16 março 2023

Enio Lins opina

Em 40 anos, a atrofia do que um dia foi bom humor na política

Por Enio Lins www.eniolins.com.br

 

“Alô mamãe! Eu te amo”, assim Agnaldo Timóteo, ídolo da música popular, no seu primeiro discurso como deputado federal, em fevereiro de 1983, apostou no inusitado e teatralizou, na tribuna da Câmara, um telefonema para sua mãe. 40 anos depois, outra teatralização inusitada mostrou o quanto a política brasileira se degenerou.

Não existiam celulares na época, e o deputado/cantor levou para a tribuna um tijolão de cor amarelada, parte destacável dos então modernos telefone sem fio. O gesto teatral cumpriu seu objetivo e atraiu a atenção da mídia em todo Brasil. No mesmo ano, lançou um LP intitulado “Alô mamãe! Eu te amo”, vinil que ainda hoje circula entre seu fã-clube.

Agnaldo Timóteo era mestre em polêmicas, esgrimava declarações provocativas (para a época) e a lenda diz que não levava desaforo para casa; sua fama de bom de briga corria o Brasil, alertando sobre o risco de nocaute para quem o provocasse como botafoguense doente que era, ou tirasse onda com sua vida sexual. Seria sopapo certo.

Tempos românticos, aqueles. O “Alô, mamãe” gerou um bom debate sobre se seria conveniente ou não, por cênica, a fala do mineiro eleito pelo PDT carioca. Teorizou-se sobre o amor de mãe e sua respectiva utilização na política.

Quatro décadas depois, no Dia Internacional da Mulher, outro mineiro, o deputado mais votado do Brasil em 2022, levou para a tribuna da Câmara Federal uma peruca dourada, colocou-a no quengo e ironizou contra as transsexuais, buscando humilhar e ridicularizar, numa agressão que não foi gratuita, muito menos impensada.

Buscava, em sua pantomima preconceituosa, ampliar sua interação com um público nocivo, discriminador, e que vê na humilhação, intimidação e agressão métodos válidos para combater quem não lhes agrade, quem ouse um estilo de vida que não se enquadre dentro das quatro linhas de suas mentes abusadoras.

Segundo a mídia especializada, nos momentos seguintes à presepada, as adesões às suas redes sociais pularam para mais 48 mil pessoas. Uma simples postagem, dias depois, desse parlamentar ao lado do mito dele (imagem aparentemente colada) gerou, de cara, 190 mil curtidas e 2.572 comentários.

Pertinente é o debate sobre a punição adequada para esse ato do deputado bolsonarista, mas essa deixa de ser a questão principal quando se constata que esse indivíduo, e seu gesto preconceituoso e agressivo, representa milhões de brasileiros. Ô trem nojento, sô! Saudade do Agnaldo Timóteo, e de suas provocações que não visavam o mal de ninguém.

O caleidoscópico tempo presente https://bit.ly/3Ye45TD

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