A obsessão verde
da China
Ordos, na Mongólia Interior,
sinaliza os desafios da transição energética da China: do carvão para primeiro
parque industrial zero emissões
Marcelo Ninio*/O Globo
Uma cidade no deserto que enriqueceu graças a
seus recursos minerais está sendo forçada a rever seus conceitos para
acompanhar os novos tempos, sem perder o poder econômico. Ordos, com 2,2
milhões de habitantes no extremo norte da China e conhecida pelas minas de carvão, agora é movida pela
nova obsessão do país: investir na transição para uma economia verde e se
afastar da dependência de combustíveis fósseis. É uma versão ampliada do dilema
chinês, que tenta atingir a meta de zerar suas emissões de carbono até 2060 sem
afetar seriamente a produção industrial e a segurança energética, ambas ainda
largamente movidas a combustíveis “sujos”. Um sexto das reservas de carvão e um
terço do gás natural da China estão na Mongólia Interior, província onde fica a rica e sonolenta Ordos.
Graças a esses recursos, a cidade alcançou um PIB per capita três vezes mais
alto que a média nacional. Mas o que parecia um eldorado virou patinho feio.
Remota e desértica, a cidade não é para qualquer um.
Os moradores de Ordos ainda se ressentem da fama de “cidade
fantasma” que ela ganhou há alguns anos, depois que circularam imagens de
condomínios novos em folha, mas vazios, como um cenário sem elenco. Hoje isso
mudou, segundo as autoridades locais. No bairro de Kangbashi, onde ficam os
prédios retratados na época, mal se vê gente nas ruas, mas já não há
apartamentos disponíveis, garante o governo. Um dos principais atrativos para
povoar o bairro foi o nível das escolas, tido como um dos mais altos do país.
Outro foi a transição verde. As metas estabelecidas pelo
governo para a transição energética aceleraram os investimentos para que o
deserto da Mongólia Interior deixe de ser associado a riscos ambientais e
trabalhistas e passe a ser parte da solução, substituindo o carvão por energias
solar e eólica. Na periferia de Ordos, um parque industrial tinindo de novo tem
como ambição ser o primeiro do mundo com zero emissões de CO2. Na mesma região,
a petroleira Sinopec começou a construir o maior projeto de hidrogênio verde do
mundo, com investimento de quase US$ 1 bilhão. A estatal estuda desenvolver um
projeto semelhante no Brasil, discutido na recente visita do presidente Lula à
China.
Assim como outras políticas oficiais, o esforço é marcado por
ambiguidades. Enquanto estimula a economia verde, o governo anuncia o aumento
no uso de carvão este ano, para não correr riscos de apagões como os ocorridos
em 2021. Com a reabertura do país em dezembro, após o fim abrupto da política
de Covid zero, a retomada do crescimento econômico está no topo da agenda, mas
Pequim não baixou a guarda na área ambiental, com incentivos e punições aos
governos locais para atingirem metas de descarbonização.
E não só nos setores industrial e de geração de energia,
responsáveis por 80% das emissões. A diretriz estabelecida pelo governo central
é clara e reverbera em cadeia das grandes metrópoles às aldeias mais remotas.
Um diplomata europeu que cuida da área de saúde diz que não tem dado conta dos
convites de províncias ao redor do país para apresentar inovações que tornem os
hospitais menos poluentes.
O mercado de consumo também reflete a tendência: no ano
passado, foram vendidos mais carros elétricos na China do que a soma do mundo
inteiro. Na corrida para tornar-se a maior economia do planeta, a China
tornou-se o principal poluidor do planeta. Agora o país acelera para apagar
esse rastro.
*Jornalista em viagem a convite
da agência Xinhua
O acordo monetário Brasil+China https://bit.ly/3ohXXwa
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