Na CPI, Pazuello mente sobre falta de oxigênio em Manaus e decisão do STF; veja checagem
Ex-ministro da Saúde também negou ter
recebido ordens de Bolsonaro para cancelar acordo por vacinas com Butantan
Marcela Duarte, Maurício
Moraes e Nathália Afonso,
Folha de S. Paulo
AGÊNCIA LUPA
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello depõe
na CPI da Covid nesta quarta-feira (19). Ele negou em sua fala ter recebido
ordens do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para cancelar acordo com o
Instituto Butantan no período em que esteve à frente da pasta, entre maio de
2020, ainda interinamente, até 15 de março deste ano.
Pazuello voltou a repetir que o STF (Supremo
Tribunal Federal) limitou a atuação do governo federal —fato desmentido em
diversas ocasiões desde o primeiro semestre de 2020— e insistiu que só foi
avisado da falta de oxigênio em Manaus três dias antes do fato, contradizendo
ofício produzido pelo próprio governo.
Pazuello é o último dos ministros da Saúde do governo Bolsonaro a depor na CPI.
Também participaram os ex-ministros Luiz Henrique
Mandetta e Nelson Teich,
além do atual ministro, Marcelo Queiroga,
nos dias 4, 5 e 6 de maio, respectivamente.
A Lupa verificou algumas das
declarações de Pazuello. A reportagem contatou o Exército a respeito das
verificações e irá atualizar essa reportagem assim que tiver respostas.
Veja a seguir a checagem.
Eu tomei conhecimento do risco [de falta de oxigênio] de Manaus
no dia 10 [de janeiro de 2021] à noite, em uma reunião com o governador do
Amazonas e o secretário de Saúde
Eduardo
Pazuello
Em
depoimento na CPI
FALSO
O governo federal foi avisado no dia 8 de janeiro de 2021
que o sistema de saúde de Manaus estava perto de sofrer com a falta de
oxigênio. Um ofício da AGU (Advocacia-Geral da União) enviado ao STF (Supremo
Tribunal Federal) indica que a
empresa White Martins, fabricante de gases medicinais que fornece oxigênio para
hospitais do Amazonas, entrou em contato com o governo naquele dia
para avisar que a procura por oxigênio no estado estava aumentando. Por essa
razão, a White Martins sugeriu a contratação de uma segunda empresa para
fornecer mais cilindros, o que evitaria a falta do insumo.
“Até então, o Ministério da Saúde não havia sido informado
da crítica situação do esvaziamento de estoque de oxigênio em Manaus, ciência
que apenas se operou em 8 de janeiro, por meio de email enviado pela empresa
fabricante do produto”, diz o documento. O e-mail foi anexado.
No dia 18 de
janeiro, em entrevista coletiva, o próprio Pazuello confirmou essa
informação. "Mas aquela foi uma surpresa tanto para o governo do estado
como para nós. Até então, o assunto oxigênio estava equilibrado pela própria
empresa", afirmou o general.
No dia 14 de janeiro, quase uma semana depois, Manaus
sofreu com o colapso em seu sistema de saúde provocado pela falta de oxigênio
nos hospitais da região. Com a falta do insumo, pelo menos 30 pessoas morreram.
A decisão do STF em abril de 2020 limitou ainda mais a atuação do
governo federal nessas ações
Eduardo
Pazuello
Em
depoimento na CPI
FALSO
O STF (Supremo Tribunal Federal) não limitou a atuação do
governo federal e do Ministério da Saúde nas ações estratégicas contra a
pandemia da Covid-19. Na verdade, em três ações distintas, a corte decidiu que
a União não poderia interferir em estratégias de mitigação da pandemia
definidas por estados e municípios. Contudo, o entendimento dos ministros era
que a União também poderia traçar estratégias de abrangência nacional.
Na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 6.341, o STF decidiu que os governos
municipais e estaduais podiam determinar o
isolamento social, quarentena e fechamento do comércio. Já na ADI 6.343,
os ministros entenderam que os governadores e
prefeitos poderiam restringir a locomoção interestadual e
intermunicipal, caso achem necessário.
Por último, na Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) 672, o ministro Alexandre de Moraes
decidiu que as autoridades estaduais e municipais tinham a competência para
manter medidas adotadas para combater a pandemia. Nenhuma das decisões afastava
a possibilidade de o governo federal tomar medidas para a contenção da pandemia.
Em junho de 2020, a Lupa verificou
essa afirmação pela primeira vez e classificou a informação como falsa.
Aquilo foi apenas uma posição do agente político na internet
[ordem de Bolsonaro para cancelar protocolo de intenções do Ministério da Saúde
com o Instituto Butantan]
FALSO
O anúncio de que cancelaria o protocolo de intenções com o
Instituto Butantan para a compra da Coronavac não foi feito somente na
internet. No dia 21 de outubro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem
partido) afirmou publicamente, em entrevista coletiva, ter ordenado o
cancelamento do protocolo de intenções para aquisição de 46 milhões de doses da
Coronavac.
