Militares do bolsonarismo não favorecem o conceito das Forças Armadas
Janio de
Freitas, na Folha de S. Paulo
As Forças Armadas e a imprensa estão em situações equivalentes na opinião
pública percebida pelo Datafolha: estão mal em seus respectivos
papéis. A posição de mais confiável, ocupada pela instituição militar, é
enganosa, porque seu destaque é influído pelo descrédito das demais
instituições e categorias.
Os militares
do bolsonarismo não
estão favorecendo o conceito das Forças Armadas. Excluída a dança da margem de
erro, pioraram as três faixas de opinião. Nos últimos três meses, o percentual
dos que "confiam muito" nos militares caiu de 45% para 42%. Como, na
verdade, quem "confia um pouco" não confia, esses e quem diz com
clareza que "não confia" elevam a 57% a proporção dos que não têm
confiança nas Forças Armadas.
É um indicador gravíssimo. Também exposto na dedução de que no
máximo 43% têm a confiança necessária. Nos países de intenções democráticas,
Justiça e Forças Armadas devem ser os pilares de confiança inflexível da
população, para todos os efeitos individuais e coletivos. Da Justiça nem é
preciso dizer alguma coisa. Das Forças Armadas, o Datafolha dá o básico e os
militares do governo dão sua contribuição.
Negativa. O
país até hoje não sabe que planos levaram tantos militares reformados, e bom
número de ativos, a acorrerem para o governo de um ex-militar que renegou todos
os princípios de que os militares se dizem praticantes: lealdade, pundonor
(sic), entrega ao dever, e por aí vai.
Se era para controlar o desatino de Bolsonaro, como foi dito ao
surgir a aliança, o plano desaguou em fracasso patético. Se, como dito depois,
os militares dariam os rumos do governo e Bolsonaro animaria o auditório, a
realidade é que os militares não mandam nada. Mal conseguem remendar algum eco
do que um deles chamou de "show de besteiras".
Essas intervenções têm, várias delas, prestado desserviço. Ou
mostram tolerância solidária com as patetices bolsonaras ou, pior, um nível
injustificável. Em tal sentido, a nós outros bastaria a impossibilidade admitir
como o primarismo de Bolsonaro combina com seis anos de cursos para formação de
oficiais. À custa do Estado, ou dos nossos impostos, e até com remuneração para
o aluno.
Entre a escolha e a posse, o novo ministro da Secretaria da
Presidência, general da ativa Luiz Eduardo Ramos, falou um pouco a repórteres
sobre militares e o país. Mas a atitude simpática foi tisnada por uma
afirmação, ou informação, terrível: (...) "isso não nos preocupa, não
estamos preocupados com Petrobras, o que nos preocupa é o território". É o
território, não o que está sobre ele, não o que faz o país. O petróleo, o
combustível que aciona o mundo, a riqueza-chave das nações que o têm e das que
o tomam, não preocupa militares brasileiros. Inconcebível.
O mais falante dos generais-ministros, Augusto Heleno
Pereira, em geral se ocupa de remendos --"o presidente quis
dizer que". Da própria lavra, o que sai é marcado pelo rancor permanente e
pelo ultradireitismo. Mas não deixa de exprimir algo que se parece com posição
difundida entre militares. É sabido, por exemplo, que os militares do Exército
são contrários à preservação da natureza amazônica.
Referem-se, sucintos, à riqueza do subsolo para prover recursos
aos governos. Uma opinião simplista. Então o general Augusto Heleno sentencia,
contra os ambientalistas de casa e dos acordos internacionais: "Querem
manter para depois virem explorar".
Ah, é isso. Outra ideia simplista que se confunde com a
anterior, a do território. Juntas fundamentam a "doutrina das Forças
Armadas para a Amazônia"? Pode ser. Mas confundem quem as ouve. Parecem
implicar é com o "depois", dada a inexistência de discordância
militar de presença multinacional na Amazônia mesma, com agropecuária entre
outras, e nas jazidas petrolíferas. Contraditório e simplório.
Quase nada se sabe da ideia que as Forças Armadas façam do
presente e do futuro brasileiros. Sua representação no governo não atenuou
nosso desconhecimento e piorou o conceito que os militares inspiram a seu próprio
respeito.
O AFIADO
Inteligente, com boa formação cultural, Paulo Henrique
Amorim foi uma disposição extraordinária de enfrentar graúdos e
dissecar o inaceitável. Seu blog, o Conversa Afiada, de mordacidade
bem-humorada, por tudo o que o levou ao sucesso, e por tudo o que se necessita
nestes tempos, merece um esforço para não faltar também.
[Ilustração: Aroeira]
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