anos de prisão de Mujica e seus companheiros. Por fim, El Pepe, uma Vida Suprema (2018), de Emir Kusturica, esmiúça a forma de pensar e o aprendizado que o ex-presidente teve ao longo de sua vida e que o fez estar entre alguns dos mais sábios homens públicos da contemporaneidade.

Após uma rica e admirável trajetória, guiada, sobretudo, pela luta para construir uma nova sociedade, justa e igualitária, Pepe acabou sendo derrotado pelo câncer. Meses antes, quando participou de comício do então candidato à presidência e atual presidente, Yamandu Orsi, Mujica já previa que o fim se aproximava. “Quando esses braços se forem, haverá milhões de braços na luta. Obrigado por existirem. Até sempre”. Nós é que agradecemos, Pepe!

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Postei no X

Deputados da extrema direita protocolam projetos de lei destinados a subtrair do Código Penal artigos que tipificam crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. É a impunidade para golpistas agora e futuramente. 

Leia: Quem ressuscitou o fascismo? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/04/neofascismo.html 

13 maio 2025

Palavra de poeta

Timidez
Cecília Meireles 


Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
 
- mas só esse eu não farei.
 
Uma palavra calda
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
 
- palavra que não direi.
 
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
 
- que amargamente inventei.
 
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...
 
- e um dia me acabarei.

[Ilustração: Scott Burdick]


Leia também um poema de Mia Couto https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/03/palavra-de-poeta-mia-couto_24.html 

Arte é vida

Romero de Andrade Lima

Leia: Como criar alternativas criativas às big techs? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/alternativa-as-big-techs.html 

Minha opinião

A quem pertence o mandato parlamentar?*
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65 

A pergunta parece óbvia, mas não é. Isto num país cujas regras eleitorais induzem o eleitor a votar em indivíduos, e não em programas sustentados pelo partido a que pertence o candidato. “Não voto em partidos, voto em pessoas”, dizem muitos como que a afirmar uma postura superior. Daí a substituição, nas relações entre o detentor de mandato eletivo e o povo, de formas orgânicas por relações meramente pessoais, via de regra mediadas por favores ou prestação de serviços.

Daí decorre que o eleitor vota e em seguida se desobriga de acompanhar com juízo crítico o desempenho daquele em quem votou. E com o tempo até esquece a quem confiou o voto – como atestam estudos a respeito.

Nessas circunstancias, o detentor do mandato tende a exercê-lo como algo que lhe pertence e pelo qual responde individualmente.

Nada mais equivocado. Mandato é missão, concessão de poderes para desempenho de uma representação. Logo, o mandatário encarna um projeto político coletivo, tem contas a prestar.

Dito de outra forma: o mandato não pertence apenas ao indivíduo que o exerce, pertence ao Partido que o indicou para a missão. E em última instância pertence ao povo em sua totalidade – mais até do que a fração do eleitorado que lhe deu preferência. Caso de parlamentares que integram partidos comprometidos com a parcela da população que vive do próprio trabalho (no polo oposto, outros se fazem representantes dos possuidores dos meios de produção).

Ora, se o mandato é assim uma missão que se cumpre por delegação do eleitorado e é exercido conforme compromissos políticos, submeter o trabalho realizado ao crivo crítico do Partido e da opinião pública é um dever.

Esse é o sentido do encontro que promovemos nesta quarta-feira, no auditório da Academia Pernambucana de Letras. O cumprimento de um compromisso de campanha – o de exercer o mandato de vereador do Recife de modo absolutamente transparente, prestando contas regularmente, seja através do site na Internet e de presença constante na mídia; seja em reuniões gerais, como a de hoje, ou com grupos de interesses específicos.

*Publicado aqui no blog em novembro de 2009. Republico agora a título de testemunho do extraordinário desempenho de Cida Pedrosa, vereadora do Recife pelo PCdoB. Um belo exemplo. (LS)

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Leia: Indispensáveis relações com o povo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_42.html