O protocolo de intenções havia sido assinado no dia 19 de
outubro e anunciado no dia seguinte em reunião realizada entre governadores e o
então ministro da Saúde Eduardo Pazuello. “Já mandei cancelar, o presidente sou
eu, não abro mão da minha autoridade (...)”, disse Bolsonaro após visitar
instalações da Marinha em Iperó (SP).
Na ocasião, ele disse que os processos de compra de qualquer
vacina contra a Covid-19 estavam descartados naquele momento. “Toda e qualquer
vacina está descartada. Tem que ter uma validade da Saúde e uma certificação
por parte da Anvisa também.”
Em 20 de outubro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), publicou em seu
Twitter que Pazuello teria aprovado a compra da vacina. No dia
seguinte, Bolsonaro disse publicamente que se tratava de um protocolo de
intenções e que tinha mandado cancelar. Ele também disse que cancelaria a
compra da Coronavac, no Facebook e no Twitter.
No dia 22, ele visitou Pazuello, que estava isolado se recuperando de Covid-19.
Na ocasião o então ministro disse, em vídeo, que “um manda e o outro obedece”.
Na CPI, Pazuello negou que a frase se referia à ordem de cancelamento e disse
que ela nunca existiu.
Apesar da reclamação de Bolsonaro e dos ataques à vacina, o
protocolo de intenções não foi cancelado. A compra da Coronavac pelo governo
brasileiro foi anunciada em 7 de janeiro de 2021, após a edição de uma medida
provisória que permitiu a contratação de vacinas antes do registro da Anvisa. O
contrato com o Instituto Butantan prevê a aquisição de até 100 milhões de doses
da vacina contra a Covid-19 em 2021, produzidas em parceria com a farmacêutica
chinesa Sinovac.
O desconhecimento da gravidade das
nossas cepas que circulavam pelo mundo no final de 2020 permitiu às autoridades
estaduais e municipais conduzirem (...) as festas de final de ano
FALSO
Ao contrário do que afirma Pazuello, embora as novas cepas não
fossem conhecidas, diversos governos estaduais e municipais adotaram medidas de
restrição e recomendaram que a população evitasse aglomerações durante as
festas de fim de ano de 2020. São Paulo, por exemplo, proibiu a
realização de festas em hotéis, restaurantes e bares e
recomendou que as festas domésticas fossem limitadas a até dez pessoas.
Outros estados também realizaram ações de conscientização. O Ceará, por
exemplo, divulgou um vídeo de uma mulher falando sobre o pai, que teria morrido
de Covid-19. “Neste fim de ano tenha cuidado com as
confraternizações, use máscara, evite aglomerações e cuide de quem você ama. A
pandemia não acabou”, dizia a legenda do vídeo. Bahia, Rio Grande do
Sul e Rio de Janeiro também
realizaram grandes ações de conscientização na data.
A variante do novo coronavírus localizada no Brasil foi identificada por
pesquisadores no dia 13 de janeiro, após as festas de final de ano. Nota técnica da
Fiocruz Amazônia informa que, no dia 30 de dezembro de 2020, os
pesquisadores identificaram um possível caso de reinfecção no estado. Eles
realizaram o sequenciamento do genoma e, no dia 13 de janeiro, houve a
confirmação de que o vírus analisado na amostra era uma uma nova variante, que
foi chamada de P.1. No início de março, a Fiocruz
comunicou que dos 8 estados avaliados por pesquisadores, apenas
2 não apresentaram a prevalência dessa variante.
Hoje o Brasil figura entre os
países que mais imunizaram no mundo
VERDADEIRO, MAS
O Brasil é o terceiro país do
mundo em número de pessoas que receberam ao menos uma dose de
vacina contra a Covid-19, segundo a plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford.
Em 19 de maio de 2021, o Brasil aparecia na lista com 36,8 milhões de pessoas
vacinadas. Os Estados Unidos e a Índia ocupam os dois primeiros lugares do
ranking. Os números da plataforma não incluem a China que, segundo
a Organização Mundial da Saúde, tem 388 milhões de pessoas vacinadas
—mas não há informações detalhadas sobre quantas receberam a vacinação completa.
No entanto, isso não quer dizer que o Brasil tenha a quarta melhor cobertura
vacinal do mundo, já que é também um dos países mais populosos do mundo.
Levando-se em consideração o número de pessoas vacinadas em relação à população
total, o Brasil cai dezenas de posições no ranking de imunização.
Dos mais de 200 países e territórios cujas informações foram
coletadas pelo Our World in Data, o Brasil ocupava a 85ª posição no
ranking de pessoas que receberam ao menos uma dose proporcionalmente à
população até esta quarta-feira (19). O Brasil já aplicou pelo
menos uma dose da vacina contra a Covid-19 em 17,33% da população, segundo o
Our World in Data. O percentual cai para 8,23% da população que já recebeu as
duas doses.
