A amiga às turras com o
smartphone
Luciano Siqueira
Ela já passou dos
60 e se mantém hígida, forte, competente e criativa em tudo que faz; bonita,
inteligente e ágil.
Cumprimentá-la pelo seu aniversário todos os anos é sempre um prazer. Divertido.
Há muitos causos que
tira da algibeira e conta com inigualável verve.
Mas desta vez foi diferente.
Liguei logo cedo, como sempre — silêncio.
No dia seguinte,
novamente — que estará acontecendo?
Não demorou muito,
ela própria, em mensagem de áudio, deu conta de um desentendimento pessoal com
o seu smartphone:
— Ligo e ele
permanece mudo. Quando "fala", solta os grunhidos esquisitos. Acende
e apaga aparentemente sem motivo. Esperneia e pula em minha mão...
Cá do outro lado da
linha fiquei a imaginar a repentina incompatibilidade de gênios entre o
aparelhinho e a sua proprietária.
Como teria surgido
esse desentendimento? Da parte dela certamente não foi, bem humorada, compreensiva e afetuosa
que sempre é.
O aparelhinho
envelheceu e já não funciona como antes? Não seria motivo, pois ela tem uma
paciência de Jó com velhinhos de todos os tipos. Velhos e jovens, inclusive com os que a
paqueram.
Terá sido um golpe de
inteligência artificial, que por obra de algoritmos descuidados produziu algum
distúrbio mental no aparelhinho?
Talvez, pois dizem
por aí que a todo instante somos substituídos por máquinas e nem percebemos!
Mas em sua mensagem
de áudio confidenciou a compra de um outro smartphone, top de linha. O atual,
agora desgastado, permanecerá guardado, depositário de uma memória plena de
amores e dores, paixões e mal-entendidos, criatividade e invencionice.
Pois a querida amiga
é capaz de tudo — e encanta em qualquer circunstância.
Só há um senão.
Avisou que o novo
smartphone operará número novo, que me mandaria logo em seguida.
Esqueceu.
Já é noite e permaneço
aqui com o meu modesto celular chinês à mão, esperando ansiosamente o
comunicado do novo número da aniversariante.
Como diz a minha neta
Alice em sua sabedoria de criança: "É a vida".
E é mesmo. Quando as décadas de nossa existência se somam e se prolongam, a memória já não é a mesma... Quem sabe daqui a alguns meses a amiga amada lembre de me dar seu novo número de celular.
Perseverante, aguardo pacientemente.
O que mais se espera, acontece https://bit.ly/3Ye45TD
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