25 abril 2023

Enio Lins opina: Revolução dos Cravos

25 de abril ou quando militares estão ao lado da Democracia

Enio Lins www.eniolinscom.br

 

Salvo raras exceções, comandantes militares posicionam seus comandados contra a Liberdade, contra a Fraternidade e, principalmente, contra a Igualdade. No mundo moderno, os coturnos, quase invariavelmente, pisam na Democracia. Mas foi diferente em Portugal há 49 anos, quando cravos vermelhos colocados nos canos dos fuzis anunciaram um novo dia.

Novíssimo dia depois de 48 anos de ditadura, iniciada com um golpe militar em 1926. Mas os fardados não se entendiam, golpeando-se uns aos outros pelo comando supremo, até que, em 1932, decidiram bater continência para um civil: António de Oliveira Salazar, professor universitário, conservador católico e especialista em finanças públicas.

Solteirão, Salazar difundia sua mitológica figura como um asceta cristão, devoto de Nossa Senhora, e sem contato com o sexo, embora – cuidadosamente – fizesse espalhar de vez em quando notícias sobre casos seus com mulheres. Seu marketing de líder despojado o apresentava como afastado da corrupção e a censura rígida à imprensa garantia essa aura.

Direitista e anticomunista empedernido, o ditador português, entretanto, procurou não se ligar diretamente nem a Hitler nem a Mussolini (cujo retrato mantinha na escrivaninha), seus contemporâneos e congêneres, por temer consequências danosas para Portugal, país ainda colonial, militarmente frágil, e ancorado numa tradicional aliança com a Inglaterra.

Apesar dessa posição de neutralidade mantida durante toda a II Grande Guerra, teria aceitado o apoio técnico de agentes da Gestapo para reorganizar sua Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), depois de 1945 renomeada Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), e entre 1969 e 1974 chamada de Direção Geral de Segurança (DGE).

Nunca se soube ao certo o número de pessoas assassinadas, torturadas e desaparecidas durante esse período ditatorial português. Gerações de líderes opositores foram se formando no exílio, e a derrocada do salazarismo passou a ser mais percebida pelos militares que enfrentavam os muitos movimentos de resistência armada nas colônias.

Especialmente na África a situação foi se tornando insustentável com o avanço das guerrilhas em Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, além da crescente resistência ao domínio lusitano em Timor Leste (Sudeste Asiático), Goa (Índia) e Macau (China). Nesse quadro, líderes militares portugueses começaram a navegar para a oposição.

Em 1968 Salazar sofre um acidente doméstico (queda com várias versões), é substituído por Marcelo Caetano, e sua saúde definha até morrer, em 1970, sem saber que não era mais o ditador, pois sua assessoria pessoal cuidou de teatralizar, durante dois anos, procedimentos como se ele continuasse a governar Portugal e suas colônias.

Portugal, nos anos 70, havia se tornado o país mais atrasado da Europa Ocidental e isso começou a incomodar mesmo a classe média beneficiada pelo salazarismo durante quatro décadas, sem falar nos militares acossados em além-mar. Em 1973 surge o Movimento das Forças Armadas (MFA), fortemente influenciado pelo proscrito Partido Comunista.

Nos primeiros minutos de 25 de abril de 1974, uma emissora de rádio colocou repetidamente no ar a canção “Grândola, Vila Morena”, até então censurada e de veiculação proibida pelo salazarismo. Era a senha. Os militares, acompanhados por civis, foram às ruas em rebelião e o ditador de plantão, Marcelo Caetano, deposto, fugiu para o Brasil.

António de Spínola, general, autor do livro “Portugal e o Futuro”, assumiu a presidência da República, sendo substituído por uma junta formada pelos militares (de esquerda) Costa Gomes, Otelo Saraiva e Vasco Gonçalves. Durante esse instável primeiro ano aconteceram rebeliões à esquerda e à direita, mas a Democracia se estabilizou.

Em abril 1975, nas primeiras eleições livres, venceu o Partido Socialista, liderado por Mário Soares, que superou tentativas de desestabilização. Em resumo, a partir de 25 de abril de 1974, Portugal retornou à civilidade democrática, desenvolveu-se de forma impressionante, alternando seus dirigentes desde então, mas com predominância dos socialistas no poder.

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