Sobre as novas regras do “arcabouço fiscal”
Lécio Moraes/Blog
do Renato
Em dezembro passado, o Congresso revogou o
dispositivo que criou um teto de gasto para o governo federal, congelando, por
20 anos o valor real do orçamento, e restabelecendo a lei complementar como
norma definidora das regras fiscais.
A proposta de um novo “arcabouço fiscal” que, no
fundamental, manteve um teto fiscal, relativizando agora ao “resultado
primário”, um parâmetro determinado pela variação do Produto Interno Bruto
(PIB).
A manutenção do teto de gasto, mesmo que relativa,
vem sendo, com razão, o alvo principal das críticas.
Como a medida dos parâmetros estão expressos em
frações de “resultado primário”, acho importante começar por uma discussão
desse conceito fiscal.
O produto primário
O conceito de “resultado primário” expressa a soma
de todo o gasto público não financeiro, do exercício, geralmente apresentado em
relação ao PIB anual. Ele faz parte de um quadro de controle fiscal mais
abrangente, denominado “Necessidade de Financiamento do Setor Público”
(NFSP).[i] Quando uma conta do resultado primário aparece como positiva, a
conta representa um superávit; se negativa tem-se um déficit, equivalendo à
emissão de dívida pública.
O conceito de resultado primário foi introduzido no
Brasil no início dos anos noventa, como forma de identificar facilmente o gasto
público, facilitando, posteriormente, a adoção do Plano Real, em 1994.
Esse conceito tem como vantagem ser um cálculo mais
simples e instantâneo do comportamento da dívida pública, substituindo o
resultado do balanço do governo, por ser mais complexo e sujeito a
manipulações. Mas a simplicidade alcançada tem como objetivo principal
disponibilizar, em curto prazo, informações sobre a situação da dívida pública
(em títulos), indicando sua sustentabilidade e sua influência sobre a política
monetária, o meio circulante e as reservas bancárias. Dado esse viés financeiro
e de curto prazo, é indiferente ao resultado primário se o gasto público se
destine ao consumo ou ao investimento.
Outra característica do resultado primário é que o
gasto com juros não seja explicitamente considerado no cálculo do déficit
público. A razão dessa exclusão é que, geralmente, os juros são liquidados pela
própria emissão de dívida, sendo assim implícito na dívida pública.
O arcabouço fiscal
Vejamos agora o projeto do “arcabouço fiscal”. O
grande problema das novas regras são que elas, na prática, perpetuam o teto de
gasto, ao manter a exigência de um resultado primário sempre superavitário ou
pelo menos zerado. Essa regra restringe a ação do governo em praticar uma
política anticíclica efetiva em caso de uma crise recessiva, permitindo, no
caso, emissão de dívida pública entre 6% a 2,5% para financiar o déficit
necessário, um montante pequeno e que terá de ser coberto no ano seguinte. O
que, na prática, inviabilizará o retorno ao equilíbrio fiscal.
Sem contar com uma ação anticíclica efetiva, o
governo não tem como aliviar os efeitos destrutivos de uma crise, especialmente
aqueles sofridos pelos trabalhadores, e até antecipando a recuperação
econômica. Uma restrição que aliena o poder popular sobre a política econômica
e à sua moeda, beneficiando apenas os interesses financeiros.
previsão é que já nos exercícios de
2024-2026, o governo produza um superavitário entre 0,5% a 1% do PIB.
Infelizmente, muitos dos dados apresentados – como
piso de investimento de 0,5% – são difíceis de avaliar, devido à falta de
informação na apresentação oficial do “arcabouço”. Mas há uma sensação de que
os limites de variação nos compromissos previstos nos parecem muito estreitos,
sendo difícil acreditar que tais compromisso venham a ser alcançados ou
cumpridos, criando cobranças políticas desgastantes ao governo. O que nos faz
avaliar que o governo se inicia sob forte contenção.
O mais estranho na proposta apresentada é nela não
constar nenhuma projeção para o crescimento do PIB! Há muitas percentagens do
PIB, mas não as do crescimento do próprio PIB.
É possível que tudo dê certo, caso se alcance
percentagens robustas de crescimento do PIB e tais regras se mostrem virtuosas.
Porém, a pesquisa de mercado do Banco Central está longe de indicar números
promissores para o PIB prevendo 0% para 2023 e um pouco acima de 1,5% entre
2024-2026.[ii]
É verdade que os dois governos Lula também se deram
sob exigências fiscais severas, com a média de superávits primários acima de 2%
(até na crise, em 2009, houve um superávit de 1,2%) e uma taxa básica de juros
da ordem de até 8% ao ano.
Para lograr esse êxito, os governos Lula contaram
com condições externas muito favoráveis e uma condução de uma política
monetária mais pragmática, garantindo um crescimento robusto e distribuição de
renda.
Porém, agora, as condições internas e externas
dificilmente estarão tão favoráveis. Em especial, quando a grande burguesia se
apresenta mais forte e hostil do que no passado, controlando instituições tão
fortes com um Banco Central “independente”, um mercado de câmbio livre e uma
bolsa de valores maior e mais poderosa.
[i] A NFSP é formada, além do “resultado primário”,
pelo de “Juros nominais” que, somados, constituem o “Resultado nominal”.
[ii] BCB, Relatório Focus, em 04/04/2023.
*Lecio Morais, economista e mestre em Ciência Política
Nem sempre a aparência é igual à essência https://bit.ly/3Ye45TD
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