Moro e
Dallagnol ensinam
Janio de
Freitas, na Folha de S. Paulo
Na volta de mais uma viagem aos Estados Unidos, onde tem buscado
inspiração quando seu chão se abala, as primeiras palavras de Sergio Moro foram
muito bem-vindas.
No ato ansioso de pretensa explicação para novas revelações do The
Intercept Brasil em parceria com a Folha,
Moro deu sua autenticação à veracidade das palavras e práticas reveladas. Se
negadas, ou postas em dúvida, não teria do que se explicar.
Desta vez, o Intercept e a Folha divulgaram
diálogos que expõem a interferência de Sergio Moro
em negociações do Ministério Público, vedadas à sua intromissão,
para as compensações por delação premiada.
Mas, além de confirmar a interferência, Moro volta
ao expediente de entrar por um atalho fraudulento, para fugir à conduta
decente que não pode adotar.
“Juiz tem o dever de negar benefícios
excessivos para delator”, diz ele. O dever é verdadeiro. Mas a
maneira correta de exercê-lo é pela análise das condições propostas e, em
seguida, sua homologação ou recusa. Nunca pela contribuição do juiz nas
condições que lhe caberá julgar. Esse dever foi transgredido por Sergio Moro. E
nem ele opôs dúvida à comprovação do Intercept.
Violações das normas por Moro e Deltan Dallagnol foram levadas
às dezenas aos tribunais de guarda da legislação. O sempre admirável repórter
Frederico Vasconcelos mostrou agora, na Folha, que representações contra
atitudes transgressoras de Moro estão há dois anos e mais no
Conselho Nacional de Justiça. Dormem o sono dos moradores de rua.
O CNJ passou a usar a demissão do juiz, dessa vez como o
premiado, para justificar a omissão. Nem assim apaga a sua conivência, ela
também transgressora, no ano e meio anterior à associação ostensiva de Moro a
Bolsonaro.
No Supremo, ao então juiz bastou “pedir desculpas”, por uma de
suas ilegalidades. Quanto a Dallagnol, o Conselho Nacional do Ministério
Público tomou uma atitude. Isentou-o.
Diante disso, o que significa uma declaração como a do
corregedor no CNMP, Orlando Rochadel: “A sociedade deve ter a plena convicção
de que os membros do Ministério Público se pautam pela plena legalidade”. De
onde pode vir a convicção, não se sabe.
O dano causado à mal denominada Justiça e ao Ministério Público
pelo juiz transgressor e sua impunidade, como pelos procuradores atrás de
lucros, por ora não pode ser estimado. Nem as revelações do Intercept
terminaram ainda, longe disso.
Mesmo assim, há mais do que o suficiente para admitir a
providência do presidente do Supremo, Dias Toffoli, tão hostilizada nos últimos
dias.
À parte seus aspectos jurídicos, ainda por serem muito mais
discutidos, funciona em proteção aos cidadãos essa medida que susta as
investigações com uso, sem autorização judicial, de informações pessoais
cedidas por entidades financeiras, como Banco Central e, em geral, Coaf,
Receita. Não é justo deixar à sanha de dallagnois e policiais qualquer poder
arbitrário sobre a vida de outrem.
Dispomos de farta exposição de abusos, inclusive criminais, a
que os cidadãos ficam sujeitos se juízes, procuradores, promotores e policiais
não estiverem submetidos a vigilância e limitações.
Não há por que dispensar o pedido de autorização judicial. Nos
casos em que é feito, o comum é a pronta resposta do juiz. Diferente na escala,
a autorização judicial é o mesmo que cabe à Câmara e ao Senado, na apreciação
dos projetos do governo, para que se tornem leis, ou não.
A sede de poder arbitrário que procuradores, promotores e
policiais exibem é suficiente, por si só, para que lhes seja negado ou
retirado. É o que Moro e Dallagnol ensinam —sem querer.
MEMÓRIA
Morto em São Paulo no sábado passado (13), Paulo de Tarso Santos
era credor de homenagens que nunca lhe foram prestadas. Secretário e ministro
da Educação, com Franco Montoro e João Goulart, foi grande deputado por dois
mandatos, pelo Partido Democrata Cristão.
Foi sua a bravura de criar a CPI do IBAD, o falso Instituto
Brasileiro de Ação Democrática com que a CIA e a embaixada dos EUA compraram as
vitórias eleitorais de parte imensa do Congresso aqui formado em 1962.
O confronto e os riscos de hoje não se comparam aos daquele ano
até o golpe de 1964. Paulo de Tarso foi dos primeiros cassados e perseguidos,
exilando-se no Uruguai.
[Ilustração: Charge de Aroeira]
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