Governo precisa tratar agroecologia como saída para crise climática urgentemente
Fatores que levaram 2023 a ser o ano mais quente da história e que mantêm milhões sem comida estão relacionados. A agroecologia pode combatê-los.
André Burigo, Fernanda Savicki de Almeida e Paulo Petersen/The Intecept_ Brasil
“SE 50 ANOS ATRÁS alguém dissesse que botos iriam morrer de calor, ninguém acreditaria”, falou Ailton Krenak, o primeiro indígena imortal na Academia Brasileira de Letras, no encerramento do 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia, em 23 de novembro. Mas estamos vendo não só o rio Solimões seco, cheio de barcos atolados e motocicletas por seu leito, em plena Amazônia, esperança da salvação do planeta.
No Sul, as inundações matam e botam a perder toda a lavoura, enquanto São Paulo fica no escuro por cinco dias. Dias antes do início da COP 28, a maior conferência mundial do clima, a resposta de Krenak para a emergência climática foi categórica: “A agroecologia tinha que acontecer agora, numa escala planetária”. Mas o que isso quer dizer, exatamente?
Desigualdades sociais, devastação ambiental, crise climática, má alimentação e fome são fenômenos socioecológicos associados à forma como os alimentos são produzidos, transformados, distribuídos e consumidos. Não podem ser tratados como problemas isolados a serem ponderados por políticas setoriais.
A agroecologia é um enfoque científico que busca reconciliar os sistemas alimentares com os ecossistemas e com as culturas dos povos. Sua prática combate as mudanças climáticas e a fome, conserva a biodiversidade e contribui para a promoção da saúde pública. Tudo isso com comida de verdade, produzida pela agricultura familiar, no campo e nas cidades.
A agroecologia não se reduz a questões de manejo agrícola, como a implantação de sistemas agroflorestais ou a produção sem veneno. Ela está orientada a reestruturar os sistemas alimentares, desde a produção até o consumo.
É importante entendermos que a questão social não se resolve separadamente da questão ecológica, e vice-versa. Se nossos problemas sociais forem enfrentados só com respostas sociais, a tendência é que aprofundem as questões ecológicas, poluindo mais. E políticas ambientais podem ser francamente antissociais.
Um exemplo é a transição energética via parques eólicos na região de atuação do Polo da Borborema, na Paraíba. Neste território em que a agroecologia vem sendo promovida há décadas, os parques eólicos são impostos de cima para baixo, levando violência, poluição sonora e, principalmente, inviabilizando uma transição socioecológica em curso, apoiada inclusive com recursos de políticas públicas.
O discurso que sustenta esse tipo de projeto defende que as soluções para os problemas da humanidade virão das tecnologias voltadas à descarbonização da economia. No entanto, as tecnologias propostas só são acessíveis pela via dos mercados e são controladas por grandes empresas. O que precisamos neste momento é do desenvolvimento de outras economias, que sejam reconectadas às dinâmicas da natureza e da sociedade e que dependam menos dos mercados globalizados.
A agroecologia defendida por Ailton Krenak representa esse tipo de economia. Uma que equilibra os dois lados da balança, enfrentando a insegurança alimentar e nutricional com soberania. Ao produzir em bases agroecológicas e escoar a produção em circuitos curtos de distribuição, baixa-se a emissão de gases de efeito estufa, promovendo uma agricultura resiliente às mudanças climáticas, conservando a biodiversidade, os mananciais hídricos e os solos.
Alimentos saudáveis e adequados são produzidos em quantidade para abastecer toda a população. Postos de trabalho são gerados. De ciclos viciosos degenerativos, parte-se para ciclos virtuosos regenerativos. Esse é o sentido da transição ecológica justa.
Se queremos de fato encontrar soluções para as crises que enfrentamos, precisamos tratar os problemas como socioecológicos. Por isso, a agroecologia é emergencial. No entanto, para que ela avance, precisamos de políticas e legislações adequadas.
Enquanto a maior parte dos orçamentos e o apoio ideológico forem orientados para o agronegócio, a agroecologia ficará confinada a experiências bem sucedidas emblemáticas, mas incapazes de dar respostas amplas à crise socioecológica.
É preciso, por exemplo, que o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, o Pronara, seja instituído. Algo no sentido diametralmente oposto ao Pacote do Veneno que acaba de ser aprovado pelo Senado. É necessário também impor limites ao consumo de alimentação ultraprocessada e à concentração de terra no Brasil.
Políticas favoráveis à agroecologia não podem ser pensadas setorialmente. Isso significa a necessidade de envolvimento ativo de toda a Esplanada dos Ministérios. O Ministério da Economia, por exemplo, deve apoiar a transição agroecológica com políticas fiscais, hoje totalmente favoráveis às monoculturas e ao uso de agrotóxicos.
É preciso inverter essa lógica. O agronegócio não paga imposto para exportar e conta com pesados subsídios públicos. Sua propalada eficiência econômica é falsa.
No 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia – organizado pela Associação Brasileira de Agroecologia, em parceria de inúmeras redes por todo o país – foram lançadas políticas importantes, como a retomada do programa Ecoforte e a instalação da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
Sem dúvida, são conquistas a serem celebradas. Mas não podemos perder de vista que são muito restritas diante da emergência climática e do aprofundamento da crise socioambiental.
ULTRAJANTE! A repórter Schirlei Alves foi condenada a um ano de prisão aberta e multa de R$ 400 mil por ter revelado no Intercept Brasil a revitimização de Mari Ferrer por autoridades judiciais em seu processo de estupro.
A reportagem levou a uma lei nacional, à censura do juiz e desencadeou um debate nacional que os membros do judiciário não querem ter. Esse é o impacto de nosso trabalho.
Agora eles querem nos silenciar. Nos ajude a resistir e a cobrir os custos legais de Schirlei e de todos os nossos jornalistas.
Foto: Pescador atravessa caminhando leito seco do rio Solimões, em Tefé, Amazonas. Indígenas da região vivem isolamento, com o igarapé fétido, e adoecem por consumirem água barrenta. Foto: Lalo de Almeida/ Folhapress
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