A chantagem da grande imprensa
Esse pessoal se aproveita da delicadeza do momento político e
eleitoral para arrancar algum compromisso do candidato com a agenda
conservadora
Paulo Kliass, Vermelho www.vermelho.org.br
Os grandes meios de comunicação bem que têm se esforçado um
bocado. Em um primeiro momento, apostaram todas as suas fichas na manutenção a
todo custo dos processos contra Lula na Justiça, mas tiveram que engolir
calados as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que terminou por
reconhecer, de forma tardia, a nulidade das condenações impostas de forma
irregular e ilegal pela quadrilha da Lava Jato em Curitiba.
Afinal, os julgamentos levados a efeito por Sérgio Moro, Deltan
Dallagnol e os demais integrantes da força tarefa tinham por objetivo
fundamental condenar e encarcerar Lula, para impedi-lo de concorrer nas
eleições de 2018. De acordo com a maioria das pesquisas realizadas à época, ele
seria o único candidato em condições de vencer a disputa contra Bolsonaro. O
super juiz foi bem recompensado pelos bons serviços prestados, tendo sido
nomeado pelo capitão para o cargo de super ministro da Justiça e Segurança
Pública.
Moro e Paulo Guedes tornaram-se os preferidos para esse pessoal do
financismo, que podia até manter alguma divergência com os maus modos do novo
Presidente, mas mantinham sua admiração pela agenda neoliberal extremada do
super ministro da Economia e pelo falso discurso moralista contra a corrupção
brandido aos quatro ventos pelo futuro senador eleito pelo Paraná no primeiro
turno.
A falência da terceira via.
Mais à frente, os grandes meios de comunicação mudaram de
estratégia e passaram apostar no surgimento de uma terceira via, que se
viabilizasse como uma alternativa à polarização que já se anunciava entre Lula
e Bolsonaro. A cada semana testavam algum nome diferente que pudesse vir a
cumprir com essa missão. E assim foram apresentadas opções como o ex ministro
do ST Joaquim Barbosa, o apresentador Luciano Huck, o ex governador de São
Paulo João Dória, o ex governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite e a senadora
Simone Tebet, entre tantos outros. Ocorre que nenhuma dessas alternativas
conseguiu empolgar o eleitorado desde o início e foram desaparecendo ao longo
do processo.
Leia também: Há motivos para lamúrias por não
termos vencido no 1º turno?
Constatada a impossibilidade de ver afirmada uma candidatura que
viesse a cumprir esse roteiro e com a aproximação do primeiro turno, a grande
imprensa muda novamente de estratégia e passa a tentar influenciar o programa e
a própria composição do futuro governo Lula. A generalização de um movimento
contrário à reeleição do capitão termina por consolidar no conjunto da
sociedade um amplo sentimento de “todo mundo contra Bolsonaro”, envolvendo
parcela considerável de lideranças políticas e empresariais das elites
tupiniquins. Assim, lideranças políticas, empresários e economistas do campo
conservador passam a apoiar publicamente a opção por Lula para o dia 30 de outubro.
A lista é ampla e extensa, contribuindo de forma estratégica
para consolidar a possibilidade de vitória do ex presidente no segundo turno.
Esse é o movimento que atraiu declarações e fotos de apoio de Fernando Henrique
Cardoso, ex ministros do STF, Henrique Meirelles, vários juristas alinhados
mais à destra no campo ideológico e economistas liberais e vinculados ao
sistema financeiro. Aí temos Pedro Malan, Pérsio Arida, Armínio Fraga, Edmar
Bacha e Elena Landau, dentre tantos outros nomes, que têm se manifestado contra
continuidade de Bolsonaro e a favor da volta de Lula.
Lula sim, mas com a agenda conservadora
Ora, é mais do que conhecida a posição desse time no que se
refere ao debate econômico. Em geral, sempre apresentaram divergências e
oposição às políticas implementadas pelos governos Lula e Dilma. Mesmo para o
quadro atual, não demonstram concordâncias com sugestões colocadas à mesa, como
a revisão da reforma trabalhista, a revogação do teto de gastos, a
flexibilização da austeridade fiscal, a desaceleração da agenda de
privatizações ou mesmo a implementação de incentivos governamentais por meio de
políticas públicas, como no caso da política industrial.
Dessa forma, esse é o caminho encontrado pelos grandes meios de
comunicação para continuar exercendo sua pressão sobre Lula. Esgotadas as
alternativas anteriores e colocados sob a aceleração da dinâmica eleitoral,
buscam na chantagem explícita seu intento de arrancar do candidato com
propostas que interessem ao financismo. Pipocam pelas páginas e pelas telas
nomes de supostos candidatos a ocuparem postos na área econômica de Lula, na
tentativa de emparedar o eventual futuro presidente.
