A rara fineza do ex-presidente
Chico foi sempre o cantor dos insatisfeitos, que falou tudo que
queríamos e nem sempre podíamos ou sabíamos dizer
Cacá Diegues/O Globo
Há quatro anos, Chico Buarque de Hollanda ganhava para gáudio de todo brasileiro que se preza o
Prêmio Camões, destinado aos escritores de língua portuguesa que se destacaram
por uma obra espetacular, pelo conjunto de sua prosa e de seu verso merecedores
dessa atenção especial.
Entre os brasileiros, esse
prêmio já tinha sido no passado de gente como João Cabral de Mello Neto e Jorge
Amado, além de outros escritores do país da mesma categoria. Assim como
lusitanos, angolanos, moçambicanos etc, de igual valor.
Chico er
Ele
sempre foi a voz maior de nossa canção popular, desde que “estava à toa na
vida” até passar a escrever canções em nome dos brasileiros vítimas da ditadura
que nos sufocava e que nos fez sofrer por 21 anos, de 1964 a 1985. Meio como se
pagasse pelo sucesso unânime da “Banda”, ele passou aqueles anos todos numa
luta às vezes bem solitária contra a opressão e a injustiça, tendo sofrido
todas as consequências pessoais das duas.
Seus
admiradores, jovens ou velhos, podem até esquecer que ele foi obrigado a viver
fora do país por um tempo, que teve tantas de suas canções proibidas ou
censuradas, que nem sempre pôde cantar o que quis e onde quis, que sua vida
pública foi sempre um sobressalto. Mas não se recusarão nunca a uma homenagem
ao que fez por mais de uma geração de insatisfeitos.
Pois Chico foi sempre o cantor dos insatisfeitos, o artista
que falou por todos nós aquilo que nós queríamos e nem sempre podíamos ou
sabíamos dizer.
O ponto é que ele esteve
sempre contra tudo aquilo que nos fazia sofrer. Um sofrimento que não foi
apenas político, mas igualmente ligado a nossos costumes cotidianos. Um
sofrimento que podia até excluir nosso destino maior, mas que mantinha ativa a
tristeza e a dor de suas circunstâncias mais próximas e pessoais.
Por
ocasião do recebimento do Prêmio Camões, semana passada, em Sintra, onde
Glauber Rocha, outro grande brasileiro, viveu por essa mesma época seus últimos
dias, Chico nos deu mais dois exemplos fantásticos, entre muitos outros, de seu
espírito, humor e inteligência.
Primeiro
citando várias vezes seu pai, o grande historiador, sociólogo e escritor Sérgio
Buarque de Hollanda, durante toda a primeira metade de seu discurso de
agradecimento pelo Prêmio. Sérgio Buarque de Hollanda foi um dos criadores da
nova imagem do Brasil fundada por sua geração de cientistas sociais e as que
vieram depois dela. Ele agradeceu ao pai sobretudo por seu amor à língua
portuguesa.
E em
seguida, se referindo a nosso ex-presidente Jair Bolsonaro sem citar seu nome,
agradeceu “a rara fineza de não sujar o diploma de meu prêmio” com sua
assinatura.
Depois de quatro anos de
espera, Chico disse receber o Prêmio Camões como “um desagravo a tantos autores
e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez
e obscurantismo”. E o que seria de nós, os humilhados e ofendidos, sem Chico?
Viva ele,
Chico Buarque de Hollanda, o grande poeta que nos ajudou a sobreviver a esse
tempo obscuro e estúpido no Brasil!
Incansável
na luta e na arte de viver https://bit.ly/3GwFhie
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