Ainda no final de dezembro (...), tomei a decisão de destacar uma
equipe do Ministério da Saúde para avaliar in loco [Manaus] a realidade da
situação e propor medidas de apoio
VERDADEIRO, MAS
De acordo com notícia
publicada no site do governo do Amazonas em 31 de dezembro de
2020, Pazuello destacou uma equipe do Ministério da Saúde para reuniões no dia
4 de janeiro de 2021 em Manaus para alinhar ações para o enfrentamento da
Covid-19. Apesar de a reunião ter acontecido, as medidas tomadas não impediram
que a cidade vivenciasse o caos por conta da falta de oxigênio em hospitais.
No dia 11 de janeiro, Pazuello foi até
o Amazonas para anunciar medidas de enfrentamento à Covid-19.
Era a segunda vez em oito meses que o sistema de saúde do estado operava com
dificuldades por causa da alta de casos e mortes. Enquanto faltavam leitos
e equipamentos e pacientes
morriam por falta de oxigênio, a Prefeitura de Manaus era pressionada pelo
Ministério da Saúde a distribuir remédios sem eficácia comprovada
para tratar seus pacientes, como cloroquina e ivermectina. A crise no Amazonas
levou a PGR (Procuradoria
Geral da República) a cobrar explicações do então ministro.
Entre as “medidas de apoio”
anunciadas por Pazuello durante a viagem a Manaus estava o lançamento do aplicativo
TrateCov, que sugeria a prescrição de hidroxicloroquina, cloroquina,
ivermectina, azitromicina e doxiciclina, medicamentos sem
eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19.
Lembro que nós tivemos aí, nas últimas duas décadas, quatro, cinco,
seis ministros, se não me engano quatro ministros, que não têm (...) [formação
na área] de saúde
VERDADEIRO
Dos 11 ministros da Saúde que assumiram a pasta nas últimas duas
décadas, 4 não eram
profissionais da área de saúde. São eles: Gilberto Occhi, Ricardo
Barros, Barjas Negri e José Serra. Entre eles, Serra foi o que permaneceu mais
tempo no cargo, assumindo em março de 1998 e saindo apenas em fevereiro de 2002
para se candidatar à Presidência da República.
Barros ficou pouco menos de dois anos, entre maio de 2016 e
abril de 2018, e também deixou o cargo para participar das eleições —na
ocasião, foi candidato a deputado federal pelo Paraná e se elegeu. Ministros
precisam renunciar aos seus mandatos antes de disputarem eleições.
Negri e Occhi assumiram o cargo após a saída de Serra e Barros,
respectivamente, ficando menos de um ano no cargo até o fim do mandato do
presidente da época —Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Michel Temer (MDB).
Outras 7 pessoas exerceram o cargo entre 2002 e 2016. Seis deles eram médicos e
1 era bioquímico.
E essa plataforma [Tratecov] não foi distribuída aos médicos
FALSO
Diferentemente do que afirma o ex-ministro, o aplicativo
piloto TrateCov ficou disponível para médicos de Manaus.
Segundo reportagem de 19 de janeiro veiculada na TV Brasil, vinculada à estatal federal EBC (Empresa Brasil de
Comunicação), médicos já estavam usando o programa, que visava,
supostamente, agilizar o diagnóstico de Covid-19. O lançamento foi feito no dia
11 de janeiro, durante viagem de Pazuello ao Amazonas. O mês de janeiro foi o
auge da pandemia no estado. Dois dias depois, no dia 13, começou a faltar oxigênio
nos hospitais da capital.
Na prática, porém, o aplicativo sugeria a prescrição de remédios sem
comprovação de eficácia contra a doença em qualquer caso que
houvesse dois ou mais sintomas da doença, incluindo sintomas não específicos
como diarréia e fadiga. A Lupa simulou diversos
cenários no aplicativo, em janeiro. Poucos dias após o seu
lançamento, em 21 de janeiro, o CFM (Conselho Federal
de Medicina) solicitou que ele fosse retirado do ar —o que foi
acatado pelo Ministério da Saúde.
Na crise da chikungunya, em 2017, o Ministério da Saúde criou
protocolos para o uso da cloroquina. Eu tenho todos eles. Em altas doses
VERDADEIRO, MAS
Em 2017, com a crise da febre chikungunya, o Ministério da
Saúde passou a recomendar hidroxicloroquina para tratar pacientes com a doença.
No entanto, no próprio documento, a pasta ressalta que esse tratamento não
tinha eficácia comprovada para a doença e que deve ser utilizado com
acompanhamento médico.
“Nos casos de chikungunya, o tempo de utilização da hidroxicloroquina estará
limitada a poucos meses, esperando-se que haja regressão dos sintomas e
suspensão da medicação. Porém, para os casos em que o especialista considerar a
necessidade de uso prolongado, a avaliação oftalmológica deverá ser oferecida
dentro do primeiro ano do início da droga e deverá seguir o controle oftalmológico
padrão recomendado após cinco anos”, informa.
Covid-19 e chikungunya são causadas por vírus com características bastante
diferentes. A Covid-19 é uma doença infecciosa causada pelo Sars-Cov-2, cuja
transmissão direta entre humanos é comum, por via aérea ou por contato. Já a
chikungunya é causada por um vírus de mesmo nome, que é transmitido por um
mosquito.
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