Os pontas que
jogam com o pé trocado
Por gostarmos de um jeito de
jogar, não precisamos desvalorizar o outro
Tostão/Folha
de S. Paulo
Os pontas velozes e dribladores são personagens históricos do futebol
brasileiro, embora em nenhuma das cinco Copas do Mundo conquistadas pelo Brasil
tenha havido dois típicos pontas.
Nos mundiais de 58, 62 e 70, o Brasil tinha um armador pela esquerda
(Zagallo em 58 e 62 e Rivellino em 70) que formava um trio no meio campo junto
com dois meio-campistas. Além disso, Jairzinho, pela direita, entrava na
diagonal para fazer gols. Não era um clássico ponta. Em 1994, o Brasil jogava
com dois volantes e um meia de cada lado (Zinho pela esquerda e Raí, depois
Mazinho, pela direita). Não havia pontas. Em 2002, quem avançava pelas pontas
eram os alas, Roberto Carlos e Cafu, no esquema com três zagueiros.
A excelente seleção de 82 também não tinha clássicos pontas,
velozes e dribladores. Pela direita, jogava o meia Paulo Isidoro, pela esquerda,
Eder Aleixo, que se destacava pelos passes, cruzamentos e finalizações de fora
da área. Um personagem inesquecível da Copa de 82, criado por Jô Soares, foi o
Zé da Galera, que, de um telefone público (orelhão), ligava para o técnico da
seleção e protestava: "bota ponta, Telê!".
Garrincha foi o maior ponta da história. Destro, driblava sempre
para a direita e colocava a bola limpa para o companheiro fazer o gol.
O futebol mudou. Hoje existem dezenas de pontas espalhados pelo mundo
que jogam com o pé trocado: os canhotos pela direita e os destros pela
esquerda. Driblam para o centro e passam a bola, cruzam ou finalizam. São
discípulos de Robben, craque holandês canhoto que jogava da direita para o
centro e fazia muitos gols.
Hoje, dos pontas com o pé trocado, o melhor de todos, do Brasil e do
mundo, é Vinicius Junior. Além de ter uma incrível velocidade e um enorme
repertório de dribles espetaculares, ele passa e finaliza muito bem. Corre com
a bola colada ao pé direito e, ao mesmo tempo, mapeia o posicionamento dos
companheiros para dar o passe certo, com açúcar e com afeto, para lembrar o
grande Chico Buarque.
Às vezes, Vinicius dribla para a linha de fundo e cruza com o pé
esquerdo ou com a parte externa do pé direito, um passe de trivela perfeito
para o companheiro, como um dos gols de Richarlison na Copa e tantos outros
marcados pelo Real Madrid.
Muitos pontas com o pé trocado, hábeis e dribladores, não adquirem outras virtudes, não executam bem outros fundamentos técnicos. Pedrinho do Atlético-MG parecia um futuro craque quando começou a jogar no Corinthians. Não evoluiu. Ainda é tempo.
Alguns pontas com pé trocado aprendem a driblar para o centro e
finalizar com a parte interna do pé, forte e de curva, de chapa, fora do
alcance do goleiro, como o gol de Mauricio na vitória do Inter sobre o
Flamengo. Mauricio precisa evoluir no drible e na construção de jogadas.
Nesta quarta (26), no grande clássico inglês entre Manchester
City e Arsenal, veremos excelentes pontas que jogam com o pé trocado, como
Saka, Martinelli, Mahrez e Grealish.
O ideal seria ter pontas que driblassem para os dois lados e que
cruzassem e finalizassem com a mesma qualidade com os dois pés. O único que faz
isso é o francês Dembélé, que atua no Barcelona. Porém ele é muito irregular,
às vezes confuso e não tem o talento de Vinicius Junior.
O ponta com o pé trocado é um avanço do futebol, embora faça falta o
ponta do passado, que driblava para a linha de fundo e cruzava. Por gostarmos
de um jeito de jogar, não precisamos desvalorizar o outro. Há lugar para os
dois.
O futebol
continua imprevisível? https://bit.ly/3ZyC9tL
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