Quadrinhos são literatura também?
Enio Lins www.eniolins.com.br
Maurício de Sousa, o cara do gibi brasileiro, candidatou-se à Academia
Brasileira de Letras. Processo democrático, no qual entrou – aparentemente –
para marcar posição, pois o filólogo Ricardo Cavaliere era o franco favorito
desde muito antes, até por ter sido nome bem votado numa eleição anterior para
a casa de Machado de Assis.
Sem surpresas, o resultado confirmou as expectativas. Maurício de
Sousa parabenizou o vencedor, gesto civilizado e democrático que deixou de ser
banal nalgumas das mais importantes disputas recentes, como nas eleições
presidenciais dos Estados Unidos e do Brasil, onde deselegâncias e tentativas
de golpe foram destaques dos perdedores.
Mas o mais importante nessa disputa, que envolveu outras candidaturas além de
Maurício e Ricardo, pela Cadeira 8, foi a declaração de que “quadrinhos não é
literatura”, feita por um desconhecido concorrente à mesma vaga e que atacou o
criador do Cascão para tentar sujar um estilo de arte – e dos mais populares.
Polêmica instigante.
Quadrinho ser ou não
ser literatura, eis a questão. Insistindo no ponto: as Academias de Letras são
exclusivas para letras apenas em seus formatos tradicionais de prosa e poesia?
Bem, na ABL temos as maravilhosas presenças de cineasta e de atriz. Lá estão,
com toda justiça, Cacá Diégues e Fernanda Montenegro. Antes, na ABL esteve o
magnífico Nelson Pereira dos Santos, só para citar mais um nome sem obra em
texto corrido ou versificado.
Poder-se-ia
argumentar que cineastas, atrizes/atores manifestam suas
artes sobre uma base literária original em prosa ou poema. Sim, mas os
quadrinistas também. E o estilo “Novela Gráfica” se esmera em literalidade –
são contos, crônicas, romances, poemas em fusões artísticas de textos e
imagens. Ah, querem deixar de fora o “Gibi”?
Existe diferença
entre “Gibi” e “Novela Gráfica”? Dizem exegetas da
“banda desenhada” que sim, sendo gibis as histórias em quadrinhos com
personagens perenes (não envelhecem e quase sempre nunca morrem) e temas
recorrentes; enquanto as “Graphic Novels” são obras únicas para seus personagens
e temas. Tem gente que acha isso relevante.
Maurício de Sousa, pela perenidade de seus personagens – apesar das
alternativas com suas figuras noutras faixas etárias – seria um desenhador de
gibis. Mas é o mais influente gibizeiro do Brasil e um dos mais populares em
todo mundo. E tem uma obra diversificada, com grande variação temática, além de
inúmeras abordagens educativas.
Se fosse sufrágio
direto para a ABL, aberto ao leitorado em geral,
votaria eu renunciando ao segredo do voto: Maurício de Souza! E se
apresentassem suas candidaturas, votaria na Laerte, na Helô D’Angelo, no
Ziraldo, Luiz Gê, Angeli, Marcelo D’Salete, Shimamoto, Shiko... só para listar
quem me vem à mente num átimo. Literatura pura + arte gráfica primorosa.
É hora de aposentar o preconceito contra os conteúdos literários em forma
de “arte sequencial”, conceito definido pelo grande mestre Will Eisner
(1917/2005) genial americano de origem judia cuja obra é pura literatura – e
universal, humanística e histórica. No Brasil tivemos e temos estrelas radiosas
nesse segmento (literário, sim) dos quadrinhos, numa tradição nacional que nos
remete ao século XIX e que merece reconhecimento acadêmico.
Com que roupa? https://bit.ly/3mYNkKy
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