19 janeiro 2023

Perfil dos extremistas do dia 8

Retrato dos extremistas revela 
revolta dos bagrinhos
O perfil social dos que devastaram Brasília: maioria tem mais de 45 anos, vive em cidades pequenas, costumava ser pacata. Foi atraída por discurso moralista — sinal de que declínio do país e falta de perspectivas abrem espaço para ultradireita
Rudá Ricci, no 
Poder 360

 

Os atos de extremistas de direita que ocorreram em 8 de janeiro resultaram em cerca de 1.300 prisões. O estereótipo de “terrorista” que estamos acostumados a ver em matérias internacionais indicam uma frequência de pessoas jovens, fanáticas, muito determinadas, além de certo histórico de engajamento político e treinamento militar. No caso brasileiro, o perfil dos presos pelo 8 de Janeiro é extremamente distinto deste estereótipo.

Os dados publicados pela Seape-DF (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal), em sua edição divulgada na 5ª feira (12.jan.2023), apresentavam 1.193 nomes de detidos pelos atos do domingo (8.jan.2023). Deste total, 10 pessoas não apresentam data de nascimento. Assim, das 1.183 restantes, 494 são mulheres e 699 são homens.

Entre os detidos, uma pessoa tem idade inferior a 18 anos e a mais velha tem 86 anos. A distribuição de idades é apresentada no gráfico abaixo, montado por Rafael Laiboissière, com pessoas agrupadas em faixas etárias de 5 anos. Mulheres são representadas na cor rosa e homens na cor azul:

Gráfico mostra perfil de presos por atos do 8 de Janeiro em faixas demográficas de idade (linha horizontal) e gênero (linha vertical)

A idade mínima média é de 18,5 anos e a máxima de 74,8 anos. São 68,1% das pessoas aquelas que têm entre 40 e 60 anos e 36,8% as que têm entre 45 e 55 anos. Está claro que o grosso do contingente é formado por pessoas de meia idade. A média de idade das mulheres é de 46,3 anos e a dos homens é de 44,6 anos. Esta diferença de idade –de quase 2 anos entre homens e mulheres– é estatisticamente significativa (p < 0.01). Cabe também observar que a faixa de idade com maior representatividade entre as mulheres é entre 50 e 55 anos.

Estamos diante de um fenômeno de tipo novo, como se percebe: atores de atos de vandalismo envolvendo pessoas que avançam pela 3ª idade, em especial, mulheres. São pessoas impactadas por discursos ultranacionalistas e moralistas. Entretanto, evidentemente, os discursos não bastam. Estas pessoas até ontem pareciam pacatas, sem grandes envolvimentos com ações de massa e sem projeção pública. Não se trata de lideranças. Muitas delas são residentes de lugares pacatos, do interior dos Estados do Sudeste.

Este é o caso de:

  • Alethea Verusca Soares, 48 anos, moradora de São José dos Campos, na região do Vale do Paraíba (SP);
  • Cláudio Antônio Mesquita Peralta, 59 anos, de Bagé, na fronteira com o Uruguai;
  • Jairo de Oliveira Costa, 51 anos, dono de uma empresa de manutenção de veículos de Campo Verde, a 139 km de Cuiabá;
  • Vanessa Harumi Takasaki, 43 anos, microempreendedora da pacata cidade de Tupã, da região oeste de São Paulo.

Existe alguma relação com o domínio progressivo do agronegócio nas regiões em que esses extremistas de última hora residem. Em muitos casos, regiões que são afetadas pelo processo de desindustrialização das últimas 3 décadas e substituição pela cultura country que se espraiou por suas regiões.

A cultura country é uma repaginação glamourosa da cultura caipira. Marcada pela ostentação, por roupas exóticas, músicas ouvidas no volume máximo que se projetam de caixas de som armadas no porta-malas dos carros e cantores que cantam aos berros e pregam a amizade regada em fartos churrascos alimentados com muita cerveja. Os adeptos desta cultura se projetam num mundo que se distingue de seu cotidiano comezinho e repetitivo.

Lembremos que, segundo o IBGE, 65% dos municípios brasileiros são rurais ou distantes dos grandes centros urbanos. Raramente matérias da grande imprensa e estudos sociológicos se debruçam sobre este Brasil Profundo.

Alguns autores, como Moacir Palmeira, tentaram compreender a dinâmica dessas localidades interioranas. No seu livro “Antropologia, voto e representação política”, Palmeira revela que a política nessas localidades se dá por adesão a uma das famílias poderosas daquele território. Daí nascem valores políticos marcados por forte fidelidade e disputa que não ocorre apenas durante o processo eleitoral. Pelo contrário, o grupo que perde as eleições se mantém coeso até o próximo pleito e se alguém decidir mudar de lado, será acusado de traidor e cairá na desgraça social. Já o grupo vencedor, tem o “direito” de empregar todos seus aliados, incluindo familiares –o que seria considerado socialmente correto.

Assim, fidelidade e humilhação política, além da troca de favores constante, parecem transformar a política local em algo parecido com torcidas de times de futebol: a excitação e ataques mútuos entre torcedores criam uma roda de animosidades e lealdades sem fim.

A esse perfil interiorano, muito peculiar, se somam os idosos. O Brasil vem aumentando a participação da população acima de 60 anos –que já ultrapassou o número de brasileiros com menos de 9 anos. Sabemos que os idosos são destratados em nosso país. São tratados como população incapaz, infantilizada, cujos serviços de entretenimento são repetitivos e maçantes: bailes da saudade, aulas de jardinagem e atividades que criam pouca ou nenhuma emoção.

Ocorre que o tédio é porta de entrada para discursos e práticas aventureiras, emocionantes e que deem sentido à vida. E é por aí, pelo que parece, que chegamos ao perfil de extremistas que mais parecem fazer parte de uma “revolta dos bagrinhos”: grande parte residente em cidades pequenas modorrentas, vivendo cotidianos sem emoção, projetando-se numa cultura country que promete ostentação como uma “Porta da Esperança” anunciada aos berros nos alto-falantes, marcados pela troca de guarda econômica tendo o agronegócio no comando local.

Brasil Profundo aparecia pouco no cenário político brasileiro. Até que veio o bolsonarismo. E, com ele, as práticas “terroristas”.

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