Números indicam uma eleição
apertada e muito no escuro
Pesquisas e economia pouco
ajudam a entender o voto de 22
Vinicius Torres Freire, Folha de S. Paulo
A maioria das pesquisas sugere que a eleição de presidente está apertada. Muito
apertadas quando se levam em conta a volatilidade do eleitor (propensão a mudar
de ideia na última hora) e voto "camuflado", hipótese ainda na mesa
das discussões sobre o resultado dos levantamentos
eleitorais.
A surpresa do número baixo de votos brancos e nulos no primeiro
turno de 2022, o menor de todas as eleições da redemocratização, junta
incerteza aos prognósticos. Para piorar, há os humores da abstenção. Os
resultados municipais e estaduais também não permitem especular nem de modo
vago sobre motivos de voto.
De resto, ainda sabemos pouco do que está acontecendo: de como
mudaram o país e a conversa política-eleitoral.
Na maioria das pesquisas, Lula aparece adiante de Bolsonaro por
uma diferença em torno de 7 pontos (considerados os "votos totais",
aquela conta que não descarta brancos e nulos). No Datafolha, são 5 pontos.
Especular com os resultados do primeiro turno também não ajuda
muito a pensar o que pode sair das urnas em 30 de outubro. Esses números ainda
não servem nem mesmo para orientar estratégias mais detalhadas (ou menos
desorientadas) de campanha. Precisam de mastigação demorada, universitária. Nem
se mencione o fato de que a conversa eleitoral corre por subterrâneos, que
apenas agora começam a ser estudados e sobre os quais não há medidas precisas,
a começar pelas redes e mensagens de celular.
Leia também: Quanta mais ampla, melhor. Rumo à vitória https://bit.ly/3RBdVuc
Uma primeira inspeção das votações municipais de Lula e
Bolsonaro no primeiro turno indica que seus resultados foram parecidíssimos com
os de 2018 (na comparação com a votação proporcional de Bolsonaro e de Fernando
Haddad). Ao menos na votação por cidade, a correlação entre 2022 e 2018 é quase
perfeita.
Não há relação entre "riqueza" (a precária medida de PIB per
capita municipal) e voto em Lula e Bolsonaro. Números de IDH municipal (como os
da Firjan, o mais recente de 2016) sugerem de modo vago uma votação
ligeiramente maior em Bolsonaro quanto maior o IDH da cidade, e o inverso para
Lula.
Especulações econômicas com os dados ora disponíveis não fazem lá muito
sentido. Se o aumento do emprego formal em três anos e pouco fosse um indicador
de "melhoria econômica" nas cidades, essa melhoria não teria tido
nenhum efeito perceptível sobre a votação de Lula e Bolsonaro. Os números de
vendas de comércio e empregos por estado, ainda mais grosseiros, também não
dariam pista alguma.
Está mais difícil do que sempre verificar como as andanças da economia
da vida cotidiana afetam cada tipo de eleitor. A semelhança da distribuição
espacial do voto (entre 2022 e 2018) e a ausência de evidência do efeito da
"economia" no voto de cidades e regiões podem sugerir que parte
relevante da conversa eleitoral seja de outra espécie.
De imediato, pode-se sugerir que esta eleição é um referendo sobre
Bolsonaro e sobre Lula, "pelo conjunto da obra" e algo mais. O algo
mais podem bem ser as discussões pautadas por Bolsonaro: "Deus, pátria e
família", "comunismo", a pregação antissistema (e, dentro disso,
o antiestatismo), o elogio (de um certo aspecto) da violência,
"identidades", corrupção (e uma versão pervertida) e, pelo avesso, da
sobrevivência da democracia.
Consideradas as inconstâncias listadas no início deste texto e o fato de
que faltam ainda 19 dias para a votação, o resultado da eleição é muito
incerto. Não se pode decretar que a discussão eleitoral não possa tomar outro
rumo, mas tem faltado imaginação ou novidade nas campanhas que agora recomeçam.
Também ainda não apareceu uma conversa decisiva para capturar os "nem-nem"
do primeiro turno.
Leia também: Urnas
eletrônicas nota 10 deixam de ser mote golpista https://bit.ly/3MdNPfB
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