Em 40 anos, a
atrofia do que um dia foi bom humor na política
Por Enio Lins www.eniolins.com.br
“Alô mamãe! Eu te amo”, assim Agnaldo Timóteo,
ídolo da música popular, no seu primeiro discurso como deputado federal, em
fevereiro de 1983, apostou no inusitado e teatralizou, na tribuna da Câmara, um
telefonema para sua mãe. 40 anos depois, outra teatralização inusitada mostrou
o quanto a política brasileira se degenerou.
Não existiam celulares na época, e o
deputado/cantor levou para a tribuna um tijolão de cor amarelada, parte
destacável dos então modernos telefone sem fio. O gesto teatral cumpriu seu
objetivo e atraiu a atenção da mídia em todo Brasil. No mesmo ano, lançou um LP
intitulado “Alô mamãe! Eu te amo”, vinil que ainda hoje circula entre seu
fã-clube.
Agnaldo Timóteo era mestre em polêmicas, esgrimava
declarações provocativas (para a época) e a lenda diz que não levava desaforo
para casa; sua fama de bom de briga corria o Brasil, alertando sobre o risco de
nocaute para quem o provocasse como botafoguense doente que era, ou tirasse
onda com sua vida sexual. Seria sopapo certo.
Tempos românticos, aqueles. O “Alô, mamãe” gerou
um bom debate sobre se seria conveniente ou não, por cênica, a fala do mineiro
eleito pelo PDT carioca. Teorizou-se sobre o amor de mãe e sua respectiva
utilização na política.
Quatro décadas depois, no Dia Internacional da
Mulher, outro mineiro, o deputado mais votado do Brasil em 2022, levou para a
tribuna da Câmara Federal uma peruca dourada, colocou-a no quengo e ironizou
contra as transsexuais, buscando humilhar e ridicularizar, numa agressão que
não foi gratuita, muito menos impensada.
Buscava, em sua pantomima preconceituosa, ampliar
sua interação com um público nocivo, discriminador, e que vê na humilhação,
intimidação e agressão métodos válidos para combater quem não lhes agrade, quem
ouse um estilo de vida que não se enquadre dentro das quatro linhas de suas
mentes abusadoras.
Segundo a mídia especializada, nos momentos
seguintes à presepada, as adesões às suas redes sociais pularam para mais 48
mil pessoas. Uma simples postagem, dias depois, desse parlamentar ao lado do
mito dele (imagem aparentemente colada) gerou, de cara, 190 mil curtidas e
2.572 comentários.
Pertinente é o debate sobre a punição adequada
para esse ato do deputado bolsonarista, mas essa deixa de ser a questão
principal quando se constata que esse indivíduo, e seu gesto preconceituoso e
agressivo, representa milhões de brasileiros. Ô trem nojento, sô! Saudade do
Agnaldo Timóteo, e de suas provocações que não visavam o mal de ninguém.
O caleidoscópico tempo presente https://bit.ly/3Ye45TD
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