Barroso, um homem
bom e seu teste de integridade
Luis Nassif,
Jornal GGN
As
revelações do The Intercept confirmam plenamente os interesses econômicos
escondidos por trás da Lava Jato, de patrocinadores com interesses, temores ou
meramente por alinhamento ideológico.
O strip tease moral
dos diálogos espalha suspeitas sobre todo o sistema judicial, pois a opinião
pública aprendeu como se fazem as salsichas. E remete a discussão diretamente
para o primeiro item das dez medidas anticorrupção elaboradas por Sérgio Moro e
a turma da Lava Jato – e apresentadas como sendo de iniciativa da opinião
pública: o teste de integridade.
Segundo
a justificativa:
O objetivo central do
teste de integridade é criar, preventivamente, a percepção de que todo o
trabalho do agente público está sujeito a escrutínio e, a qualquer momento, a
atividade pode estar sendo objeto de análise, inclusive sob o ponto de vista de
honestidade. A realização do teste não parte da premissa da desconfiança sobre
os servidores em geral, mas sim da noção de que todo agente público tem um
dever de transparência e accountability, sendo natural o exame de sua
atividade.”
O teste visa medir a elasticidade moral do agente público,
claramente expresso na máxima de Dallagnol, conversando com o amigo Pozzobon
sobre a palestra clandestina na XP:
– É um risco, sim, mas bem remunerado.
Até o vazamento das
conversas, Dallagnol se escondia atrás da blindagem da mídia, da corregedoria
do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público, que
se conformavam com declarações sem provas, de que a maior parte das palestras
era de graça e, óbvio, para o bem do Brasil.
O
caso remete para um tema vizinho, o compliance, ou
seja, as práticas que devem ser adotadas por organizações, para impedir abusos
ou atos de corrupção. E, já que vigora o linguajar jurídico, há a necessidade
de um full
disclosure, ou seja, plena divulgação, para se avaliar o nível de
integridade dos agentes públicos, em respeito ao accountability.
Vamos aplicar um teste de integridade na instância máxima, o
Supremo Tribunal Federal, e no Ministro que mais defende os modelos de compliance, Luis
Roberto Barroso.
Há
duas atividades suas que merecem full disclosure,
para saber se Barroso passa no teste de integridade.
A primeira, são as palestras.
Barroso se tornou um palestrante requisitado, depois de sua
adesão à Lava Jato. Preparou um discurso padrão, bastante superficial, no qual
falava dos novos tempos que viriam por aí, definia quatro fórmulas para salvar
o Brasil e colocava a bandeira da anticorrupção como o anjo salvador da pátria.
Percebeu-se, de cara, que
não se submetia a regras de compliance. Descobriu-se que
faria uma palestra paga para o Tribunal de Contas da paupérrima Rondônia por um
cachê de R$ 46 mil (aqui). Só depois que o caso vazou ele declarou não ter percebido
que se tratava de cachê de um órgão público. Não passaria no teste de
integridade, porque supostamente desobedeceu a uma norma básica: saber
quem está lhe pagando R$ 46 mil. Ou definir regras para os escritórios
que o contratavam: não aceitar pagamentos de órgãos públicos, nem de
patrocinadores onde pudesse haver conflitos de interesse.
Como
não pode sequer haver dúvidas sobre a honradez da mulher de César, certamente o
Ministro Barroso não se furtará a expor a relação de palestras, valores e
patrocinadores. Afinal, como ele mesmo diz, é um homem bom, que só faz o bem.
Afinal, como discorreu em um discurso de formatura:
“Creio no bem, na justiça, no amor e na tolerância.
E creio na gentileza e no bom humor como uma boa forma de realizá-los”
(aqui).
Deltan também dizia isso, mas deixa para lá.
A segunda frente de full disclosure é
o escritório de advocacia de sua família. Antes de se tornar Ministro, mas já
bebendo da vaca leiteira do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (o
termo é utilizado por procuradores para caracterizar aqueles que se valem dos
proventos do cargo como garantia de renda estável enquanto exercitam o
empreendedorismo em outras atividade), Barroso se converteu em um dos juristas
preferenciais dos grandes grupos, para preparar minutas projetos de lei que
eram eram apresentadas no Congresso pelos deputados por eles financiados.
Nos últimos anos, o maior negócio da advocacia tem sido os
trabalhos de compliance, diretamente estimulados
pelo discurso da anticorrupção. Já falei várias vezes dessa indústria por aqui.
Barroso emprestou sua
reputação de Ministro da Suprema Corte para um curso nos Estados Unidos – ao
lado do inacreditável Marcelo Bretas – sobre compliance. Além das aulas de
Barroso e, sabe-se lá com que conteúdo, de Bretas, o curso previa a visita a
dois grandes escritórios de advocacia norte-americanos, de olho no Brasil.
A
opinião pública merece ser informada, se um servidor público com poder de
influir nos destinos da política e do país, que referendou a destruição de
empresas e partidos, interferiu nas eleições presidenciais, estimulou os abusos
da Lava Jato, segue rigorosamente princípios do compliance, da accountability e
de full
disclosure.Para afastar suspeitas, bastará que o Ministro exponha a
relação de clientes do escritório de advocacia da sua família.Um homem bom não
terá dificuldades de responder a esse desafio.
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