Não se engane,
quadrinhos são sim literatura
É possível aprender história,
ciência e muitos mais através dos gibis.
Douglas Nascimento/Folha de S. Paulo
A recente disputa pela cadeira número 8 da
Academia Brasileira de Letras (ABL), vencida em 27 de abril último pelo filólogo Ricardo Cavaliere por 35 votos contra 2 dados ao quadrinista
Maurício de Sousa, teve uma barulhenta e preconceituosa polêmica levantada por
outro concorrente da cadeira, James Akel, ao dizer que "gibi não é literatura".
Em se tratando de disputa eleitoral – e a cadeira na ABL é uma –
parece que Akel, um desconhecido dos meios literários resolveu levantar a
bandeira "anti-gibi" para se tornar conhecido. Acho que no fundo nem
mesmo ele acredita naquilo que disse e deve ter ido afogar as mágoas da derrota
na disputa, com zero votos, lendo um gibi do Mandrake para, talvez, desaparecer
do noticiário com um passo de mágica.
Nascido ele em 1953 em algum momento da sua infância ou
adolescência deve ter se deparado com os clássicos quadrinhos de história do
Brasil, produzidos pela extinta editora Ebal, nas séries "Grandes Figuras
em Quadrinhos", "Aventuras Heroicas" e "Edição
Maravilhosa". Nas décadas de 1950 até de 1970 esses gibis com adaptações
de textos literários ou históricos eram verdadeiras febres e vendiam muito,
sendo hoje seus exemplares remanescentes disputados por colecionadores de todo
o Brasil.
Não tive oportunidade de lê-los quando criança, nasci em 1974 e
minha infância e adolescência foi construída com gibis da Disney, Turma da
Mônica, Fantasma e Super Homem, esse último aliás mantenho a coleção até hoje.
Na vida adulta, já maduro, comprei as coleções clássicas da Ebal e posso
assegurar que James Akel está redondamente enganado.
O primeiro desses quadrinhos que comprei é o melhor exemplo do
engano de Akel: "O Sonho das Esmeraldas", um romance do jornalista e
escritor Paulo Setúbal adaptado lindamente para os quadrinhos em 1955 pelo
ilustrador Gutemberg Monteiro. Impossível ler este gibi das antigas e não aprender
história, só com muita má vontade. Ou ainda do mesmo ano de 1955 outro gibi
igualmente primoroso: "Zumbi dos Palmares" adaptado para os
quadrinhos pelo ilustrador Álvaro de Moya.
QUADRINHOS DE HISTÓRIA E LITERATURA NOS
DIAS DE HOJE
Gostaria aqui de sugerir aos leitores dois ótimos quadrinhos
nacionais atuais dedicados à história do Brasil que não só são literatura como
são ótimas opções de diversão ou aprendizado.
"Zé Carioca conta a história do Brasil" (Culturama,
2023, 112 páginas) é um lançamento que acaba de chegar às livrarias e traz os
mais famosos personagens da Disney, capitaneados por Zé Carioca, em aventuras
que misturam ficção e realidade onde vivem histórias do descobrimento, da
colonização e independência do Brasil.
A trama de cada capítulo foi concebida pelo escritor e
jornalista Eduardo Bueno junto com ilustradores brasileiros em uma verdadeira
obra de arte em quadrinhos, com papel de qualidade e capa dura. No final de
cada episódio, Bueno apresenta um texto onde contextualiza os quadrinhos com os
acontecimentos reais daquele período. Minha única crítica é quanto ao preço,
R$149, que afasta grande parte dos leitores jovens do Brasil desta ótima
produção.
"Independência ou Mortos" (Nerd
Books, 2012, 160 páginas) é outro gibi nacional em edição de luxo tão bom, mas
tão bom, que merecia ser roteirizado para um filme. Ambientado na fuga da
família real portuguesa para o Brasil a história mostra que o navio em que
D.João VI e sua corte veio para o Brasil é atacado por zumbis. O navio aporta
em terras brasileiras e o problema se espalha pelo país cabendo a D. Pedro I
duas missões: livrar o Brasil não apenas do domínio português, mas também dos
zumbis. A sinistra e divertida obra que mistura história do Brasil com monstros
lembra muito o livro (e depois filme) "Abraham Lincoln – Caçador de
Vampiros".
E tem muito mais quadrinhos interessantes atuais que viajam pela
literatura e história do Brasil, com temas que vão desde a revolução de 1924 ao
célebre ladrão paulistano Meneghetti. É só procurar e se divertir.
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