Médico
pernambucano preside entidade condenada a pagar R$ 55 milhões por propaganda do
“kit covid”
Marco
Zero Conteúdo
Era o início do pior momento da pandemia de covid-19 no
Brasil quando no dia 23 de fevereiro de 2021 vários jornais de todo o Brasil
estamparam o “Manifesto pela vida – médicos do tratamento precoce no Brasil”.
Era um informe publicitário do grupo chamado Médicos pela vida. Manaus já havia
passado pelo colapso sem oxigênio e a variante Gama corroía o país, matando uma
média de mais de mil pessoas por dia – número que ainda iria quadruplicar nas
semanas seguintes. A ciência, àquela altura, já havia há muito desconsiderado o
chamado “kit covid”, defendido no anúncio: o uso do vermífugo ivermectina, e de
outros medicamentos, para o tratamento precoce da doença.
Agora, o dano potencial à saúde que essa onda de mentiras
provocou começa a ser reparado na Justiça. Ao julgar duas ações ajuizadas pelo
Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal no Rio Grande do Sul
considerou que a publicação contraria a legislação e ato normativo que tratam
da propaganda e publicidade de medicamentos. Nas sentenças, a Médicos pela vida
(Associação Dignidade Médica de Pernambuco – ADM/PE) e as empresas Vitamedic
Indústria Farmacêutica, Centro Educacional Alves Faria (Unialfa) e o Grupo José
Alves (GJA Participações) foram condenados solidariamente ao pagamento de R$ 55
milhões por danos morais coletivos e à saúde, nos limites de suas
responsabilidades.
Em uma das ações, o montante do pagamento imposto pela Justiça
foi de R$ 45 milhões e, na outra, a condenação foi no valor de R$ 10 milhões.
Ainda cabe recursos.
A associação Médicos pela Vida tem oficialmente sede no Recife – no mesmo
imóvel do consultório da ex-vereadora Vera Lopes – mas a atuação acontece na
internet, com site e canais em aplicativos de mensagem. O presidente da
organização é o médico oftalmologista e ex-presidente do Sindicato dos Médicos
de Pernambuco (Simepe), Antônio Jordão.
Durante o governo Bolsonaro, o grupo participou de várias
reuniões e encontros para discutir ações contra a covid-19 – e também
articulou, como mostrou a CPI da Covid, para atrasar a chegada das vacinas ao
Brasil. Antônio Jordão participou até de lives ao lado
do então presidente Jair Bolsonaro (PL).
O grupo tem médicos associados em todos os estados do Brasil – com exceção do
Acre e de Roraima. Uma pesquisa publicada na revista científica Ciência
& Saúde Coletiva mapeou 209 médicos na organização – sendo
apenas dois infectologistas. A maior representação era de acupunturistas e
homeopatas. Em Pernambuco, 21 médicos participavam do grupo.
A atuação política do MPV também se deu tentando influenciar os
governos e assembleias estaduais. Em Pernambuco, a convite da então deputada
estadual Clarissa Tércio, médicos do grupo participaram de uma audiência
pública em dezembro de 2021 da Comissão de Saúde e Assistência Social da
Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) para defender o kit covid e
questionar as vacinas.
Vitamedic pagou R$ 717 mil por anúncios
Para a Justiça do Rio Grande do Sul, o MPF conseguiu comprovar a
cumplicidade entre a Vitamedic e a Associação Médicos Pela Vida. A empresa
pagou R$ 717 mil para publicação da propaganda irregular nos jornais.
O fato foi admitido pelo próprio diretor da Vitamedic, Jailton Batista, durante
depoimento na CPI da Covid. A empresa ganhou muito dinheiro na pandemia: o
faturamento da Vitamedic com a venda de caixas de comprimidos de ivermectina em
2020 foi de cerca de R$ 469,4 milhões. O valor foi 2.925% superior ao
faturamento de 2019 informado pela empresa, de R$ 15,5 milhões. Os dados foram
divulgados pela CPI da Covid, em junho de 2021.
Já a Unialfa mantinha no ar o site do Médicos pela vida. Tanto a
Unialfa como a Vitamedic fazem parte do Grupo José Alves, de Goiás.
Ao justificar o valor imposto nas sentenças, a Justiça do RS
asseverou que “a só e pura publicidade ilícita de medicamentos, pelos riscos do
seu uso irracional, já representa abalo na saúde pública e sua essencialidade
impõe a devida reparação”.
A ação foi voltada para o informe publicado no Jornal Zero Hora,
de Porto Alegre, e não abarca outros estados onde o material mentiroso foi
divulgado. Jornais de grande circulação nacional, como Folha de S. Paulo e O
Globo, também publicaram o informe do MPV, o que, na época, levou a uma nota de
repúdio de artistas e intelectuais.
É preciso que entre em cena o "fator
rua" https://tinyurl.com/rxrmsxaj
Nenhum comentário:
Postar um comentário