Trabalho infantil é entrave ao desenvolvimento
Kátia
Magalhães Arruda*, na Folha de S. Paulo
No Brasil, morreram 236 crianças em decorrência de acidentes de
trabalho na última década, sendo registrado o alarmante número de 40 mil
acidentes com diversos tipos de ferimentos, amputação de membros e
traumatismos.
Sob qualquer aspecto que se examine, o trabalho precoce é
nefasto e prejudicial.
No aspecto fisiológico, as crianças ainda não têm o corpo
formado e, por isso, sofrem o dobro de riscos de acidentes, com consequência,
inclusive, para a saúde pública. No educacional, afasta a criança das salas de
aula e aumenta em 90% a defasagem escolar. No econômico, precariza e
diminui a formação de mão de obra qualificada no futuro. No psicológico, retira
as crianças do tempo próprio da infância, que jamais poderá ser recuperada. E,
no social, reproduz o ciclo da pobreza e de gerações com déficit educacional e
baixos salários, agravando a exclusão social.
Pesquisas demonstram que crianças expostas à exploração, seja
pelo trabalho, seja pelas ruas ou marginalização, tendem a quebrar laços de
afetividade e solidariedade, o que não contribui para a diminuição da
violência, muito pelo contrário.
Na verdade, crianças só trabalham por necessidade de
sobrevivência e ausência de oportunidades, questão que deveria ser de absoluta
prioridade do Estado, conforme preceituam o artigo 7º, XXXIII, e o 227 da
Constituição Federal.
O Estado brasileiro não pode abdicar da proteção de
suas crianças, desde a primeira infância até seu pleno desenvolvimento, sem
descumprir sua obrigação constitucional, além de todas as convenções internacionais
sobre o tema e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Portanto, o
combate ao trabalho infantil é uma causa de
interesse da humanidade.
Crianças mutiladas e afastadas da educação
distanciam o país do caminho do desenvolvimento ao expor a falência de
políticas públicas, econômicas e sociais.
Não é possível que a sociedade brasileira compactue
com a divulgação equivocada que romantiza a exploração de
milhões de criançascomprometendo seu crescimento saudável e
perpetuando a miséria para os mais vulneráveis: as crianças pobres.
Para os menos sensíveis à causa, lutem por um
#brasilsemtrabalhoinfantil, nem que seja por questões econômicas, pois não há
justificativa lógica para o trabalho precoce, que, além de tudo, agrava a
questão previdenciária e o desemprego em uma economia que coexiste com mais de
13 milhões de desempregados.
Não é demais lembrar que é possível a aprendizagem,
a partir dos 14 anos, como alternativa viável a inserção de jovens, com a devida
manutenção do vínculo educacional, questão ainda incompreendida e descumprida
pela maioria das empresas brasileiras.
Resta-nos a esperança declamada pelo cantor Renato
Russo: “Deve haver algum lugar em que o mais forte não consegue escravizar quem
não tem chance”.
Vidas de crianças importam!
*Ministra do
Tribunal Superior do Trabalho (TST)
[Ilustração: Foto de Apu Gomes/Folhapress]
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