Na verdade, esse pessoal se aproveita da delicadeza do momento
político e eleitoral para arrancar algum compromisso do candidato com a agenda
conservadora. Lula não pode ser muito claro na divergência, pois as pesquisas
apontam para um segundo turno muito polarizado, onde cada escorregão tático e
cada declaração mal compreendida podem ser fatais para o resultado final.
São sintomáticos dessa última fase do desespero da grande
imprensa algumas matérias e também editoriais publicados recentemente pela
Folha de São Paulo, pelo Globo e até mesmo pelo semanário “The Economist”.
Tentativa de controlar o terceiro mandato.
O primeiro da Folha é datado de 8 de outubro e
tem o sugestivo título “É a economia, Lula”. O articulista rasga todas as
fantasias e parte para uma agressão que revela, a um só tempo, o desespero de
perder o controle sobre o eventual vitorioso e a soberba de achar que Lula deve
satisfação aos interesses dos poderosos. Vejamos aqui as pérolas mais
significativas presentes no texto:
(…) “É um acinte, portanto, que Lula mantenha a opacidade quanto
a seus planos e
nomes para a gestão da economia” (…)
(…) “Na busca de votos ao centro e à direita, para além do apoio
de formuladores do Plano Real e outros economistas de renome, Lula precisa
romper com velhas
doutrinas estatistas que, ao lado da corrupção, mancharam
o legado das administrações petistas.” (…)
Leia também: Kátia Abreu indica que agronegócio
está em risco e somente Lula pode reverter situação
(…) “Promessas de mais gastos públicos e intervencionismo decerto
podem agradar a ideólogos do partido e militantes, mas afugentam os estratos
que têm os olhos voltados para a liberdade econômica, o empreendedorismo e a
contenção da carga de impostos. Já passa da hora de reconhecer que a agenda liberal dos últimos anos trouxe
avanços duradouros.” (…)
(…) “A relativa calmaria financeira de agora não exime Lula de
apresentar seus planos
e as pessoas que terão a responsabilidade de levá-los
adiante.” (…)
Já os editoriais do Globo também
insistem na mesma toada. Por um lado, buscam desqualificar as gestões
anteriores de Lula e do PT, apontando o que teriam sido os equívocos na agenda
da economia. Por outro, tentam pressionar para que o futuro presidente não se
comprometa com propostas que desagradem às elites por suas tendências
“intervencionistas ou gastadoras”.
(…) “A importância dos acordos programáticos, como o fechado com
Marina, está em obrigar
Lula a fazer concessões explícitas aos grupos políticos de
cujo apoio precisa para vencer, em especial no campo econômico” (…)
(…) “a recuperação da capacidade de investimento do governo federal é
um dos pilares para a retomada do crescimento econômico — ideia estapafúrdia que já se provou
equivocada no passado, mas segue viva no discurso petista.” (…)
(…) “Há motivos para ceticismo diante do histórico petista. Em
termos de “reindustrialização”, os governos Lula e Dilma Rousseff trouxeram
a experiência
funesta de forçar a produção interna de sondas de
perfuração e navios para explorar
o óleo do pré-sal. Foram gastos bilhões em subsídios. A
aventura resultou em prejuízos bilionários e num gigantesco esquema de
corrupção.” (…)
Finalmente, a também conservadora revista “The Economist” começa
a se envolver de forma mais direta na disputa daquilo que deveria ser a cara do
eventual terceiro mandato. Conhecida por expressar os sentimentos e os
interesses do sistema financeiro internacional, a publicação adota a postura de
apoiar Lula, mas exigindo nomeação de ministro “moderado” e compromissos com
uma agenda liberal e sem espaço para experimentos heterodoxos.
(…) “Ele [Lula] deveria
nomear publicamente um economista moderado como seu escolhido para ministro da
Economia. Ele deveria reafirmar para os representantes do
agronegócio que ele não vai tolerar invasões de terra organizadas por
movimentos sociais próximos do PT. Ele deveria prometer não nacionalizar nenhuma
indústria” (…)
Enfim, estes são apenas alguns exemplos da postura adotada pelos
órgãos dos grandes meios de comunicação. Reconhecem que a reeleição de
Bolsonaro apresenta o risco de continuidade de um projeto que vai contra
padrões minimamente aceitáveis em termos de civilização, mas também apresentam
seus receios de que a eleição de Lula possa significar a perda de controle da
agenda econômica. Gostam de Paulo Guedes e sua gestão de destruição do Estado,
mas agora perceberam que os tempos exigem Lula. No entanto, que ele venha
amarrado a um mandato que não altere os fundamentos da pauta liberal.
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