Fui médico. Faz muito tempo que deixei de ser,
arrastado pela atividade política intensa. Mas muita gente amiga aqui e acolá
me pergunta o que gostaria de perguntar a um médico. Sobretudo sobre crianças,
pois sabem que as atendi em enfermarias e ambulatórios. Transcrevo o texto
abaixo, que pode ser útil a mães e pais aflitos. (LS)
A primeira grande angústia
Febre não é doença. É
um sinal de alerta, um mecanismo corporal que pode ser muito útil para combater
infecções, mas que causa desconforto
Daniel Becker/O Globo
A febre é o sinal mais
característico do adoecimento na infância. A criança nos parece um pouco
abatida, mais quietinha, e a primeira coisa que fazemos é por o dorso da mão na
testa. Um gesto universal, que, quando encontra aquele quentinho
característico, sempre preocupa: meu filho está doente.
A
primeira febre do bebê é especialmente angustiante. Talvez porque ela nos
confronte com a mortalidade de nosso filho. Creio que a maioria dos pais tem em
seu inconsciente a fantasia de que sua cria pode ser imortal. Ora, quem sabe
ele não nasceu com super poderes: poderia ser um Super-homem, a Mulher
Maravilha, o Messias reencarnado. Mas quando a febre, essa marca da nossa
vulnerabilidade, se manifesta, ela torna nosso filho um reles mortal. Isso gera
um luto simbólico e uma angústia concreta para os pais.
Como a
febre é uma experiência universal, ela vem acompanhada de diversos mitos
errôneos, que é preciso desfazer. Antes de mais nada, febre não é doença. É um
sinal de alerta, um mecanismo corporal que pode ser muito útil para combater
infecções, mas que causa desconforto. Bem mais raramente, ela pode sinalizar
doenças autoimunes, inflamatórias, ou até malignas.
Ela é
geralmente definida como temperatura maior que 37,3°C. A medição deve ser feita
por termômetros axilares. Para uma melhor acuidade, espere três minutos antes
de aferir. Uma boa alternativa é o termômetro infravermelho de superfície. O de
orelha é mais impreciso para crianças.
Quando um
micróbio (vírus, bactérias, etc) penetra no nosso organismo, ou entra em
desequilíbrio com nosso microbioma, vai provocar um reação inflamatória. O
nosso sistema imunológico é ativado, e aciona uma parte do cérebro chamada
hipotálamo, que funciona como um termostato, regulando a temperatura corporal.
Ao receber o sinal, ele aciona os mecanismos de elevação da temperatura:
produzir e reter calor. A produção fica por conta do aumento da atividade
muscular, que se traduz no tremor do calafrio. A retenção se faz pela
vasoconstrição na pele, para que o sangue chegue menos à superfície, evitando a
perda de calor. Com isso, quando a febre sobe, mãos e pés podem ficar frios.
Ocorrem também a aceleração da respiração e das batidas do coração, traduzindo
um aumento do metabolismo.
Um erro comum é dar
remédios ao menor aumento de temperatura. Isso é desnecessário e prejudicial. A
febre baixa é benéfica: ela ativa os mecanismos imunológicos de combate à
infecção. Por isso, não deve ser tratada indiscriminadamente, apenas quando
causar desconforto. Isso ocorre geralmente acima de 38,5°C.
Outro
mito muito comum a ser desfeito: a febre não é causa primária de uma convulsão.
É apenas um fator desencadeante em crianças com alguma predisposição. A
convulsão febril é quase sempre benigna e não deixa sequelas. Mas uma criança
com febre que convulsiona deve ser levada ao atendimento para ser avaliada, já
que uma das causas possíveis desse quadro é a meningite.
Mais de
90% das febres em crianças resultam de infecção por vírus. Não é à toa que os
pediatras levam a fama: “pra ele tudo é virose”. Geralmente é mesmo. O bom
pediatra é aquele que sabe distinguir quando não é, e evitar medicar
indevidamente quando é.
As febres
das infecções virais geralmente curam espontaneamente em 3 a 4 dias, e a
criança não precisa de nenhuma medicação específica: nem antibióticos, nem
anti-inflamatórios ou corticóides. Além dos antitérmicos (usados com critério),
apenas água (o mais importante é hidratar bem) e sintomáticos, como soro nasal
nas gripes. Outro mito a ser desfeito: vitamina C artificial não ajuda em nada,
e tem conservantes nocivos. Use frutas.
Voltaremos
a esse tema, tão importante pela sua universalidade, para falar sobre sinais de
perigo, a hora de procurar atendimento, aspectos importantes do tratamento e o
uso correto de antitérmicos.
Nem sempre a aparência é igual
à essência https://bit.ly/3Ye45TD
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