ENTRE MULHERES
Indicado
ao Oscar 2023 nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado, o filme
é uma resposta a uma série de abusos sofridos por mulheres em uma colônia
Laura Machado/Revista Continente
“O que se segue é um ato da
imaginação feminina”
Escondida entre as cidades da
Bolívia, há uma pequena colônia habitada por uma comunidade menonita,
vertente religiosa do cristianismo evangélico que prega vivência baseada na Bíblia,
através de uma vida regrada, sem acessos à tecnologia atual e pautada na
disciplina do trabalho. A colônia de Manitoba, em particular, foi o local onde,
por anos, meninas e mulheres foram drogadas e estrupadas dentro de suas
casas.
Sobre os
chamados estupros fantasmas de Manitoba, a escritora canadense Miriam Toews
escreveu o livro Women talking, no qual se inspira
nos eventos ocorridos na colônia boliviana até 2009, para criar uma narrativa
de resposta às violências sofridas. Em sua obra, a autora se utiliza da frase
que abre essa resenha como um prelúdio triste da história que vem a seguir. Com
o sucesso da obra literária, o livro foi adaptado para o cinema em 2022, pela
atriz e diretora Sarah Polley, e está em cartaz nas salas do país desde a
última quinta-feira (3/3).
Indicado ao Oscar 2023 nas
categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado, a trama de Entre
mulheres (Women talking, 2022) questiona
justamente o que aconteceria se as mulheres violentadas se unissem para
escolherem o próprio destino e o de suas crianças. Assim, a narrativa se
desenrola no ambiente central de um celeiro, utilizado como uma ala de reunião
onde todas as presentes podem ter voz e opinar sobre o futuro das mulheres da
comunidade.
O longa-metragem, como um todo, se passa em cerca de 48h – tempo em que todos
os homens da colônia estão na cidade acompanhando o grupo de agressores e,
paralelamente, buscando fundos para a quitação das fianças dos atacantes – e
volta-se para os diálogos entre mães, filhas e amigas, que foram agredidas. A
decisão entre ficar na comunidade e perdoar os agressores, permanecer para
lutar contra os homens ou ir embora em unidade é a grande questão debatida
pelas personagens.
Como um
produto cinematográfico realizado a partir de uma obra literária, Entre
mulheres carrega o desafio desta transmutação, mas, além do
óbvio, também apresenta a dificuldade em criar um filme que possua o diálogo
como artifício central sem torná-lo mecânico e entediante. Com maestria nesta
adaptação, a direção de Polley instiga o espectador desde o início da trama e
as falas dos personagens são bem-encaixadas, criando uma atmosfera intimista e
capaz de passar um turbilhão de emoções e sentimentos através das palavras e
expressão das atrizes.
Com Claire Foy (The Crown, A very British scandal) no papel
de Salome, Rooney Mara (Carol, A rede social)
interpretando Ona e contando ainda com a veterana do cinema Frances McDormand,
as encenações das atrizes são um dos pontos de destaque no longa. Através de
entregas honestas e poderosas, as personagens femininas soam e se expressam
como mulheres reais que foram ensinadas a aceitar, a calar e a não questionar
os líderes da colônia.
Além de um time de grandes atrizes, Ben Whishaw foi o ator
escolhido para interpretar o professor August, filho de uma mulher cuja família
foi expulsa da comunidade e que, depois de se formar na universidade, volta
para suas origens com o intuito de ensinar os meninos. Diante das mulheres que
não sabem ler ou escrever, ele é convocado a participar do conselho como uma
espécie de escrivão, responsável por documentar todas as discussões e relatos
feitos pelas mulheres presentes.
Durante a narrativa do do filme, as mulheres choram e gargalham
juntas, gritam de raiva e se calam completamente, possuem vontade de matar e,
em outros momentos, de morrer. Entre mulheres é afetivo, ao mesmo tempo em
que se desenvolve como uma obra dolorosa sobre abuso, poder e suas relações
interconectadas, além de levar para as telas uma roda de diálogos honestos e
vulneráveis que, talvez, meninas e mulheres ao redor do globo sentissem vontade
de falar ou ouvir umas das outras.
LAURA MACHADO é estudante
de Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e estagiária da Continente.
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