O que é tido como moderno no
futebol já foi ultrapassado
E o que é visto como
ultrapassado outrora foi enxergado como moderno
Tostão/Folha de S. Paulo
No futebol, muitas coisas ditas como modernas já foram
ultrapassadas, enquanto outras, que eram vistas como modernas, tornaram-se
ultrapassadas.
Os anos 60 foram tempos de futebol arte, de improvisações e de
mais lances bonitos e efeitos especiais. Depois, mais ou menos nos anos 80,
começou a predominar o jogo coletivo. Os devaneios individuais eram menos
valorizados. Havia um fascínio pelas bolas longas e pela velocidade para chegar
ao gol. A troca de passes representava a lentidão e o jogo ineficiente. O
futebol ficou mais feio e improdutivo.
A partir da Copa de 2002 houve
uma reação, uma evolução lenta e progressiva na maneira de jogar que continua
até hoje. Descobriu-se o óbvio, que era possível unir a intensidade com as
triangulações e a falta de pressa para chegar ao gol, embora até hoje no Brasil
predominem as bolas longas e os cruzamentos para a área.
O clássico no meio de semana entre os dois Atléticos, pela Libertadores, foi um bom jogo, com muita intensidade,
emoção e belos lances, como o magistral gol do jovem Vitor Roque e a conexão
precisa entre Hulk e Paulinho no gol do Galo. Porem abusaram dos passes longos
com pouca participação do meio-campo, a não ser quando a bola chegava para o
veterano Fernandinho, que a tratava com carinho e muita técnica.
Repito, o Atlético-MG joga com dois blocos separados, cada um
com cinco jogadores: o de trás com os quatro defensores e o volante, o de
frente com três meias ofensivos e dois atacantes. Há pouca conexão entre os
dois blocos. A bola passa pouco pelo meio-campo.
O Fluminense, no Brasil, é o único time que privilegia a
construção das jogadas no meio-campo, com a aproximação de vários jogadores,
que trocam passes e avançam juntos em direção ao gol. Real Madrid e Manchester
City, os dois melhores times do mundo, que se enfrentarão em uma das semifinais
da Liga dos Campeões, destacam-se pelo prazer e pela criatividade de trocar
passes em direção ao gol. O Real, quando é necessário, utiliza a transição
rápida para o gol, com passes longos para Vinicius Junior. O mesmo faz o City
com Haaland.
Ganso joga hoje no Fluminense como meio-campista, de uma
intermediária à outra. Ele é o elo entre os jogadores. No passado, atuava como
meia ofensivo, da intermediaria do adversário ao gol, em pequeno espaço, à
espera da bola para dar o passe decisivo. Com o tempo, tinha cada vez menos
chance de recebê-la livre, causa importante do seu declínio. No Fluminense,
voltou a brilhar.
Sampaoli gosta também de unir intensidade e posse de bola. Assim
como Bielsa e Guardiola, ele costuma colocar sete jogadores no campo do outro
time e deixar três zagueiros no próprio campo. Para funcionar bem e não deixar
muitos espaços na defesa, é necessário recuperar, rapidamente, a bola. Quando
ele era técnico do Atlético MG, a equipe sofria muitos gols de contra-ataque.
As coisas vão e voltam na vida e no futebol. O ser humano é
um animal racional, de hábitos, repetições, que gosta também do novo. Já houve
a época dos românticos, dos realistas, do futebol arte e do de resultados.
Agora são os tempos do VAR, das redes sociais, da inteligência artificial, dos
relacionamentos digitais, do jogo com muita intensidade, da pressão para
recuperar a bola e de tantas outras modernidades. A única coisa que não sai de
moda é o talento.
Aqui e acolá tropeço na memória, ou na falta dela https://bit.ly/43zHiUU
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