Massacres
nas escolas: a PM resolverá?
Governador de SP quer mais vigilantismo para enfrentar
risco de atentados.
Mas há alternativas concretas e eficazes. Por exemplo, sistemas em que alertas preventivos da
comunidade escolar sejam escutados pelos conselhos tutelares e polícia.
O artigo é de Almir Felitte, advogado e
estudioso de Políticas
de Segurança Pública, publicado por Outras Palavras
Unisinos
Em um país
de tragédias diárias como o Brasil,
não é só com a violência que
nos acostumamos. Virou parte da nossa cultura política, também, a promessa de
soluções que nada solucionam. No caso da segurança pública, esse ciclo sem fim é
ainda mais evidente. Não há tragédia neste país que não venha acompanhada de
“mágicas” propostas conservadoras que sequer arranham os verdadeiros problemas
da população.
Nosso último triste caso foi o massacre
perpetrado em uma escola
paulistana por um aluno de 13 anos, culminando na morte da
professora Elisabete
Tenreiro. Até o momento, tudo tem indicado se tratar de mais
um crime de ódio.
Relatos de alunos, confirmados por pais e diretoria, apontam que o aluno
agressor havia sido repreendido na semana anterior ao proferir xingamentos
racistas a um colega e, desde então, já vinha planejando um ataque à escola.
De forma completamente oportunista
e impensada, o governador Tarcísio já
se apressou em dizer que estuda colocar policiais da reserva permanentemente
nas escolas como uma questão de segurança. E é neste ponto que, mais uma vez,
entramos no velho ciclo de “soluções mágicas” que nada solucionam.
A polícia militar, de fato,
tem um caráter preventivo. Ela é o que chamamos de polícia ostensiva, ou seja,
uma polícia que, como a própria palavra nos diz, se mostra, é facilmente
visível pela população, como uma forma de desencorajar que crimes sejam
cometidos nos lugares em que ela se faz presente. O grande problema é que, no Brasil, há uma
resistência enorme em compreender que este tipo de prevenção é bastante
limitado.
Certamente, para crimes de
oportunidade, como furtos ou roubos, o trabalho de policiamento ostensivo pode
funcionar como forma de prevenção nos locais em que for aplicado. Mas, apenas a
título de exemplo, coloque um policial ostensivo em cada esquina do país e isto
teria pouco ou nenhum efeito sobre a violência
contra mulheres, geralmente cometida no silêncio do âmbito doméstico.
O que se quer dizer aqui é que os
tipos criminais têm natureza e causas diversas entre si. Em outras palavras,
não há solução mágica que abarque todos os crimes de uma vez só, e as políticas
de segurança pública precisam compreender essa diversidade.
No caso em questão, se estamos a
falar de uma nova onda de crimes de ódio nas
escolas, será que realmente faz sentido oferecer como solução o
posicionamento de policiais ostensivos diariamente nas escolas como forma de
prevenção? Nesses casos, até que ponto o policiamento ostensivo seria realmente
preventivo?
Se os governantes realmente querem
buscar uma solução para este tipo específico de violência, é preciso,
primeiramente, se aprofundar em suas causas e seus métodos. Estamos falando de
casos que parecem cada vez mais se espelhar nos massacres motivados por ódio há
tantos anos vistos em escolas e faculdades dos EUA. Crimes que, quase
sempre, sucedem uma série de avisos de seu próprio autor que acabam ignorados
pelas autoridades ou pelas comunidades escolares.
Não são raros, nestes casos, que
seus autores se utilizem de redes sociais e fóruns na internet para conversar e
combinar com outros extremistas ataques deste tipo. Muitos deles chegam
a deixar manifestos de cunho extremista, proferindo discursos de ódio, momentos
antes de perpetrar seus massacres.
Já é mais do que sabido pelas
autoridades que há fóruns inteiros na internet dedicados a exaltar estes tipos
de violência e
a tratar como mártires seus
autores. Isso, aliás, impacta diretamente nos métodos usados por esses
agressores.
Esta martirização torna
comum, por exemplo, que os autores destes ataques não se importem em serem
pegos, cometam suicídio ao
fim dos massacres ou mesmo entrem em confrontos suicidas com as forças de
segurança. Dito isto, novamente pergunto: o posicionamento de uma polícia
ostensiva diariamente nas escolas realmente evitaria estes crimes
de ódio? Ou estamos a falar de um tipo de crime que
necessita de uma prevenção anterior?
No caso desta semana, por exemplo,
já há relatos de que sua antiga escola havia registrado um B.O. contra o aluno
por “comportamento suspeito”, vez que este fazia postagens e enviava mensagens
a outros alunos portando armas com
mensagens ameaçadoras. Impossível, assim, não se questionar se houve
negligência de outras autoridades que poderiam ser responsáveis por essa
prevenção, como a polícia
civil e o conselho
tutelar.
Nesse sentido, são importantes as
considerações trazidas por Samira
Bueno, diretora do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, em suas redes. Ela lembra que,
após o massacre
do colégio de Suzano em 2019, novos protocolos foram
criados para lidar com esse tipo de ameaças em ambiente escolar. Um deles é o
programa Conviva, que traz uma articulação entre a rede de ensino, o conselho
tutelar e a PM através da Secretaria de Educação.
Segundo Samira, este mesmo
programa já chegou a evitar massacres parecidos em Avaré, no ano de 2020.
Assim, é preciso se perguntar porque, mesmo com um B.O. já realizado contra o
aluno, desta vez, o programa não funcionou, em que ponta do programa houve
negligência por parte do Estado ou mesmo se o programa continua em pleno
funcionamento?
Aliás, as próprias declarações
de Tarcísio apontam
para os reais problemas. Tarcísio fala
em “fortalecer” o Conviva, aumentando em 10 vezes seu número de profissionais,
em “atualizar” sua plataforma e em “retomar” o programa de psicologia nas redes
de ensino. Suas falas passam a impressão de que todos estes sistemas haviam
sido simplesmente descontinuados ou sucateados nos últimos anos e em seu
próprio mandato.
Mesmo apontados, porém, estes
problemas parecem ser escanteados quando se coloca no foco, mais uma vez, o
policiamento ostensivo da PM como grande remédio para a questão. Este, aliás, é
o grande problema da segurança pública brasileira: a capacidade que a PM tem de
se colocar no centro de qualquer proposta sobre segurança no país. É uma
espécie de interdição do debate, onde qualquer medida que não envolva a PM é
desacreditada em “tom professoral”. No caso dos crimes de ódio em ambiente escolar, em um
país inundado por armas e onde o discurso de Bolsonaro ainda ecoa, esta é uma
postura que pode continuar custando vidas.
Há muitos debates que podem trazer
propostas realmente preventivas para frear este tipo de violência nas escolas.
Da regulação das redes ao acompanhamento
psicológico de alunos e professores, há um claro caminho
de propostas que não envolvam simplesmente aceitar os confrontos armados nas
escolas como algo inevitável. A segurança
pública brasileira precisa estar aberta a estas
alternativas.
Roda viva, roda girando https://bit.ly/3mlWMJ0
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